A pesca fantasma, chamada de ghost fishing em inglês, é o que acontece quando os equipamentos desenvolvidos para capturar animais marinhos, como redes de pesca, linhas, anzóis, arrasto, potes, covos e outras armadilhas, são abandonados, descartados ou esquecidos no mar.
Esses objetos colocam em risco toda a vida marinha, já que, uma vez preso nesse tipo de engenhoca, o animal acaba ferido, mutilado e morto de forma lenta e dolorosa. A pesca fantasma ameaça baleias, focas, tartarugas, golfinhos, peixes e crustáceos que acabam morrendo por afogamento, sufocamento, estrangulamento e infecções causadas por lacerações.
Por ano, são largadas nos oceanos cerca de 640 mil toneladas de armadilhas para animais marinhos, que, só no Brasil, chegam a matar milhares de animais por dia.
A pesca fantasma não movimenta a economia, afeta os estoques pesqueiros muitas vezes já esgotados e ainda permanece como uma isca viva – ela atrai para a armadilha peixes e outros animais de maior porte, que chegam em busca das presas menores que ficaram enroscadas no emaranhado de fios.
O agravante é que, muitas vezes, essas redes de pesca são feitas de plástico, um material que pode demorar centenas de anos para se decompor.
Estima-se que, só no Brasil, a pesca fantasma afeta cerca de 69 mil animais marinhos por dia, que costumam ser baleias, tartarugas marinhas, toninhas (espécie de golfinhos mais ameaçada do Atlântico Sul), tubarões, raias, garoupas, pinguins, caranguejos, lagostas e aves costeiras.
O cenário é catastrófico. Segundo o relatório da World Animal Protection, a pesca fantasma já afetou 45% dos mamíferos marinhos presentes na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas.
Recifes de corais superficiais, que são ecossistemas já em perigo, também sofrem degradação devido à pesca fantasma. Estima-se que 10% do plástico presente no mar seja oriundo da pesca fantasma.
Em 2019, a ONG Proteção Animal Mundial lançou a segunda edição do relatório Fantasma sob as Ondas. O estudo mostrou que a cada ano 800 mil toneladas de equipamentos ou fragmentos de equipamentos de pesca são perdidos ou descartados nos oceanos de todo o planeta. Essa quantidade representa 10% de todo o plástico que entra no oceano.
O estudo também avalia a atuação das grandes empresas pescado e as providências que tomam para evitar a morte desnecessária de peixes. A versão internacional do relatório elencou 25 empresas de pescado em cinco níveis, onde o nível 1 representou a aplicação das melhores práticas e o nível 5 o não engajamento das empresas com a solução do problema.
Nenhuma das 25 empresas atingiu o nível 1, embora três grandes empresas do mercado mundial (Thai Union, TriMarine, Bolton Group) tenham entrado no nível 2 pela primeira vez. O estudo inclui duas empresas com atuação no Brasil, o Grupo Calvo, produtor da marca Gomes da Costa, e Camil, produtora das marcas O Pescador e Coqueiro.
O Grupo Calvo foi classificado no nível 4, o que significa que, apesar do tema estar previsto nas ações da empresa, as evidências de implementação são limitadas. Já a Camil foi colocada no nível 5. Segundo o relatório, a empresa “não prevê soluções para o problema em sua agenda de negócios”.
Procurado, o Grupo Calvo, cuja matriz é espanhola, afirmou que os produtos Gomes da Costa são fabricados a partir de material comprado de pescadores locais, que utilizam métodos de pesca artesanal. A empresa também informou que reconhece o problema de abandono de objetos e tem tomado providências a respeito.
Procurada, a Camil informou que não iria se manifestar a respeito dos resultados da pesquisa e sobre pesca fantasma.
De acordo com o gerente da Proteção Animal Mundial, uma das principais metas do estudo é fazer os governos enxergarem cada vez mais a pesca fantasma como um problema relevante e carente de políticas públicas eficientes.
A pesca fantasma é mais um gerador de microplástico no oceano. Se o plástico no formato normal já é prejudicial, no formato micro (que é o destino da maioria deles), ele é traiçoeiro. Apesar de ser praticamente invisível, por ser muito pequeno, o microplástico tem a propriedade de adentrar na cadeia alimentar
Ingerir microplásticos contaminados não é muito difícil, uma vez que, desde o final da II Guerra Mundial, eles já estão contaminando o ambiente.
