Em quatro áreas de conservação do interior paulista, pesquisadores constataram a presença de 278 espécies de aves florestais — 80 a menos do que havia sido registrado em estudos anteriores
Por Marion Frank em Mongabay |
- Entre as espécies ausentes, estão aves ameaçadas como o mutum-de-penacho (Crax fasciolata) e a arara-vermelha (Ara chloropterus).
- O resultado comprova a extrema fragmentação da Mata Atlântica no interior paulista, devastada pelos cultivos de café e cana-de-açúcar.
O paulistano Vagner Cavarzere sabe dizer como sua paixão por aves começou. Ele passava férias com a família em Ubatuba, litoral paulista, em uma casa voltada para a mata do morro – e a visão de tudo o que era passarinho. “Comecei a reparar no modo como viviam, era criança, mas logo ganhei o hábito de observar e apreciar”, conta. A admiração foi crescendo a ponto de determinar o futuro profissional. “Quando entrei em Biologia, já sabia que me especializaria no estudo de aves.”
Enquanto pesquisador da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), é dele a autoria de um estudo recém-divulgado sobre o desaparecimento de 80 espécies de aves no interior paulista, mais precisamente em quatro áreas de conservação ambiental: a Reserva Biológica de Andradina e as Estações Ecológicas de Marília, Paulo de Faria e Santa Maria.
Situadas no oeste, norte e nordeste do estado, a localização dessas também chamadas Unidades de Proteção Integral (UPIs) ajuda a entender a que ponto a deterioração ambiental está por trás do sumiço ou quase extinção de aves outrora presentes em grande número. Ao longo das últimas décadas, os cultivos do café e da cana-de-açúcar, além da exploração de pasto, nesses trechos de interior paulista vêm degradando não apenas a paisagem como também a qualidade do meio ambiente para prejuízo das espécies animais, aves incluídas.
Armados de binóculo e câmera fotográfica, Vagner e seus assistentes percorreram durante quatro meses as trilhas de cada UPI, registrando a presença de cada ave encontrada. Ninguém ficou de tocaia para fazer o serviço, mas teve, sim, de acordar de madrugada a tempo de registrar as espécies notívagas. “No verão, o sol se levanta bem cedo, daí ser preciso estar no lugar certo desde as 4 da manhã para ouvir as corujas”, diz Cavarzere. Outra exigência: andar devagar e sempre, explorando todos os caminhos.
Quem estuda aves, aprende a reconhecer tanto o piar de chamado quanto o de contato, pois são duas as vocalizações. No Brasil, são 1.971 as espécies de aves catalogadas, segundo o Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO). Basta fazer as contas para chegar a um fato corriqueiro no cotidiano de um ornitólogo: “Demorou, mas hoje consigo reconhecer 3.942 vocalizações”, confirma o pesquisador, ciente do valor de identificar de imediato a ave que gorjeia próxima e assim não perder a ocasião única.
80 espécies a menos
Cavarzere admite, porém, que seu estudo não teve esforço amostral suficiente para chegar a uma definição sobre o paradeiro das 80 espécies de aves não detectadas nessas áreas de conservação, levando em conta as 358 registradas em trabalhos feitos nas últimas quatro décadas nessas regiões. “É impossível afirmar que elas estão extintas; o mais provável é que cerca de 40 ainda existam, mas em número tão pequeno que não tivemos sorte de registrar”, avalia.
Entretanto, o problema salta à vista em relação às 40 restantes, todas elas espécies florestais. Aves não encontradas na pesquisa de Cavarzere incluem, entre outras, o mutum-de-penacho (Crax fasciolata) e a arara-vermelha (Ara chloropterus), ambas ameaçadas de extinção, e também o pula-pula (Basileuterus culicivorus). “Esse, apesar de não ameaçado, era antes visível em todo tipo de vegetação, o que torna a ausência do seu registro emblemática”, enfatiza.
Se essas aves não foram detectadas em áreas conservadas, o que se pode esperar fora delas? “É uma situação preocupante, pois o sumiço comprova a fragmentação de vegetação da Mata Atlântica no interior paulista”.
Espécie florestal diz respeito à ave que pula de galho em galho para se deslocar, ou seja, precisa de um dossel fechado para sobreviver. Quando a mata é “quebrada” pela ação humana, perde a possibilidade de se deslocar entre dosséis. E, por ter limite de voo, tende a se isolar e desaparecer.
“É toda uma cadeia de relações ecológicas que deixa de existir com a ausência dessas aves. A vida empobrece de modo geral”, reforça Luís Fábio Silveira, vice-diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. “O cenário no interior paulista é mesmo desalentador, mas há sempre a possibilidade de regeneração, caso o governo dê o exemplo, exigindo o cumprimento do Código Florestal pelos proprietários de terra. Afinal, é possível combinar produção com preservação”.
Na Mata Atlântica do interior paulista (presente em quase todas as áreas examinadas pelo estudo), a lei determina que 20% da vegetação deve ser preservada em terras particulares. “Mas isso está longe de ser realidade nas áreas que estudamos”, confirma Cavarzere.
De que modo reagir? “Fazer trabalhos de campo ainda mais amplos para demonstrar como a degradação ambiental afeta a diversidade das espécies de aves, afinal, o Estado tem o dever de preservar a nossa avifauna, está na Constituição”, reforça, explicando que não adianta ficar à espera de que essas aves irão voltar sem o devido e urgente reflorestamento.
Mas Cavarzere quer mais. “Este estudo tenciona despertar a atenção para as UPIs e sua capacidade de promover a educação ambiental”. Em suma: torná-las conhecidas de escolas, programando visitas para que as crianças descubram a biodiversidade da região em que vivem. “O Brasil é um paraíso de aves, só perde em número de espécies para a Colômbia”, afirma. Outro motivo para se sentir orgulhoso, já de olho em atrair turistas do mundo inteiro para também se apaixonar por nossas aves.
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