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O Parque Estadual Morro do Diabo protege um dos maiores fragmentos de Mata Atlântica da região Sudeste e é cercado por assentamentos rurais e algumas fazendas comerciais de grande porte

  • Por Claire Asher, traduzido por Eloise de Vylder em Mongabay Pesquisadores entrevistaram pequenos produtores agroflorestais e convencionais da região do Pontal do Paranapanema (SP) a respeito dos benefícios da agrofloresta – técnica que combina vegetação nativa e cultivos agrícolas – e o que eles consideram obstáculos para a adoção do sistema.
  • Em consonância com os benefícios identificados em estudos ecológicos anteriores, os produtores agroflorestais classificaram a abundância de aves e a umidade do solo como mais altas do que nas propriedades convencionais. Esses produtores também têm maior chance de serem autossuficientes.
  • Muitos pequenos produtores que ainda utilizam a produção agrícola convencional dizem que a falta de conhecimento os impede de mudar para a agrofloresta, mas o apoio técnico e a educação ambiental podem encorajá-los a adotar essa abordagem restaurativa.
  • O foco do presidente Jair Bolsonaro em oferecer apoio para o agronegócio comercial de grande escala deixa os pequenos produtores sem assistência financeira e técnica para fazer a transição para a agrofloresta. E também limita o acesso dos produtores a mercados para vender suas colheitas.

Pequenos produtores agroflorestais do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, observaram benefícios ambientais, sociais e culturais advindos de suas práticas de agricultura restaurativa, relataram pesquisadores na revista People and Nature, da Sociedade Ecológica Britânica. Contudo, políticas públicas e obstáculos financeiros e logísticos impedem que eles atinjam todo o potencial comercial de suas colheitas, e também que agricultores convencionais, não agroflorestais, abracem abordagens mais sustentáveis.

A agrofloresta, que combina cultivos alimentares e vegetação nativa, tem bem documentados seus benefícios ecológicos e agrícolas: maior diversidade de aves e polinizadores, melhor qualidade do solo e safras, além de ar mais fresco (uma defesa contra o aquecimento global que também oferece maior conforto para as pessoas que vivem e trabalham na propriedade). Um número menor de estudos trataram das percepções culturais dessa abordagem ecológica restaurativa.

Em colaboração com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), os pesquisadores entrevistaram pequenos proprietários de assentamentos do Movimento Sem Terra (MST) que vivem no entorno do Parque Estadual Morro do Diabo para obter sua opinião sobre os benefícios da agrofloresta e os obstáculos para adotá-la. A pesquisa incluiu tanto produtores agroflorestais quanto convencionais.

Localizado em um dos maiores fragmentos de Mata Atlântica, o parque abriga espécies como a onça-pintada (Panthera onca) e o ameaçado mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus). O IPÊ trabalha na região há mais de 20 anos com famílias do , que inclui mais de 1,5 milhões de agricultores. Um dos objetivos principais do IPÊ é restaurar a Mata Atlântica degradada e ao mesmo tempo melhorar a vida da população local.

Entrevistas com 92 famílias agricultoras do MST no Pontal do Paranapanema confirmaram os benefícios dos serviços ecossistêmicos já relatados: os produtores agroflorestais classificaram a quantidade de aves e a umidade do solo como mais altas em relação às propriedades convencionais, e relataram que as árvores em suas roças resfriavam o ar e reduziam os danos das tempestades. No clima cada vez mais quente e seco da Mata Atlântica, as fazendas com floresta preservada fornecem uma sombra bem-vinda e podem resfriar o ar em até 6° C, melhorando a qualidade de vida dos agricultores e dos animais de criação, além de aumentar a produtividade de cultivos que não se dão bem a pleno sol.

O estudo confirma que as “experiências de vida [dos produtores] que vêm usando a agrofloresta nos últimos dez a vinte anos condizem com os dados [ecológicos]”, confirmando os benefícios da agrofloresta para a biodiversidade, a saúde do solo e a resiliência climática, diz a autora principal do estudo, Yara Shennan-Farpón, cientista da conservação no University College London.

“Um dos resultados mais interessantes foi a percepção dos pequenos proprietários e agricultores familiares de que os sistemas agroflorestais melhoram as condições ambientais”, concorda Jerônimo Boelsums Barreto Sansevero, ecólogo restauracionsita da Universide Federal Rural do Rio de Janeiro, que não esteve envolvido no estudo.

Os produtores agroflorestais também relataram com mais frequência que todas ou a maior parte de suas necessidades alimentares eram atendidas em suas propriedades, o que garante maior segurança alimentar.

Eles também valorizam a capacidade de cultivar variedades culturalmente significativas, incluindo o café e plantas medicinais. Quase metade dos produtores agroflorestais relataram produzir seu próprio café, em comparação com apenas 8% dos produtores convencionais. “Não é a planta mais nutritiva da nossa dieta, mas todo mundo toma café. Então se você planta o seu próprio, isso significa que você é autossuficiente”, observa Shennan-Farpón. “Eles têm orgulho disso.”

“Essa comparação entre os produtores agroflorestais e os não-agroflorestais na mesma área é bastante útil”, diz Torsten Krause, professor-sênior do Centro de Estudos de Sustentabilidade da Universidade de Lund, na Suécia, que não esteve envolvido no estudo. “É importante mostrar como as pessoas estão percebendo esse tipo de agricultura” a fim de avaliar seu sucesso a longo prazo e potencial de expansão.

