Por Ana Maria Heuminski de Avila, do Jornal da UNICAMP | No dia 05 de junho de 2016, Campinas foi surpreendida por um evento meteorológico extremo sem precedentes. Aquele mês de junho foi o mais chuvoso da história da Estação Meteorológica do Cepagri, cujos registros tiveram início em 1989. Até o dia 05 já havia sido registrado mais de 100% do total esperado para todo o mês (em termos de média climatológica, junho é o terceiro mês do ano menos chuvoso). Muito acima da média, somente essa quantidade de chuva já pode ser considerada uma situação anômala.
Somando-se a isto, houve pelo menos três, eventos meteorológicos extremos na região, sendo um em Campinas, nas primeiras horas do dia 5. Tais eventos, totalmente atípicos em qualquer época do ano, especialmente no outono, em latitudes tropicais do Hemisfério Sul, causaram prejuízos enormes, inclusive com perdas de vidas.
As ferramentas mais apropriadas para análise e previsão de eventos severos são os satélites meteorológicos e, principalmente, os radares. Na noite do dia 4 para o dia 5, se observavam nuvens intensas se formando e se aproximando, com potencial de tempestade severa. Entretanto, a limitação da frequência de imagens e a distância do radar existente, não permitiram a previsão e a emissão de alerta em tempo, resguardadas as limitações devido à rápida formação do fenômeno meteorológico.
Ao atingir Campinas, estima-se que a nuvem tinha aproximadamente 300 toneladas de água e chegou a produzir um raio a cada segundo. Essa severidade pode ser associada a um tornado ou a uma microexplosão, um processo de formação de fortes correntes descentes que podem gerar ventos de mais de 100 km/hora. Já o tornado, fenômeno mais severo, produz ventos em rotação e uma sucção do ar em seu vórtice. No caso do evento de Campinas, as imagens e os estragos provocados mostram um padrão de microexplosão. Se fosse um tornado, eles seriam múltiplos, pois regiões diferentes foram atingidas sem uma trajetória definida unindo essas regiões. Conhecidos como as forças mais destrutivas da natureza, normalmente tornados múltiplos são devastadores.
Entretanto, esta não é a questão mais importante, pois as nuvens tinham potencial para a formação de qualquer um dos fenômenos supracitados.
Felizmente, esse evento climático severo que surpreendeu Campinas há seis anos, atingiu áreas com construções sólidas e resistentes. O horário da microexplosão – aproximadamente 12h30 da madrugada de sábado – também evitou consequências mais graves já que havia poucas pessoas em deslocamento e escolas e comércio estavam fechados.
Frente às mudanças climáticas globais, com o aquecimento global, tais eventos poderão se tornar mais intensos e frequentes. Ademais, ainda são enormes os desafios para a chamada previsão imediata (ou de curto prazo) no Brasil uma vez que é uma ciência relativamente nova e o país não tem um histórico de eventos severos. Ainda assim, a Região Metropolitana de Campinas (RMC) possui antecedentes de fenômenos meteorológicos de impactos negativos para a governança regional, com sérias interferências nas redes produtivas e de circulação da produção e comunicação. Vale ressaltar que prever eventos severos e sua magnitude é um dos maiores desafios das ciências atmosféricas em qualquer lugar do mundo, especialmente nos trópicos. Pouco se sabe sobre os processos no interior das nuvens que definem a severidade do evento.
Neste sentido, o projeto temático da Fapesp SOS Chuva (Sistema de Observação e Previsão de Tempo Severo) trouxe à tona um assunto recorrente desde a década de 1980, o Sistema Paulista de Meteorologia (SIPMET) cujo propósito é organizar as instituições que trabalham com Meteorologia no Estado de São Paulo em centros regionais, uma vez que a previsão imediata deve ser realizada regionalmente. Isso é cada vez mais importante tendo em vista o aumento de tempestades severas e seus impactos na população.
Tomando como exemplo o evento extremo de Campinas e outros já registrados na RMC, juntamente com a expertise do SOS Chuva, uma prova de conceito que em 2019 venceu o Prêmio Péter Murányi – Ciência & Tecnologia, está em construção um projeto intitulado Centro de Meteorologia da Região Metropolitana de Campinas (CRMet- RMC). Sediado no Cepagri, o Centro terá como objetivo organizar um laboratório interdisciplinar de aplicações em diversas áreas em clima, agricultura, recursos hídricos, sistema de transporte, meio ambiente, entre outros, considerando o clima atual e os cenários futuros. Pretende-se construir na RMC uma cultura de eventos intensos comuns à região e de eventos severos pouco comuns, porém existentes, no intuito de que a percepção desses fenômenos e a ação preventiva e de urgência frente a eles passem a ser integradas no cotidiano da sociedade em seus diversos segmentos, governança e prevenção de desastres.
*Ana Maria Heuminski de Avila é pesquisadora do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) Unicamp.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da UNICAMP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.
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