Por Mathilde Bouyé e David Waskow em WRI Brasil – Populações de baixa renda e outros grupos vulneráveis poderiam ser muito beneficiados pela ação climática, usufruindo desde energia mais limpa e barata até uma vida mais saudável. Ainda assim, esses grupos enfrentam as maiores barreiras no acesso a esses avanços. É o que mostra um novo estudo do WRI que avalia os impactos de medidas climáticas prioritárias em seis setores: indústria, energia, transportes, cidades, agropecuária e silvicultura.
Se projetados considerando questões de equidade, grandes investimentos e soluções inovadoras que ajudam a mitigar as mudanças climáticas e a construir resiliência poderiam oferecer os maiores ganhos às comunidades mais impactadas pelos desastres climáticos e pela poluição.
Esses ganhos incluem acesso a saúde de melhor qualidade, energia, água, transporte e oportunidades de trabalho dignas, bem como um custo de vida acessível e mais participação política, social e cultural – todos fatores essenciais para o desenvolvimento humano. Colocar a equidade na linha de frente da ação climática poderia, portanto, ajudar a reduzir a desigualdade social.
A seguir estão sete maneiras pelas quais a ação climática pode prevenir a piora das desigualdades – e tornar o mundo de zero carbono mais justo:
Formuladores de políticas costumam falar da ação climática como um “ganha-ganha”, que beneficia o clima e as pessoas, assumindo que benefícios como emprego e saúde são universais. Ao fazer isso, no entanto, com frequência simplificam demais a questão e deixam de lado escolhas políticas referentes à desigualdade existente e à redistribuição de custos e benefícios. Por exemplo, a agricultura de baixo carbono vai cortar custos com fertilizantes e pesticidas e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade do solo – mas apenas depois de anos de investimentos iniciais com os quais muitos produtores não conseguem arcar.
A experiência mostra que, na ausência de uma meta explícita de equidade social, os benefícios em geral ficam fora do alcance dos menos favorecidos. Como qualquer outro tipo de política, as ações climáticas são planejadas no mesmo contexto estrutural, socioeconômico e de poder que mantém a desigualdade.
Por exemplo, a representatividade desigual entre tomadores de decisão, junto à aplicação enviesada de regulações de uso da terra, explica por que projetos de infraestrutura sustentável muitas vezes não atendem áreas carentes e realocam de forma desproporcional os moradores mais pobres para locais onde a qualidade de vida pode ser ainda pior.
Isso fica evidente diante das intervenções de mitigação de inundações que deslocaram muitas pessoas em todo o mundo – incluindo cidades como Daca, em Bangladesh, Manila, nas Filipinas, e Nova Orleans, nos Estados Unidos – ao mesmo tempo em que empreendimentos privados aumentaram nas áreas às margens de corpos hídricos, áreas naturais de inundação e em áreas de retenção de água de inundações. Infraestrutura e projetos urbanos verdes concebidos para tornar as cidades mais resilientes também podem ser cooptados exclusivamente por motivações de lucro, como empreendimentos imobiliários.
Assegurar uma transição justa que não deixe ninguém para trás exige que o planejamento da ação climática deixe de considerar a equidade social apenas como um potencial cobenefício. A equidade social não pode ser uma meta secundária; a priorização proativa de grupos vulneráveis precisa ser um elemento central no planejamento de iniciativas climáticas.
O Just Transition and Equitable Climate Action Center (Centro para Transição Justa e Ação Climática Equitativa) do WRI reúne exemplos inspiradores de diversas partes do mundo onde esforços mais proativos estão em curso para ajudar trabalhadores e comunidades na transição para uma economia não mais baseada em combustíveis fósseis.
O projeto Noor Solar Power Station, do Marrocos, estabeleceu metas claras para garantir a contratação e benefícios sociais para os trabalhadores, incluindo a exigência de que pelo menos 30% da matéria-prima, equipamentos básicos e componentes de fabricação usados na estação sejam adquiridos em negócios locais.
Diante da urgência de aumentar a escala da ação climática o mais rápido possível, governos locais e nacionais definem prioridades que podem deixar os mais vulneráveis para trás. Incentivos que promovem a adoção de tecnologias de baixo carbono, por exemplo, muitas vezes visam os maiores emissores, aprofundando o acesso desigual a produtos e tecnologias mais novos, eficazes e limpos. Os investimentos em infraestrutura de baixo carbono e resiliente ao clima também costumam ser mais baratos e eficientes nas regiões mais populosas e onde há mais movimentação econômica, em vez de áreas rurais remotas e menos povoadas.
Além disso, a introdução de tecnologias verdes e resilientes mais eficazes – incluindo infraestrutura para veículos elétricos, parques urbanos, adaptação de edifícios visando à eficiência energética – pode aumentar os custos de habitação e bens materiais.
Algumas autoridades locais estão dando início a um planejamento proativo capaz de garantir que novas adições como essas não aumentem os preços dos imóveis e tornem o custo de vida inacessível para antigos moradores – processo chamado de “gentrificação verde”. Considere o Atlanta Beltline, no estado da Geórgia, nos Estados Unidos, por exemplo – um cinturão verde com novos parques e atividades, que incluiu metas para a criação de empregos locais e habitação social e adaptou o desenvolvimento de amenidades verdes às necessidades das pessoas de mais baixa renda em determinados bairros.