Agrofloresta: um voto de confiança em meio a múltiplos obstáculos

Uma vez estabelecidos, os sistemas agroflorestais podem fornecer uma cultura diversificada que oferece resiliência contra as mudanças climáticas ou a volatilidade do mercado. “É um sistema mais forte e mais estável”, explica Krause. As propriedades agroflorestais podem até ser mais baratas de administrar no longo prazo, “porque menos insumos são necessários: menos fertilizantes, menos químicos, menos pesticidas”, diz ele. Mas o investimento inicial – em novos tipos de sementes, novas ferramentas e equipamentos – pode ser alto para muitos pequenos agricultores.

Também leva tempo para que os sistemas agroflorestais se estabeleçam e ofereçam uma fonte estável de renda, então os agricultores precisam de uma reserva econômica para alimentar suas famílias enquanto as mudas enraízam e as árvores atingem a maturidade. “O principal obstáculo é essa quantia de dinheiro inicial para investir na mudança da propriedade”, diz Shennan-Farpón, e ter a confiança para fazer isso.

Muitos agricultores convencionais relataram que a falta de conhecimento atrasa sua conversão para a agrofloresta, mas o apoio técnico e a educação ambiental podem encorajá-los a adotar as novas abordagens. “Eles não sabem necessariamente como plantar e cultivar usando as técnicas agroflorestais”, diz Shennan-Farpón, explicando que muitos agricultores agroflorestais aprenderam as técnicas com ONGs da região, como o IPÊ, ou com vizinhos que já utilizam a agrofloresta.

Para os pequenos agricultores convencionais que há décadas utilizam métodos agrícolas mais industrializados, fazer a mudança para a agrofloresta pode ser assustador. A falta de apoio do governo e da comunidade, além da falta de apoio financeiro, encabeçam a lista dos obstáculos que limitam a transição para a agrofloresta.

“É um grande voto de confiança para eles”, admite Shennan-Farpón, mas ver o sucesso das agroflorestas nas fazendas vizinhas pode ajudar a tranquilizar os agricultores mais apreensivos.

Existem algumas iniciativas nacionais que atualmente apoiam os pequenos proprietários; o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), por exemplo, exige que 30% das refeições escolares venham da agricultura familiar. Mas muitas dessas políticas públicas poderão desaparecer se os projetos de cortes orçamentários propostos pelo governo do presidente Jair Bolsonaro se tornarem leis.

Por outro lado, produtores convencionais de carne e leite em São Paulo continuam se beneficiando do apoio do governo e da indústria local. Pecuaristas, por exemplo, recebem visitas regulares de veterinários financiadas pelo governo. “O fato de que eles têm apoio para a pecuária e a indústria de laticínios, e não têm [iniciativas similares] para a agrofloresta, é uma imensa disparidade [de políticas]”, diz Shennan-Farpón.

Essas inconsistências refletem uma questão mais sistêmica, explica Krause: o foco de Bolsonaro em subsidiar o agronegócio industrial, que produz principalmente commodities para exportação, como carne e soja. A agrofloresta “vai contra o lobby agrícola dominante, que quer que os fazendeiros mecanizem e intensifiquem [sua produção], porque é aí que está o dinheiro” – ou seja, na compra de agrotóxicos e maquinário. Na agrofloresta, “o que você precisa é de trabalho e de conhecimento.”

A fixação do governo na agricultura comercial monocultora significa que muitos pequenos proprietários de agroflorestas não têm onde vender suas colheitas. “Eles não têm muito acesso aos principais mercados e não há muitos mercados agroecológicos ou de produtores na região”, explica Shennan-Farpón. É relativamente fácil encontrar compradores para produtos como café, mas as frutas oferecem um desafio bem maior. “É difícil quebrar essa barreira quando não há o mesmo interesse ou mercado para a agrofloresta”, diz ela.

Shennan-Farpón apela para que os formuladores de políticas públicas desenvolvam um plano nacional para os agricultores de pequeno porte que “os apoiaria com capacitação, apoio técnico e conselhos sobre como, o quê, e quando plantar.”

“Linhas de crédito mais fáceis, assistência técnica e investimento em pesquisa são de fundamental importância” para facilitar a agrofloresta em meio aos pequenos produtores brasileiros, acrescenta Sansevero. “Governos locais e estaduais também precisam encorajar e apoiar o uso de sistemas agroflorestais por meio do Programa de Regularização Ambiental (PRA), um conjunto de iniciativas ambientais voltado para os proprietários rurais.

Apesar desses desafios, o Brasil é hoje um líder global em restauração ecológica. Os conservacionaistas estão cada vez mais apreciando “o valor de considerar os direitos humanos e o bem-estar além dos resultados para a biodiversidade”, diz Shennan-Farpón. A colaboração de longo prazo entre o IPÊ e famílias de agricultores do MST é um exemplo poderoso de como a restauração ecológica “pode servir a ambos os propósitos.”

Citação:

Shennan‐Farpón, Y., Mills, M., Souza, A., & Homewood, K. (2022). The role of agroforestry in restoring Brazil’s Atlantic Forest: Opportunities and challenges for smallholder farmersPeople and Nature.

Imagem do bannerAgricultores agroflorestais no Pontal do Paranapanema, em São Paulo. Foto: Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).

Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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