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Estudos propõem estratégias para ampliar o consumo de plantas alimentícias não convencionais no país

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Por Christina Queiroz, da Revista Pesquisa Fapesp | Em um panorama em que metade do consumo global de alimentos de origem vegetal deriva de trigo, milho e arroz, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a inclusão no cardápio de Plantas Alimentícias Não Convencionais, conhecidas como Panc, emerge como possibilidade para diversificar a dieta das pessoas. Empenhados em buscar estratégias capazes de disseminar sua utilização, etnobotânicos, nutricionistas, biólogos e agrônomos desenvolvem pesquisas com o objetivo de identificar empecilhos na cadeia produtiva e definir ações para conquistar o paladar do consumidor.

As Panc são plantas, ou partes de plantas, que podem ser utilizadas como alimento, mas são pouco conhecidas ou subutilizadas pela maioria da população, especialmente em centros urbanos. A partir da constatação de que a dieta da sociedade brasileira inclui pouca variedade de alimentos, a etnobotânica Patrícia Muniz de Medeiros, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), afirma que é possível ampliar o leque de produtos consumidos (ver Pesquisa FAPESP nº295), considerando que pelo menos 10% da biodiversidade vegetal do país tem potencial alimentar. “Quanto mais variada a dieta, mais nutrientes são ingeridos. Além disso, as mudanças climáticas devem afetar o cultivo das espécies mais consumidas. As Panc podem funcionar como alternativa em um cenário de incertezas no sistema alimentar”, argumenta Medeiros.

Coordenadora de um grupo de pesquisa que desde 2017 procura identificar gargalos na popularização do consumo de Panc, o que inclui análises de atividades extrativistas e hábitos de consumidores, a etnobotânica constatou que pessoas acima dos 60 anos são a parcela da população brasileira que mais consome esse tipo de produto. Também está nessa faixa etária a maior resistência ao seu consumo. “Muitas dessas pessoas associam seu uso com situações de fome, por isso é preciso ressignificar essas experiências negativas”, propõe.

Cunhado há cerca de 15 anos pelo biólogo Valdely Kinupp, do Instituto Federal do Amazonas (Ifam), o acrônimo Panc tem ajudado a popularizar o consumo dessas plantas, na perspectiva de Medeiros, na medida em que permite chamar a atenção do mercado da alta gastronomia e do público urbano. “Porém algumas plantas, como o jenipapo e o cambuí, são consideradas Panc, mas em partes do Brasil seu consumo já é disseminado”, diz. Com pesquisas sobre a história da alimentação no Brasil, o jornalista Phellipe Marcel da Silva Esteves, da Universidade Federal Fluminense (UFF), concorda que o termo Panc é eficaz para disseminar seu consumo, mas diz se tratar de uma terminologia imprecisa. “Não há apenas uma convenção alimentar no Brasil. No Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, não usamos folha de mandioca na culinária, enquanto no Pará é comum”, informa. Por essa razão, alguns pesquisadores preferem utilizar termos como plantas alimentícias silvestres, no lugar do acrônimo.

Estudiosa da biodiversidade alimentar, com projeto desenvolvido nos últimos quatro anos para investigar o consumo de Panc, cogumelos e carne de caça no Brasil, a professora do curso de nutrição Michelle Cristine Medeiros Jacob, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), realiza estudo para analisar dados das últimas Pesquisas de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com outros pesquisadores. No levantamento, foram extraídos dados relacionados com o consumo desses três ingredientes por cerca de 39 mil pessoas. “Considerando os resultados parciais, podemos afirmar que os maiores consumidores de Panc no país são mulheres com renda média de R$ 1,4 mil”, afirma. Ela explica que, ao comparar os três grupos de produtos, os consumidores de Panc têm o perfil mais próximo da média da população geral do Brasil, sugerindo que essas plantas apresentam grande potencial de inclusão na dieta. “Olhando especificamente para o grupo das Panc em meios rurais, seus principais consumidores são pessoas de menor renda, que dependem de recursos naturais para se alimentar. Já em zonas urbanas, esses consumidores têm renda mais alta e estão associados a um movimento que cresceu nos últimos 10 anos, de valorização de produtos orgânicos e tradicionais da biodiversidade do país”, detalha. A partir do levantamento de dados, a proposta do projeto coordenado por Jacob é desenvolver ações para popularizar o consumo de Panc. O primeiro passo é ensinar potenciais usuários a identificá-las. “A maioria das pessoas apresenta uma cegueira botânica em relação às Panc, porque não consegue enxergá-las como alimento”, comenta a nutricionista.

Com a finalidade de colaborar para reduzir essa “cegueira botânica”, Jacob desenvolveu, em parceria com outros pesquisadores e alunos, uma horta comunitária de Panc na UFRN. Criada em 2017, funciona como laboratório e é utilizada em diferentes disciplinas dos cursos de nutrição e agronomia. Quatro Panc são estudadas a cada semestre, incluindo o levantamento de dados sobre seus usos medicinais e culturais e suas composições bioquímicas. O livro Culinária selvagem (EDUFRN, 2020), finalista do prêmio Jabuti em 2021, compila resultados parciais do projeto, além de oferecer receitas. No ano passado, Jacob também publicou a obra Local food plants of Brazil (Springer), em que pesquisadores de diferentes biomas nacionais apresentam dados sobre a composição nutricional de plantas comestíveis de distintas regiões do país. “Não temos conhecimento sistematizado sobre a composição nutricional das Panc e, ao preencher essa lacuna, o livro busca fomentar seu consumo”, afirma. Tomando como referência a horta-laboratório da UFRN, o grupo de pesquisa coordenado pela nutricionista também apoiou a criação de outras oito hortas em escolas da Região Metropolitana de Natal.

