A ortorexia é definida como a preocupação excessiva com a alimentação saudável, mas há controvérsia
A ortorexia não é reconhecida oficialmente como uma doença. Mas alguns profissionais da saúde a classificam como um distúrbio alimentar. O termo sugere que ter uma alimentação “saudável demais” pode fazer mal à saúde. Por mais que isso pareça contraditório, é no meio dessa contradição que está o termo “ortorexia“.
O que é?
Ter uma alimentação saudável demais não prejudica a saúde. O que a corrente que debate a “ortorexia” aponta como um problema é, na busca por uma alimentação saudável, a preocupação exagerada com o ponto de vista biológico sobre os alimentos, ou seja, com os efeitos que nutrientes e aditivos presentes no que se ingere proporcionam ao corpo. Como o indivíduo sabe quais os efeitos nocivos que determinado tipo de comida pode causar, ele o evita. Dessa forma, a função cultural e o bem-estar envolvidos no ato de se alimentar acabam perdendo espaço.
A ortorexia, palavra inspirada nos termos gregos “orthos” (correto) e “orexis” (apetite), não define uma doença oficialmente reconhecida pelas normas internacionais de classificação de enfermidades, mas caracteriza um debate em torno da alimentação saudável.
Como surgiu o termo?
Esse debate começou com o médico Steven Bratman que, ao observar seus próprios hábitos alimentares, teve a percepção de que possivelmente poderia estar apresentando um comportamento nocivo à saúde.
Nas palavras do próprio médico:
“(…) comia legumes frescos e de qualidade plantados por mim, mastigava cada colherada mais de 50 vezes, comia sempre sozinho, em local sossegado, e deixava o meu estômago parcialmente vazio, no final de cada refeição. Tornei-me um presunçoso que desdenhava qualquer fruto colhido da árvore há mais de quinze minutos. Durante um ano fiz essa dieta, senti-me forte e saudável. Observava com desprezo àqueles que comiam batatas fritas e chocolates como meros animais reduzidos à satisfação dos seus desejos. Mas não estava satisfeito com a minha virtude e sentia-me sozinho e obcecado. Evitava a prática social das refeições e obrigava-me a esclarecer familiares e amigos acerca dos alimentos.”
Quem está sujeito?
De acordo com um artigo publicado pela revista Scielo, essa busca obcecada por se alimentar apenas de alimentos que estão de acordo com uma dieta previamente estabelecida em parâmetros biológicos é uma conduta que ocorre principalmente entre estudantes de medicina, médicos, nutricionistas, indivíduos ansiosos, indivíduos obsessivo-compulsivos, pessoas fissuradas em obter o corpo perfeito (de acordo com os ideais estabelecidos pelo próprio indivíduo a partir de padrões sociais) e atletas, mas qualquer um está sujeito a desenvolver ortorexia.
Sintomas
O indivíduo que possui ortorexia analisa de maneira minuciosa o valor nutricional e calórico dos alimentos e não se permite a mínima conduta fora do previamente estabelecido. Se por acaso “escorrega” na dieta, sente-se infinitamente culpado e inferior. Outros sintomas da ortorexia incluem:
- Gastar mais de três horas por dia no planejamento da dieta;
- Presença de traços fóbicos e obsessivos;
- Preferência ao jejum a comer o que se considera “fora dos parâmetros e impuro”;
- Fixação pela alimentação “ideal” mesmo que isso custe prejuízos à saúde;
- Sensação de insatisfação com a própria condição;
- Tentativas insistentes de esclarecer os outros acerca dos benefícios da dieta seguida;
- Quando a busca pela alimentação ideal tem fundamentação religiosa, pode ocorrer a busca por compensações espirituais;
- Rituais peculiares e objetos cuidadosamente escolhidos para o ato de comer.
O indivíduo com ortorexia normalmente se isola socialmente e deixa de participar de eventos familiares e sociais por conta da fixação na dieta perfeita. Isso traz prejuízos à saúde mental e ele se sente cada vez mais insatisfeito com tal condição, o que acaba inviabilizando a conduta ou levando à situações extremas, em que a própria saúde do indivíduo é posta em risco.
