Depois de ver, durante três décadas, o desaparecimento de nascentes de rios, a chegada de espécies de plantas exóticas que se espalham com facilidade e outros sinais de declínio da qualidade da paisagem formada pela vegetação predominante na serra do Espinhaço, na região Sudeste do país, o ecólogo Geraldo Wilson Fernandes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), resolveu fazer algo além das próprias pesquisas. Em 2011, chamou outros pesquisadores, empresários e gestores públicos com o propósito de preservar os chamados campos rupestres. As conversas não avançaram muito, mas, retomadas em 2017, atraíram cerca de 100 participantes – pesquisadores, promotores e gestores de órgãos públicos, representantes de empresas e conservacionistas. Anos de negociações resultaram em um plano de ação para preservação dos campos rupestres publicado em outubro de 2020 na revista científica Perspectives in Ecology and Conservation, com versões em inglês e português em acesso aberto.
Transformados desde o século XVII com a mineração de ouro, diamantes e pedras preciosas e nas últimas décadas com a extração de minérios de ferro e de manganês, ecoturismo, ocupação urbana e plantio de espécies exóticas como o eucalipto, os campos rupestres ocupam 0,8% do território nacional, mas abrigam cerca de 15% das espécies de plantas já identificadas no Brasil e 46% das do Cerrado. Essa forma de vegetação é constituída por plantas rasteiras e raros arbustos, que crescem em solo pedregoso, com pouca água e sob temperaturas altas em áreas em atitudes superiores a 900 metros (m), na transição entre Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica, nos estados de Minas Gerais e Bahia, com manchas menores em São Paulo e Rio de Janeiro.
A proposta escrita por pesquisadores de Minas, São Paulo, Bahia, Pernambuco e outros estados traz algumas indicações do que pode ser feito onde essa vegetação ocorre. Recomenda que os gestores de órgãos públicos, entre outras tarefas, direcionem para a restauração ambiental o pagamento feito por empresas mineradoras para exploração de uma área; examinem os impactos do turismo em áreas montanhosas, para evitar a exploração excessiva de trilhas, cachoeiras, rios e margens de estradas; e fortaleçam os mecanismos de proteção das espécies ameaçadas.
Os empresários, por sua vez, deveriam reduzir o impacto ambiental de suas atividades, principalmente a mineração, e restaurar as paisagens modificadas com espécies nativas. Aos moradores e visitantes das áreas montanhosas recomenda-se não retirar a vegetação nativa, o que poderia causar a erosão do solo, não plantar espécies exóticas, que se proliferam com facilidade, e não promover incêndios. “Moradores de Belo Horizonte querem ter uma casa na montanha, especialmente na serra do Cipó, a mais próxima da região metropolitana”, conta Fernandes. “É um direito, mas a ocupação deveria ser mais organizada, para não causar agressões irreparáveis ao ambiente natural.”
O plano também propõe que os pesquisadores ampliem sua participação em comitês de órgãos públicos e sua interação com legisladores, por meio de cursos e acordos de cooperação. Sugere que desenvolvam programas de educação ambiental nas escolas e comunidades da região para promover o engajamento dos moradores na preservação ambiental, principalmente das espécies ameaçadas de extinção, e elaborem indicadores da integridade da paisagem. Por fim, indica que quantifiquem os serviços ecossistêmicos, como o fornecimento de água, desse tipo de ambiente.
“Sem os campos rupestres, a água pode vir a faltar para 50 milhões de brasileiros”, estima Fernandes. Com cerca de mil quilômetros (km) de extensão no sentido norte-sul e altitudes de até 2.072 m, a serra do Espinhaço – a única cordilheira brasileira, formada há cerca de 1 bilhão de anos – abriga as nascentes de cinco rios que abastecem casas, plantios agrícolas e usinas hidrelétricas. São eles: o São Francisco, um dos maiores do Brasil, que banha o Nordeste; o Doce, que irriga as terras de Minas Gerais e Espírito Santo; o Jequitinhonha, que atravessa uma das regiões mais pobres de Minas; e o de Contas e Paraguaçu, que brotam na chapada Diamantina, na Bahia.
