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Artigo de Rosana Castro descreve seu cotidiano como única pesquisadora negra em um centro médico. A experiência a levou a refletir sobre como o racismo de gênero afetou seu trabalho, suas conclusões sobre a pesquisa farmacêutica, a medicina e a antropologia

O artigo Pele negra, jalecos brancos: racismo, cor(po) e (est)ética no trabalho de campo antropológico, publicado na Revista de Antropologia, traz um relato revelador de uma pesquisadora de doutorado negra e sua experiência de acompanhamento clínico, com enfoque nos aspectos antropológicos, em um centro médico de pesquisa de campo. A autora do trabalho, Rosana Castro, observou e transcreveu seu cotidiano como pesquisadora negra, deparando-se com situações que a levaram a refletir como o racismo de gênero afetou seu trabalho, suas conclusões sobre a pesquisa farmacêutica, a medicina e a antropologia. Rosana, enquanto vestida com um jaleco branco, analisou “o campo da medicina como espaço marcado pela branquidade e estendendo tal crítica à antropologia.”

A pele negra recoberta por jalecos brancos suscitou o contraste das mais variadas opiniões e atitudes em relação às pessoas brancas vestindo essa mesma roupa, dentro de um contexto em que “a branquidade é normalizada”. A pesquisadora acompanhou as médicas no relacionamento com os pacientes, realizando uma observação do ponto de vista antropológico, isto é, humano em sua totalidade: as atitudes, os costumes, as crenças de todo gênero – sociais, políticas e culturais. O intuito da investigação foi verificar como as pessoas conviviam naquele lugar – médicos e pacientes, além de enfermeiros e funcionários – a partir dessa perspectiva abrangente, sempre esbarrando no racismo que permeou a presença da pesquisadora no centro médico.

Muitas vezes, a pesquisadora, negra de jaleco branco, foi confundida com uma recepcionista ou uma enfermeira, raras vezes vista como médica, em um universo praticamente habitado por médicas brancas que adotavam, quase todas, cabelos loiros longos, sapatos de salto alto e unhas compridas pintadas, em contraste com Rosana Castro, que se vestia seguindo seus próprios padrões: cabelos black power, calça jeans e camiseta, por exemplo. A partir do comentário: “a gente quase não vê médico da nossa cor, né?”, abre-se uma discussão sobre as cotas para ingresso no ensino superior público como “fundamentais para contrapor essa inércia sistêmica“, o que remete ao lugar dos negros na sociedade que, junto dos preconceitos sobre gênero e sexualidade, se mostraram como fatores essenciais para a compreensão do relacionamento “entre os profissionais e pacientes do Cronicenter e deles comigo“, afirma a autora no texto. 

O artigo aborda a questão do uso do jaleco pela pesquisadora no consultório ligada a um contexto sexual por médicas e pacientes relacionado à cor da pele, em uma clara conjuntura de racismo de gênero. Ora, “pele branca, jalecos brancos: branquidade e racismo na medicina” é uma frase significativa da experiência pela qual passou Rosana Castro. Além disso, constata-se que a pele negra está vinculada ao trabalho doméstico, e “a pele branca diria respeito à postura e à aparência necessárias à autoridade característica ao profissional da medicina”. Mesmo portando uma segunda pele – o jaleco branco – por cima de sua pele negra, a autora nunca foi chamada de doutora ou participou de discussões sobre casos clínicos no centro clínico. A posição no espaço físico, sempre ao lado ou mais atrás de uma médica, no consultório, não permitia que fosse vista como alguém em treinamento profissional na área ou como “uma quase-médica“.

Quando o médico é negro, há uma tendência à suspeita de incompetência profissional, na presunção dos brancos de que “o preto seria naturalmente desajustado para o exercício médico“. O professor negro, o médico negro, em uma concepção velada, mas imposta, não podem cometer uma falha ou um erro. As políticas de cotas raciais em universidades federais e estaduais não foram suficientes para aumentar o número de médicos negros, pois, no campo da medicina no País, os brancos, assim como os graduandos e docentes de Antropologia, pertencentes a categorias economicamente mais privilegiadas, continuam sendo maioria, situação agravada pelo ataque feroz do atual governo às cotas raciais. A autora finaliza chamando a atenção para os necessários registro e “estudo dos modos com que nossos corpos experimentam e produzem antropologias, da graduação à docência, dos bancos de sala de aula à pesquisa de campo“.

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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