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Com base em imagens de alta resolução, documentos e transações de compra e venda, pesquisadores da UFMG concluíram que 90% das áreas de exploração mineral estavam fora de locais autorizados

Por Luana Macieira, do Jornal da USP | A exploração de ouro no Brasil tem expandido suas fronteiras para o interior da Amazônia, invadindo terras indígenas e unidades de conservação. Para mostrar como o aumento do desmatamento ligado ao garimpo está relacionado aos fluxos de compra e venda de ouro e a irregularidades e crimes ambientais, um grupo de pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) e do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da UFMG, em parceria com o Ministério Público Federal, publicou o artigo Legalidade da produção de ouro no Brasil.

O estudo usou dados de monitoramento por satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), imagens de alta resolução, documentos da Agência Nacional de Mineração (ANM) e declarações de transações de compra e venda de ouro. Os pesquisadores observaram se o desmatamento detectado pela ferramenta do Inpe na Amazônia ocorria em locais liberados ou não para exploração de garimpo. Após o confronto dos dados, constatou-se que mais de 90% das áreas de garimpo estavam fora de locais onde poderia haver a exploração.

“As áreas autorizadas são aquelas onde ocorre o garimpo legal, ou seja, onde existe título de outorga de exploração. No período analisado (2019 e 2020), estimamos a comercialização de 174 toneladas de ouro, das quais 69% se originaram de concessões de lavras e 28% de permissões de lavras garimpeiras. Identificamos que 49 toneladas de ouro provinham de áreas com evidências de irregularidades, e 13%, de áreas de lavra onde não havia evidência de exploração. Portanto, esse ouro era provavelmente originário de áreas ilegais”, explica Bruno Manzolli, pesquisador da UFMG e um dos autores do artigo.

Manzolli explica que, ao vender o ouro para uma instituição financeira, o garimpeiro precisa pagar a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), uma espécie de imposto devido à exploração dos recursos minerais. Como a CFEM conta com a indicação da origem do metal, os pesquisadores também compararam os locais que constavam na CFEM com as respectivas imagens de satélite. “Nesse momento, vimos que havia ouro dando em árvore, pois ao visualizar as imagens de satélite de locais que constavam na CFEM, vimos que se tratava de florestas, o que aponta para o fato de que a origem daquele ouro era inventada.”

Segundo Bruno Manzolli, a pesquisa também confirmou que diversos processos são usados pra “esquentar” o ouro (nome dado à operação que transforma ouro ilegal em ouro legal). A maioria desses processos ocorre na Bacia do Tapajós, no Pará, a região de onde hoje é extraída a maior quantidade de ouro no Brasil.  “Nossa metodologia considerou apenas o ouro ‘mal lavado’, ou seja, aquele cuja origem é desconhecida. Porém, os resultados do estudo mostraram que existe mais extração de ouro ilegal do que imaginávamos.” 

Profissionalização do garimpo
Bruno Manzolli explica que a definição do que pode ser entendido como garimpo precisa mudar para que haja diminuição da ilegalidade dessa atividade no país. Segundo o pesquisador, o garimpo era definido pela rudimentaridade das atividades, que eram praticadas de forma artesanal e com pouco impacto ambiental. Com o passar dos anos, a atividade se profissionalizou, e o garimpeiro passou a usar equipamentos que desmatam e causam mais impacto.

“Hoje o garimpo é definido simplesmente pelo ato administrativo de solicitar a permissão de lavra garimpeira. Então, a mudança de definição da atividade separaria as práticas que causam impactos diferentes, o que facilitaria a preservação e redução dos impactos ambientais”, diz.

O pesquisador acrescenta que os garimpos ilegais também são incentivados por problemas na cadeia produtiva do ouro. Toda vez que um garimpeiro deseja comercializar o ouro extraído, precisa vendê-lo a uma instituição financeira. Na prática, diz Bruno, isso não ocorre como deveria porque a garantia da origem do ouro do garimpo é feita apenas com a palavra do garimpeiro e com a boa-fé da instituição compradora. 

“Muitas vezes o garimpeiro extrai o ouro da terra indígena de forma ilegal. Ele então leva esse ouro para a instituição financeira e, como o ouro foi extraído de uma área proibida, ele não consegue comprovar a sua origem legítima. Para contornar esse obstáculo, o garimpeiro ou a instituição financeira mentem sobre essa origem. Como o sistema não é informatizado e as notas fiscais são comumente feitas a mão, torna-se fácil mentir sobre a origem do ouro extraído de áreas ilegais”, diz.

Metodologia de fiscalização
Manzolli conta que o artigo culminou na elaboração de uma metodologia que poderá ser usada por órgãos públicos para a fiscalização de atividades de garimpo ilegal e consequente punição de criminosos. O pesquisador acrescenta que as movimentações da origem até o destino final devem ser o ponto de partida para o desenvolvimento de sistemas que dificultem a entrada de ouro ilegal no mercado. Estima-se que o ouro extraído ilegalmente em 2019 e 2020 tenha causado prejuízo socioambiental de R$ 31,4 bilhões.

“Se pegarmos a valoração do prejuízo socioambiental do ouro ilegal, vemos que ela é maior que toda a arrecadação de ouro da CFEM no país, no período de um ano. Isso mostra que evitar o prejuízo socioambiental traria mais lucro à União. Além disso, quando a atividade mineradora é feita com maior transparência, ela se torna mais valiosa internacionalmente. A comprovação de origem apropriada e o respeito às comunidades indígenas e ao meio ambiente tornam a extração de ouro muito mais lucrativa para o país”, conclui.

Artigo: Legalidade da produção de ouro no Brasil
Autores: Bruno Manzolli, Raoni Rajão, Ana Carolina Haliuc Bragança, Paulo de Tarso Moreira Oliveira, Gustavo Kenner de Alcântara, Felipe Nunes e Britaldo Soares Filho.
Disponível aqui.

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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