Quem come frutos do mar regularmente ingere cerca de 11 mil pedaços de microplásticos por ano. Mas não é só em frutos do mar que ele é encontrado. Há microplásticos no sal, no ar e na água.
Como esse material pode durar centenas de anos no mar, a ameaça se estende a longo prazo.
E como se não bastasse o microplástico ser prejudicial por si só, ele ainda tem a propriedade de absorver substâncias nocivas do meio ambiente, como os poluentes orgânicos persistentes (POPs). Dentre esses poluentes estão os PCBs, os pesticidas organoclorados, o DDE e o nonilfenol.
Os POPs são tóxicos e estão diretamente ligados a disfunções hormonais, imunológicas, neurológicas e reprodutivas. Eles ficam durante muito tempo no ambiente e, uma vez ingeridos, têm a capacidade de se fixarem na gordura do corpo, no sangue e nos fluidos corporais de animais e humanos.
Estima-se que, só em 2017, as crianças ingeriram mais 750.000 micropartículas de plástico.
São registradas anualmente cerca de 25 mil redes perdidas ou descartadas na região do Atlântico Nordeste.
No estuário de Puget Sound, nos Estados Unidos, 5 mil redes de pesca removidas do mar estavam prendendo mais de 3,5 milhões de animais marinhos por ano, dos quais 1.300 eram mamíferos, 25.000 aves e 100 mil peixes.
Nos próximos 60 anos, o número de armadilhas de pesca abandonadas pode chegar a 11 milhões somente nas ilhas Florida Keys, em Miami, nos Estados Unidos.
A pesca ilegal é um fator que agrava a pesca fantasma. Por ser uma atividade ilegal e muito lucrativa, os capturadores “escondem” os equipamentos abandonando-os no mar para não serem detectados Estima-se que um em cada cinco peixes seja oriundo de atividade criminosa.
A pesca fantasma promove a insustentabilidade dos recursos pesqueiros e dos habitats marinhos. Há um grande risco de que os oceanos parem de fornecer aos seres humanos tudo que agora fornecem.
Além de ações de voluntários que retiram os equipamentos de pesca do mar por conta própria, é preciso que os agentes da cadeia de produção pesqueira se responsabilizem pela pesca fantasma.
A campanha da World Animal Protection é uma iniciativa que enfrenta o problema da pesca fantasma removendo as armadilhas pesqueiras dos oceanos e reciclando os materiais. Entretanto, são necessárias ações mais efetivas de modo que se evite o abandono desses materiais no mar.
Além de reivindicar por políticas públicas que combatam esse tipo de prática, é necessário refletir sobre o próprio consumo. Você já parou para pensar que se não houvesse demanda por animais marinhos, a pesca ilegal, que dá origem à pesca fantasma, não seria nada lucrativa?
Que tal zerar, ou pelo menos reduzir significativamente o consumo de animais marinhos? No mundo, 70% da população está largando ou reduzindo o consumo de carne. O vegetarianismo, ou o veganismo, parecem ideologias cada vez mais adotadas por consumidores conscientes do impacto de suas dietas no mundo. Se todos fossem veganos, oito milhões de mortes anuais de pessoas seriam evitadas.
Além disso, o vegetarianismo contribui mais para a redução de gases do efeito estufa do que deixar de andar de carro. Outros benefícios incluem a enorme redução nos níveis de agrotóxicos e outras toxinas ingeridas. Você deve estar pensando: “mas também se usam agrotóxicos nas plantas, qual a diferença?”.
Na verdade, quem consome produtos de origem animal acaba ingerindo mais agrotóxicos do que os vegetarianos, pois esses tóxicos são lipossolúveis. Quando aplicados nas plantações de soja, por exemplo, ao adentrar no organismo dos gados alimentados com a ração feita desse vegetal, acabam se bioacumulando na gordura animal.
Por isso, ao consumir soja diretamente se ingere menos agrotóxicos do que ao consumir um bife, que possui essas substâncias em quantidades bioacumuladas.
No caso dos animais marinhos, a insalubridade está na presença de microplásticos na cadeia alimentar. Como já dito anteriormente, os microplásticos têm alto potencial de absorção de substâncias tóxicas como os PCBs.
Uma vez no organismos dos animais marinhos, se bioacumulam e vão parar no corpo humano. Já está comprovado, o intestino humano também tem microplásticos. Saiba mais sobre esse tema na matéria: “Está confirmado: o intestino humano também tem microplásticos“.
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Confira mais imagens da pesca fantasma no vídeo abaixo:
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