Parlamentares aprovam texto que inviabiliza recuperação de vegetação nativa

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Projeto aprovado em comissão do Congresso impede efetivação do novo Código Florestal – texto segue para votação na Câmara

Uma comissão mista do Congresso Nacional – composta de deputados e senadores – aprovou nesta semana o relatório do senador Irajá Abreu (PSD/TO) à Medida Provisória (MP) 884 que altera o novo Código Florestal, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012).

O texto abre espaço para que milhões de propriedades rurais com menos vegetação nativa do que manda a lei possam ser consideradas “regularizadas ambientalmente” por decurso de prazo. A MP 884 pode ser votada no plenário da Câmara a qualquer momento e, se aprovada, vai ao do Senado.

O projeto de conversão apresentado por Irajá (PLV 22/2019), aprovado por unanimidade na comissão mista, faz alterações no processo de adequação, fixando novas datas e procedimentos ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Em um dos principais artigos cria a adequação automática, sem qualquer recuperação de área desmatada ilegalmente em Área de Preservação Permanente (APP) ou Reserva Legal (RL), caso os estados não convoquem em até 3 (três) dias os proprietários ou possuidores de imóveis irregulares para a adesão ao PRA.

Com isso, passado o prazo sem que o órgão chame o interessado para assinar o compromisso, a propriedade será considerada, para efeitos legais, automaticamente regularizada, mesmo que não tenha recuperado um metro quadrado de vegetação nativa.

Segundo dados do Serviço Florestal Brasileiro, de agosto de 2019, já são 2.851.286 propriedades rurais atualmente inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que optaram por aderir ao PRA e que, portanto, deveriam ser simultaneamente convocadas a se regularizar pelos órgãos ambientais estaduais em até três dias úteis após a entrada em vigor da lei.

Para o diretor de Direitos e Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, Raul do Valle, se transformado em lei o texto criará uma obrigação impossível de ser cumprida pelos já fragilizados órgãos estaduais de meio ambiente e, na prática, inviabilizará aquilo que foi alardeado pelo governo federal, quando da aprovação do Código Florestal em 2012, como o “maior programa de recuperação ambiental do mundo”.

“A Amazônia está sendo derrubada e queimada porque está aumentando a sensação de impunidade, de que não haverá punição por descumprimento da lei. Se o próprio Código Florestal for modificado para deixar impunes aqueles que a desrespeitaram, será o atestado de que a lei não vale nada”, destaca.

Conforme estudo publicado em 2017 professor da ESALQ/USP Gerd Sparoveck e colegas (Guidotti et al., 2017), o país tem hoje um passivo de pelo menos 19 milhões de hectares (área equivalente ao do Estado do Paraná) de florestas que foram ilegalmente desmatadas e devem ser recuperadas pela lei de 2012. Praticamente dois terços desse passivo (59%) está concentrado nas grandes propriedades rurais, que representam apenas 6% do total de imóveis com problemas. Com a regularização automática esse passivo deixará de ser recuperado.

Além disso, os proprietários terão até 2020 para inscrever seus imóveis no Cadastro Ambiental Rural – seria a quarta prorrogação desse prazo, o qual, não fosse a edição da MP 884 pelo Presidente Bolsonaro, já teria se esgotado. Após essa inscrição, o proprietário, caso tenha algum passivo ambiental em seu imóvel, pode optar, em até dois anos, por aderir ao Programa de Regularização Ambiental, a cargo dos órgãos estaduais de meio ambiente.

Com a adesão, ele tem prazos alongados para recuperar as áreas ilegalmente desmatadas, além de não pagar multas, dentre outras facilidades. A adesão propriamente dita, no entanto, ocorre apenas com a assinatura de um Termo de Compromisso, no qual o proprietário reconhece a dívida e assume a obrigação de regularizar seu passivo em determinado tempo. Para que isso ocorra, no entanto, é fundamental que o órgão ambiental tenha antes analisado as informações apresentadas pelo interessado no CAR, para se certificar da extensão e localização exata dos passivos eventualmente existentes.

De acordo com a nota técnica da Climate Policy Initiative (CPI), o PLV 22/2019 estabelece uma regra que rompe completamente com esta sistemática descrita acima. “Ao estabelecer que o órgão estadual competente deve convocar o proprietário para assinar o termo de compromisso no prazo de até três dias uteis após o pedido de adesão ao PRA, o PLV desconsidera a realidade dos PRAs nos estados”, diz a nota.

Segundo dados do SFB, apenas no Estado do Paraná são cerca de 260 mil imóveis com passivo que já pediram para aderir ao PRA – mas apenas algumas dezenas de funcionários do órgão ambiental para analisar e convocar os proprietários para assinar o Termo de Compromisso.

Na avaliação da secretária executiva do Observatório do Código Florestal (OCF), Roberta del Giudice, a adequação automática por decurso do prazo para o poder público representa uma nova e mais contundente anistia a 19 milhões de hectares de APP e RL desmatados ilegalmente, que nunca serão recuperados e cujas multas serão automaticamente convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, regularizando o uso de áreas rurais consolidadas.

“Trata-se de uma Lei discutida por 11 anos no Congresso Nacional e com a constitucionalidade validada pelo Supremo. Ainda, as alterações têm o potencial de gerar novas judicializações, perpetuando-se o cenário de insegurança jurídica”, alerta del Giudice.

O texto altera ainda dispositivo da Lei de Registros Públicos, lei 6.015, de 1973, ao estabelecer a dispensa das assinaturas dos confrontantes quando da indicação das coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georeferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional fixada pelo Incra, bastando a declaração do requerente interessado de que respeitou os limites e as confrontações.

A aprovação do texto da forma que está colocará em situação desconfortável o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que, diante da piora da imagem internacional do Brasil em função da crise ambiental vivenciada hoje na Amazônia, se comprometeu a não colocar em votação projetos que possam diminuir o grau de proteção ambiental no país.


Fonte: WWF-Brasil

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