Em todo o mundo, soluções resilientes e de baixo carbono que empoderam comunidades locais – incluindo a distribuição de energia renovável, cadeias de abastecimento mais curtas e o desenvolvimento de economias locais circulares – podem permitir um processo de tomada de decisão mais descentralizado e, ao mesmo tempo, fortalecer os laços sociais.
É comum que avaliações de impacto de projetos climáticos cometam algumas falhas. Estas incluem assumir que os cobenefícios normalmente associados às medidas climáticas estão sempre presentes, a incapacidade de analisar como os benefícios estão distribuídos e o foco em uma seleção de variáveis econômicas que desconsidera uma série de outros impactos sociais e culturais.
Avaliações completas de impacto na equidade vão além das abordagens de cobenefícios e da abordagem “não-faz-mal” para identificar impactos e barreiras sociais – como certas normas sociais ou o acesso limitado à tecnologia – que podem impedir grupos vulneráveis de usufruírem as oportunidades. Essas avaliações podem envolver a retirada de algumas medidas prejudiciais, a revisão de outras e a realização de correções para compensar danos e remover obstáculos. Essas medidas em geral aliam instrumentos de política, fiscais e financeiros (de descontos a programas de capacitação) e são focadas nos grupos mais afetados (usando métodos como critérios de elegibilidade).
Avaliações de impacto de programas de eficiência energética nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, mostram que esses programas tendem a beneficiar principalmente famílias de renda média e alta que possuem casa própria, podem pagar pelas adaptações e têm bom acesso à informação. Barreiras como essas com frequência impedem o acesso a oportunidades de adaptação de pessoas que vivem em casas com isolamento térmico insuficiente e pagam contas de energia altas. Medidas corretivas que ajudam a remover essas barreiras incluem uma segmentação proativa do público alvo dessas políticas com base em área e faixa de renda, apoio para inquilinos e modelos centralizados de locais físicos ou virtuais de serviços, no estilo “tudo em um só lugar” (“one-stop-shop”, em inglês), que possibilitem aos moradores acessarem diversos serviços no mesmo lugar, facilitando ao máximo seu acesso a esses programas de eficiência energética.
Coletar dados desagregados por renda, gênero, idade, raça, etnia e outras características (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 17.18) é um pré-requisito para uma avaliação de impacto diferenciada. Mas a coleta desse tipo de dado ainda é um desafio para a maioria dos países e requer mais investimentos. A lacuna nos dados pode ser um entrave para o planejamento de intervenções que se encaixem nas necessidades de grupos vulneráveis.
Por exemplo, uma análise de beneficiários de mecanismos “pré-pagos” para serviços de energia solar em um número cada vez maior de países africanos mostra que os usuários em áreas rurais geralmente são funcionários, produtores ou comerciantes locais, e é necessário mais flexibilidade para alcançar os consumidores mais pobres.
Em bairros carentes e áreas rurais remotas, a ação climática pode acarretar custos iniciais altos para as autoridades e comunidades locais. A mobilização dos recursos adequados pode ser um desafio devido ao escasso financiamento público e à dependência de entidades privadas que preferem retornos de curto prazo aos investimentos.
Mas existem soluções. Projetos de agricultura sustentável oferecem algumas ideias promissoras para emular de que forma uma ampla gama de ferramentas financeiras pode ser acionada para ajudar os agricultores de baixa renda a adotarem práticas sustentáveis que podem implicar perdas de rendimento no curto prazo. Essas ferramentas incluem transferências financeiras, associações de crédito e poupanças rotativas comunitárias, instituições de microfinanças e seguro agrícola para reduzir os riscos financeiros.
O planejamento consciente para distribuir recursos para populações vulneráveis também pode ser melhor integrado e instrumentos de financiamento climático podem ser ajustados para assegurar equidade social. A receita gerada por taxas verdes, por exemplo, pode ser reservada para áreas carentes e critérios de equidade podem ser usados para garantir o acesso a fundos verdes.
Modelos de financiamento inovadores como títulos de impacto ambiental são testados principalmente em países de alta renda, mas têm o potencial de ser expandidos. Em qualquer cenário, governos locais e nacionais têm um papel importante a desempenhar: direcionar investimentos privados para populações carentes.
No contexto da pandemia de Covid-19, que colocou milhões de pessoas em níveis ainda mais severos de pobreza, é mais evidente do que nunca que precisamos combater a crise climática e a desigualdade ao mesmo tempo. Assegurar ações climáticas justas requer mudanças profundas nos processos convencionais de planejamento, e os pontos que delineamos aqui podem exigir que os países revisem suas orientações na elaboração de políticas climáticas.
Para conhecer outras ferramentas que ajudam formuladores de políticas a considerar justiça social no planejamento de ações climáticas, consulte o estudo do WRI “Achieving Social Equity in Climate Action: Untapped Opportunities and Building Blocks for Leaving No One Behind” (em português, “Atingindo a igualdade social na ação climática: oportunidades inexploradas e considerações para não deixar ninguém para trás”).
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