Com colegas da UFMG e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Fernandes concluiu que o espaço ocupado por esse tipo de ambiente natural poderia sofrer uma redução de 69% – da área atual de 83 mil km2 para 25,7 mil km2 – até 2050. De acordo com esse trabalho, publicado em maio de 2018 na revista Biodiversity and Conservation, regiões da chapada Diamantina, nordeste da cadeia do Espinhaço e sul dos estados de Minas Gerais e Goiás concentram as perdas, resultantes da mineração, e da expansão da pecuária e das cidades.
“Em Minas Gerais, toda a serra do Espinhaço está na categoria mais alta de prioridade para conservação”, afirma a bióloga Glaucia Moreira Drummond, superintendente-geral da Fundação Biodiversitas, sediada em Belo Horizonte, que não participou do estudo. Entretanto, menos de 10% dos ecossistemas montanhosos – 17% é o mínimo recomendado pela Convenção de Diversidade Biológica – estão protegidos em unidades de conservação.
Em fevereiro de 2020, a Biodiversitas concluiu o estudo “Áreas prioritárias para conservação e restauração da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos nos biomas Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga de Minas Gerais”, em colaboração com a unidade brasileira da World Wildlife Fund (WWF) e a UFMG, a pedido da Secretaria do Estado do Meio Ambiente de Minas. O documento, que deve ser publicado neste ano, contém um mapa geral das áreas prioritárias para conservação no estado e outros sobre recursos hídricos, novas unidades de conservação e potencial turístico. “Se bem usado, esse trabalho pode orientar políticas públicas e promover o ordenamento territorial, definindo as áreas de alta prioridade para proteção das nossas riquezas naturais e aquelas onde o conflito de interesses é menor”, diz Drummond.
No Cerrado e nos campos rupestres, os planos de conservação não deveriam considerar apenas a criação e expansão de áreas prioritárias, que procuram reunir o maior número possível de espécies na menor área possível, mas também os impactos das mudanças climáticas, sugere o estudo. Além disso, intensificar a fiscalização além das áreas protegidas ajudaria a não depender das unidades de conservação como única estratégia de conservação, argumentaram pesquisadores de Goiás e de São Paulo em um artigo publicado em outubro de 2020 na Biodiversity & Conservation. Uma das autoras, a botânica Leonor Patrícia Morellato, da Unesp, participou da elaboração da proposta na Perspectives in Ecology and Conservation e estuda a diversidade e a evolução da flora, a influência da altitude e do solo e os sistemas de polinização no campo rupestre, em projetos apoiados pela FAPESP.
Há exemplos bem-sucedidos de conservação ambiental. Em março deste ano, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) reconheceu como o primeiro patrimônio agrícola do Brasil e 59º mundial um sistema tradicional praticado por moradores de três municípios mineiros da serra do Espinhaço para coleta de sempre-vivas, pequenas flores brancas, típicas da região, usadas na confecção de artesanato, vendido na região e exportado. Em outro caso, a prefeitura do município mineiro de Extrema, trabalhando com empresas, organizações não governamentais e centros de pesquisa, desde 2005 plantou 1,3 milhão de árvores de espécies nativas às margens de rios em propriedades rurais.
Há muitas dificuldades para ampliar a recuperação dos campos rupestres, como a falta de funcionários nos órgãos públicos e nas unidades de conservação, reconhecem os pesquisadores. “Estamos em um período desfavorável para influenciar as políticas públicas do governo, que tem manifestado pouco interesse por problemas ambientais”, diz o biólogo Braulio Ferreira de Souza Dias, da Universidade de Brasília (UnB) e um dos autores da proposta. “O diálogo com o Ministério do Meio Ambiente tem sido muito difícil.”
Em busca de possibilidades de ação, o grupo de Fernandes fez e distribuiu cartazes sobre plantas invasoras nos campos rupestres. Em 2017, ele percorreu escolas e falou sobre elas com moradores do município de Santana do Riacho, na serra do Cipó, como parte de um projeto de pesquisa apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele pretende fazer outro encontro – dessa vez on-line – em maio com donos de pousadas, prefeitos, estudantes e outros moradores da região para falar dos impactos das rodovias mal planejadas, cujas margens são ocupadas com espécies exóticas de gramíneas e árvores, que tendem a ocupar o espaço das nativas.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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