Combinando colágeno extraído do peixe e um polímero sintético, material pode ser alternativa eficiente e de baixo custo no tratamento de doenças vasculares
Por Geovana Benites, do Jornal da Universidade | As doenças arteriais vasculares representam uma das principais causas de mortalidade no mundo, contribuindo para o aumento de transplantes vasculares, que visam garantir o transporte adequado de sangue. Os enxertos sintéticos são uma das opções para o tratamento de pacientes que precisam reconstruir ou substituir esses vasos sanguíneos danificados. Sabendo disso e buscando elaborar alternativas mais eficientes, uma dissertação defendida no Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas: Fisiologia da UFRGS desenvolveu um biomaterial que utiliza colágeno extraído de pele de tilápia para o tratamento de doenças vasculares.
Realizado pela pesquisadora Bruna Borstmann Jardim Leal, sob a orientação da professora Patricia Pranke, o trabalho pretende contribuir para o futuro desenvolvimento de enxertos vasculares sintéticos menores. Os materiais disponíveis atualmente possuem alta taxa de falha em vasos sanguíneos de pequeno diâmetro, devido à formação de trombos (coágulos que dificultam a circulação do sangue).
Bruna começou a trabalhar com o desenvolvimento de biomateriais vasculares já no seu trabalho de conclusão de curso em Biomedicina na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), quando passou a integrar o laboratório coordenado por Patricia. Foi no mestrado de Bruna que, juntas, elas deram início ao estudo da utilização de pele de tilápia, com o colágeno extraído pelo grupo de pesquisadores parceiros do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (UFC).
O estudo foi realizado a partir da engenharia de tecidos, uma área da medicina regenerativa que associa a engenharia e a biologia, fornecendo alternativas para o desenvolvimento de tecidos com objetivo de substituir aqueles com alta taxa de rejeição imunológica. Dessa forma, a engenharia de tecidos vasculares busca soluções para regenerar possíveis tecidos danificados ou os substituir por materiais semelhantes às estruturas dos vasos sanguíneos.
Conforme Bruna, o grande objetivo do trabalho foi criar um enxerto vascular sintético para aplicação em vasos sanguíneos pequenos, ampliando as opções já existentes no mercado. “Essa é a grande questão do meu trabalho: nós queríamos desenvolver um enxerto vascular sintético para aplicação em vasos de pequeno calibre, que seriam menores que 6 mm”, explica.
Combinação de polímeros naturais e sintéticos
Para o desenvolvimento de biomateriais, podem ser utilizados polímeros naturais e/ou sintéticos, e a combinação entre eles permite o desenvolvimento de um material com propriedades biológicas e mecânicas adequadas para uso como enxerto vascular. Os polímeros naturais, como o colágeno, possuem propriedades semelhantes às das proteínas da matriz extracelular natural, possibilitando que as células se conectem melhor com o biomaterial utilizado. No entanto, esses polímeros possuem propriedades mecânicas menos adequadas. “Para um vaso sanguíneo, nós precisamos ter essa função mecânica muito boa porque o sangue vai passar por uma alta pressão de fluxo e o vaso precisa ser resistente”, completa Bruna.
Já os polímeros sintéticos, como a poli(caprolactona) (PCL) – utilizada no biomaterial desenvolvido no trabalho de Bruna –, têm uma boa função mecânica e são mais estáveis do que os polímeros naturais. Dessa forma, a combinação dos dois tipos pode formar biomateriais mais eficientes. “Um seria complementar ao outro, por isso é bem interessante fazermos um biomaterial associando esses dois tipos de polímeros. No caso do meu trabalho, na parte dos polímeros naturais, nós associamos [a PCL] ao colágeno da pele de tilápia”, revela.
A partir da técnica de electrospinning (produção de fibras com diâmetros em escala nanométrica), o estudo apresentou diferentes tipos de biomateriais: um apenas com polímero sintético de PCL e dois com PCL associada (isto é, misturada em uma mesma solução) ao colágeno de pele de tilápia (em proporções de 50:50 e 25:75).
Além disso, a pesquisadora testou um biomaterial de PCL funcionalizado com colágeno, ou seja, inicialmente feito com PCL e sobre o qual, depois, foi acrescentado o colágeno. “Adicionando o colágeno de forma funcionalizada a esse biomaterial somente de PCL, ele teria maiores propriedades biológicas para ajudar as células a se aderirem e se proliferarem sobre o biomaterial, e foi o que aconteceu”, relata Bruna.
A análise demonstrou que os biomateriais produzidos a partir da combinação dos polímeros sintéticos e naturais apresentam grupos funcionais da PCL e do colágeno, isto é, os resultados são considerados adequados para aplicação na engenharia de tecidos vasculares, devido ao diâmetro ser semelhante ao das fibras da matriz extracelular natural.
Resistente e rica em colágeno
Além de ser usada no tratamento de queimaduras, a pele de tilápia vem sendo bastante estudada dentro da engenharia de tecidos como material biológico alternativo e de baixo custo.
Semelhante à pele humana, a pele de tilápia possui boa resistência à tração, e o colágeno desse material estimula o crescimento de fibroblastos (células envolvidas na cicatrização) que levam à angiogênese (processo de formação de vasos sanguíneos a partir de vasos preexistentes) – características importantes para os enxertos vasculares.
“A pele da tilápia normalmente é descartada. Então, nós conseguimos utilizar um material que acabaria indo para o lixo, aproveitando e extraindo o colágeno. Essa é uma parte bem interessante do trabalho também”
De acordo com Bruna, a pesquisa é um primeiro passo – para que chegue efetivamente ao mercado, são necessários mais testes. “No estudo que nós desenvolvemos foram feitos somente testes em células, então o próximo passo desse trabalho seria testar em animais e só depois em humanos”, conclui.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Universidade de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.