Para Jacob, as Panc apresentam potencial significativo no desafio de fomentar a segurança alimentar. Elas permitem ampliar o rol de alimentos disponíveis, têm a capacidade de adaptação a variações de temperatura e demandam pouca adubação e água para se desenvolver. Ela avalia que o baixo consumo das Panc, que costumam crescer sem cultivo na mata, em quintais e até mesmo em praças, está associado às cadeias produtivas desses alimentos. O transporte até o consumidor final muitas vezes requer cuidados específicos para evitar que estraguem. Como exemplo, Jacob cita a uvaia, que cresce na Mata Atlântica, ou o umbu, nativo da Caatinga. “Esses frutos duram pouco tempo depois de coletados, estragam rápido. Para disseminar seu consumo, é preciso investir em processamento, como geleia ou polpa congelada”, detalha. Países como Madagascar, exemplifica Kinupp, do Ifam, que já dispõem de indústrias de processamento de Panc, conseguem comercializar em supermercados, sob a forma de conserva, produtos feitos a partir de jambu, picão-preto e moringa. “De cerca de 400 mil espécies de plantas no mundo, cerca de 75 mil têm potencial alimentício. Porém, por causa de dificuldades de identificação e na cadeia produtiva, ingerimos somente cerca de 200 delas”, observa Kinupp, estudioso do assunto desde o doutorado, defendido em 2007 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Seu envolvimento com as Panc tem origem familiar. Sua mãe costumava preparar receitas com ingredientes como umbigo de banana, língua-de-vaca, mostarda, serralha e taioba, disponíveis no sítio em que viviam como família sem-terra.

O livro Cozinheiro nacional, publicado entre 1860 e 1880 e considerado o primeiro editado no Brasil com cardápios autóctones, utiliza em suas receitas ingredientes como ora-pro-nóbis, serralha, beldroega e taioba, todos considerados Panc, observa Esteves, da UFF. De acordo com ele, antes dessa obra, o Cozinheiro imperial apresentava preparos traduzidos de manuais europeus clássicos. Cerca de um século depois, na década de 1960, a Enciclopédia da arte culinária da tia Thereza, obra em três tomos considerada referência, incluiu em suas receitas, por exemplo, bertalha, mas nenhuma outra Panc.

O agrônomo Nuno Rodrigo Madeira, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), recorda que no Rio de Janeiro dos anos 1900 as famílias consumiam plantas que cresciam em quintais, incluindo as hoje classificadas como Panc, mas a prática foi substituída pela ingestão de produtos cultivados em larga escala, especialmente nas grandes cidades. Curador da coleção de hortaliças não convencionais da Embrapa, desde 2006 Madeira desenvolve um trabalho de resgate de ingredientes que já fizeram parte da dieta dos brasileiros, entre eles mangarito, beldroega e taioba. “Além da coleção, também realizamos trabalho de campo com agricultores, mostrando que essas plantas conseguem se reproduzir rapidamente em espaços reduzidos”, destaca, ao enfatizar que o foco da iniciativa é ensinar como estruturar sistemas de produção com manejo agroecológico. “No caso da ora-pro-nóbis, por exemplo, também utilizada como cerca-viva, para incentivar a produção de uma planta menos espinhosa, sugerimos realizar podas sucessivas e escalonadas. Dessa forma, ela permanece pequena e com poucos espinhos. Isso pode facilitar seu manuseio”, aconselha. Segundo ele, outro desafio envolve ampliar o conhecimento sobre a escala nutricional dessas plantas, que é muito variável. Só de ora-pro-nóbis são quatro espécies e 60 variedades, com uma carga proteica que oscila entre 17% e 32%.

Imagem por Alexandre Affonso/Revista Pesquisa Fapesp.

Apesar do potencial da maioria das Plantas Alimentícias Não Convencionais ser pouco conhecido, o engenheiro-agrônomo Marcos Roberto Furlan, da Universidade de Taubaté, em São Paulo, alerta para a necessidade do desenvolvimento de estudos sobre os fatores antinutricionais dessas plantas. Algumas podem ser indigestas ou mesmo tóxicas, exigindo formas específicas de preparo. “A erva-de-santa-maria, também conhecida como mastruço ou mastruz, pode causar asfixia em crianças, caso seja ingerida crua ou com leite, receita de uso comum contra verminoses. A planta contém ascaridol, substância tóxica, que pode provocar a saída das lombrigas pelas fossas nasais. Antes de consumi-la, é necessário refogá-la, para volatilizar o ascaridol”, alerta. “Além disso, como essas plantas não são geneticamente melhoradas, podem apresentar grande variação de princípios nutritivos e bioativos entre exemplares da mesma espécie.”

A despeito das lacunas no conhecimento sobre as Panc, pesquisa realizada por Kinupp na plataforma Lattes identificou que nos últimos quatro anos mais do que quadruplicou o número de trabalhos acadêmicos sobre as Plantas Alimentícias Não Convencionais e a quantidade de currículos de pesquisadores cadastrados que afirmam trabalhar com Panc. “O conhecimento científico ainda está disperso, precisamos ampliar o diálogo entre as diversas áreas de pesquisa com temas da sociodiversidade e análises do comportamento do consumidor”, propõe Medeiros, da Ufal.

Livros

JACOB, M. C. M. Local food plants of Brazil. Springer, 2021.
JACOB, M. et al. (orgs.). Culinária selvagem. Natal: EDUFRN: 2020.
KINUPP, V. e LORENZI, H. Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc) no Brasil. São Paulo: Editora Oficina de Textos, 2014.

Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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