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Por José Tadeu Arantes – Jornal da Unesp | Reduzir a pegada de carbono da indústria eletrônica e, ao mesmo tempo, oferecer à sociedade dispositivos de alto desempenho. Essa é a promessa da eletrônica baseada em materiais biodegradáveis e sustentáveis, que traz a dupla vantagem de utilizar processos de fabricação de baixo impacto ambiental e, ao mesmo tempo, abrir a possibilidade de uma variadíssima gama de aplicações, de sensores ambientais até equipamentos eletrônicos que podem ser usados em vestimentas.

Na Unesp, pesquisas neste campo estão conduzidas pelo Laboratório de Dispositivos e Sensores Orgânicos, ligado à Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Unesp, no câmpus de Presidente Prudente, em colaboração com diferentes instituições de pesquisa de outros países. Nos anos de 2024 e 2025, essa colaboração resultou na publicação de três artigos em periódicos internacionais, todos sustentando a perspectiva de que materiais biodegradáveis, como papel kraft, madeira e mel, podem viabilizar uma eletrônica mais ecológica, mas não menos eficiente. Um quarto artigo deve ser publicado proximamente.

O trabalho conta com o apoio da Fapesp  por meio do projeto ‘Dispositivos eletrônicos baseados em nanomateriais sustentáveis’, contemplado com auxílio financeiro na SPRINT (São Paulo Researchers in International Collaboration), e é coordenado pelos professores Neri Alves e Carlos Constantino.

Neri Alves conta que a série de artigos reflete o aprofundamento das parcerias internacionais, em especial com Rodrigo Ferrão Martins, professor e pesquisador da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, e com Jeff Kettle, docente da University of Glasgow, na Escócia. “O objetivo geral dessa colaboração é desenvolver dispositivos sustentáveis para diferentes aplicações, que incluem circuitos neuromórficos, sensores ambientais, internet das coisas, embalagens inteligentes e eletrônica vestível e comestível, dentre outras”, afirma.

Transistor à base de madeira e mel

O primeiro estudo da série, cujos resultados foram publicados na revista Advanced Intelligent Systems, resultou na criação de um transistor sustentável, baseado em madeira e mel, capaz de emular o funcionamento da sinapse, isto é, a comunicação entre dois neurônios do sistema nervoso. Teve como primeiro autor o doutorando da Unesp Douglas Henrique Vieira e foi coordenado por Neri Alves e Rodrigo Ferrão Martins, da Universidade Nova de Lisboa.

“A eletrônica convencional é amplamente baseada em materiais como plásticos e metais raros, que provocam um impacto ambiental significativo. Além disso, no processo de fabricação, muitas vezes são empregadas temperaturas elevadas e vácuo, o que implica alto consumo energético e custo financeiro”, diz Vieira. “Nosso objetivo foi conseguir um resultado igualmente bom com baixo impacto, utilizando materiais pouco convencionais”, diz.

Imagem: Reprodução Jornal da Unifesp

A impressão do circuito foi feita por meio de serigrafia, o mesmo procedimento empregado para estampar camisetas. Como o substrato que sustenta o circuito é a madeira, o dispositivo poderá, no futuro, ser integrado em mobílias inteligentes.

“Além do substrato de madeira, um destaque importante do estudo foi a utilização de mel como eletrólito, o que torna o dispositivo biodegradável e reciclável, reduzindo fortemente os impactos ambientais sem comprometer o desempenho”, sublinha o professor Emanuel Carlos, da Universidade Nova de Lisboa e segundo autor do artigo.

Vale lembrar que os eletrólitos, amplamente utilizados em dispositivos como baterias, transistores eletrolíticos e supercapacitores, são materiais que conduzem eletricidade mediante o movimento de íons dispersos em uma solução. Sejam sólidos, líquidos ou gelatinosos, eles oferecem um meio no qual as cargas elétricas podem se mover.

O artigo enfatiza a excelência do desempenho do transistor, e diz que a bem-sucedida emulação do processo de aprendizado–esquecimento–reaprendizado–esquecimento oferece potencial para seu uso em sistemas neuromórficos sustentáveis.

Dispositivo é capaz de distinguir cores

O segundo artigo, publicado na revista Advanced Functional Materials, relata o desenvolvimento de um dispositivo, feito com materiais biodegradáveis e reutilizáveis, capaz de mimetizar o que ocorre nos fotorreceptores do olho humano.

O dispositivo combina três funções: detectar a luz, processar a informação e armazená-la na memória, e tudo isso em uma única unidade, tal como acontece no olho humano. Mesmo quando desligado, ele pode reter informações armazenadas, uma propriedade conhecida como não volatilidade.