Controvérsia
Algum tempo após iniciar o debate em torno do termo “ortorexia”, o próprio médico responsável pela classificação do que seria uma desordem alimentar fez críticas à sua definição primária de ortorexia.
De acordo com Bratman, ele errou em não conseguir enfatizar a diferença entre alimentação saudável e ortorexia em sua definição original. Ele afirma que têm sido publicados muitos artigos que utilizam o termo “ortorexia” de maneira equivocada, igualando o que seria uma alimentação saudável a um transtorno alimentar.
De acordo com o médico, uma dieta alimentar pode cortar completamente um grupo de alimentos ou mais, ser convencional ou não convencional, extrema ou frouxa, normal ou totalmente maluca, mas independente dos detalhes, os seguidores da dieta não possuem necessariamente ortorexia; se assim fosse, qualquer dieta médica restritiva convencional seria ortorexa.
Para ser ortorexa, a pessoa precisa apresentar algum distúrbio alimentar relacionado à tentativa de manter uma dieta saudável/restritiva.
O autor do debate em torno da ortorexia recomenda: “Mantenha o senso de equilíbrio: você pode dar preferência a alimentos orgânicos (eu também dou), evitar químicos conservantes e antibióticos (eu também evito) e considerar que muitos alimentos processados não são alimentos (eu também acho), isso não significa que você deve seguir esses princípios em 100% do tempo. Isto seria perfeccionismo, obsessão, ortorexia.”
Outra crítica feita ao termo é sobre sua inutilidade, uma vez que, para hábitos alimentares insalubres, já existe a classificação de “transtorno alimentar“, que é amplamente aceita pela sociedade médica e de nutrição.
Ter alimentação saudável não é errado
A alimentação saudável não inclui apenas os valores nutricionais, calóricos e biológicos dos alimentos, mas também uma saúde mental adequada, em que se alimentar não se torna um martírio e sim uma atividade prazerosa.
É verdade que pesticidas, herbicidas, transgênicos e produtos industrializados não são completamente saudáveis e que comer o alimento fresco e orgânico nos horários e quantidades adequadas é melhor, por exemplo. Mas no mundo em que vivemos, manter uma dieta 100% rígida nesses parâmetros é praticamente impossível ou muito custosa em termos de esforços que acabam fazendo do ato de se alimentar um desprazer. O ideal seria ter uma qualidade alimentar mais saudável que o padrão atual, mas, até lá, é necessário equilíbrio e bom senso.
Seguir uma dieta saudável não é um erro, muito pelo contrário. O equívoco está em tornar a busca pela alimentação saudável algo insalubre. O equilíbrio é fundamental para a vida e para o bem-estar.
Não existe alimento “vilão” e alimento “anjo”. O óleo de coco, por exemplo, que para alguns funciona como uma fonte de ácido láurico (assim como o leite materno) e pode inclusive ter usos benéficos sobre a pele, pode ser tido como vilão por ser muito rico em gordura saturada. Não há problema em ingerir óleo de coco, o problema está principalmente nos excessos. E isso vale para qualquer alimento, inclusive para a água.
Por outro lado, não se pode discriminar pessoas com alergias e intolerâncias alimentares e os diversos hábitos culturais de alimentação.
No caso dos celíacos e intolerantes a glúten, por exemplo, foi estabelecida, no Brasil, a obrigatoriedade em identificar alimentos contendo glúten. O respeito também vale para aqueles que possuem dietas restritivas como no caso dos alérgicos a amendoim, leite, entre outros. Isso também vale para aqueles que não possuem alergia, mas preferem restringir alguns alimentos da dieta por escolha, não merecendo serem classificados como “ortoréxicos” se levam um vida saudável.
É respeitando as diferenças, com equilíbrio e bom senso, que se vive uma vida verdadeiramente saudável.