“Nosso dispositivo é capaz de distinguir as cores, tal como se espera que o olho humano faça. Além disso, apresentou um consumo médio de energia muito baixo para cada processo de treinamento, estando entre os melhores resultados relatados”, diz José Diego Fernandes, o segundo autor do artigo, que é pesquisador de pós-doutorado ligado à FCT. “Os dispositivos neuromórficos são inspirados no funcionamento do cérebro, permitindo que o processamento e o armazenamento de dados ocorram no mesmo sítio, o que significa melhor desempenho e menor consumo de energia”, diz.

Imagem: Reprodução Jornal da Unifesp

Jeff Kettle, da University of Glasgow, que foi, juntamente com Neri Alves, um dos coordenadores desse estudo, ressalta a longa colaboração entre o Reino Unido e a Unesp, da qual a nova pesquisa é um desdobramento, e o potencial para inovação que ele oferece. “O estudo é altamente inovador e demonstra que um único transistor pode ser transformado em um pixel de imagem, capaz de distinguir diferentes cores. Seu desempenho e baixo consumo de energia abrem caminho para futuros sistemas eletrônicos sustentáveis”, diz.

O terceiro estudo, também coordenado por Neri Alves e Jeff Kettle, foi publicado em Advanced Sustainable Systems e teve como primeiro autor o pós-doutorando Rogério Miranda Morais, também ligado à FCT. O texto propõe a fabricação de dispositivos eletrônicos por meio da conversão de papel kraft em grafeno, induzida por laser. “Os dispositivos demonstraram excelente condutividade elétrica e desempenho térmico, atingindo temperaturas de até 145,5 °C, com distribuição homogênea de calor. Além disso, a avaliação do ciclo de vida revelou que essa tecnologia tem um impacto ambiental duas ordens de grandeza inferior ao dos eletrônicos convencionais”, diz Morais.

O pesquisador relata que o grafeno induzido por laser (LIG) foi preparado diretamente por síntese in situ a partir de substratos de papel kraft. Espectroscopia Raman e técnicas de microscopia foram utilizadas para analisar a transição das fibras de celulose para flocos de grafeno carbonizado. “Os resultados indicam que a pirólise fototérmica do papel kraft utilizando um diodo laser permite a produção de dispositivos flexíveis de baixo impacto e produtos eletrônicos ecológicos”, diz Morais.

Papel capaz de monitorar pesticidas

Além dos três estudos publicados, um quarto artigo, ainda em fase de revisão, tem como foco a criação de plataformas sustentáveis e eficientes para a detecção de contaminantes ambientais, devido ao uso descontrolado e ao manejo inadequado de pesticidas. O estudo foi conduzido pela pós-doutoranda da UNESP Maíza Ozório e colaboradores, sob a supervisão dos professores Carlos Constantino, da FCT, e Rodrigo Ferrão Martins, da Universidade Nova de Lisboa.

“Nosso objetivo foi a fabricação de plataformas baseadas em papel para aplicações em transistores voltados para o monitoramento de pesticidas como tiabendazol (TBZ) e acefato (ACF). O uso do papel como substrato destaca-se por suas diversas vantagens, incluindo leveza, flexibilidade, baixo custo e impacto ambiental reduzido. A abordagem proposta envolve a fabricação de eletrodos de grafeno induzido por laser (LIG) diretamente nos substratos de papel, além da utilização de nanoestruturas de óxido de zinco e de nanopartículas metálicas (prata ou ouro) para aprimorar o efeito”, conta Ozório.

Imagem: Reprodução Jornal da Unifesp

Como explica a pesquisadora, a relevância do projeto está na possibilidade de desenvolver uma plataforma analítica que combine diferentes técnicas de detecção em um único substrato. “A colaboração entre a Unesp e a Universidade Nova de Lisboa possibilitou a realização da pesquisa. Agora, com o conhecimento adquirido, estou dando continuidade ao projeto, investindo esforços no desenvolvimento de transístores totalmente sustentáveis para aplicações ambientais”, afirma.

A convergência das várias abordagens evidencia a produção de dispositivos neuromórficos baseados em materiais sustentáveis e técnicas de fabricação inovadoras como um dos caminhos para o futuro da eletrônica. “O próximo desafio será escalar essas tecnologias para aplicações comerciais, garantindo sua viabilidade econômica sem comprometer os princípios de sustentabilidade que motivaram sua criação”, diz Alves.

Este texto foi originalmente publicado pela Jornal da Unesp, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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