Há mais de duas décadas, fármacos baseados em nanopartículas são considerados importantes alvos da medicina personalizada. Potencialmente capazes de atingir diretamente tumores, infecções e inflamações no organismo do paciente, os nanofármacos permitem a combinação perfeita de doses ideais com o direcionamento ao local exato de atuação.
Tornar viável esse tipo de tratamento específico para cada indivíduo implica superar dois problemas interligados que podem alterar a eficiência dos nanofármacos. O primeiro está na manutenção das nanopartículas e envolve a estabilidade coloidal. Assim que entram em contato com um fluido biológico – sangue, por exemplo –, elas tendem a alterar o potencial de superfície. O segundo é a formação de um recobrimento inespecífico (chamado de coroa) nas nanopartículas com o acumulo de moléculas menores como peptídeos, açúcares e proteínas.
Pesquisadores brasileiros conseguiram, pela primeira vez, demonstrar o impacto de componentes biológicos além das proteínas, geralmente desprezados na formação dessa coroa. No artigo de capa do Journal of Materials Chemistry B, Maiara Emer e Mateus Borba Cardoso, pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), mostram que, além das proteínas, componentes relevantes como peptídeos, açúcares e outros tipos de moléculas – que formam a coroa biomolecular – impactam na eficiência das nanopartículas.
Existe uma ampla literatura que descreveu a coroa formada por proteínas. Fora isso, a formação de coroa por outros componentes já havia sido descrita em estudos prévios. Porém, nunca havia sido verificado que a quantidade de coroa formada por outros componentes impactaria diretamente na resposta biológica da nanopartícula.
“Há muitos estudos sobre a coroa proteica [formada apenas por proteínas], mas, em relação à coroa biomolecular, só se sabia que ela existia e que possivelmente não interferiria em nenhum aspecto das nanopartículas. Demonstramos, no entanto, que não é bem assim. Existe impacto e ele não deve ser negligenciado”, disse Cardoso à Agência Fapesp.
No estudo, nanopartículas de sílica com diferentes superfícies foram incubadas em culturas de bactérias Escherichia coli e Staphylococcus aureus, em um ensaio com ausência de proteína. Os meios utilizados para o crescimento das bactérias são ricos em vários desses componentes biológicos que formam a coroa biomolecular.
Os pesquisadores testaram então o crescimento e morte das bactérias e a eficiência das nanopartículas contra as bactérias. Os resultados mostraram que existe uma forte correlação entre a formação da coroa biomolecular nas nanopartículas e sua capacidade bactericida.
“Observamos que nanopartículas com superfícies distintas diferem ao adsorver em maior ou menor quantidade esses componentes. E é essa maior ou menor capacidade que está relacionada à eficiência do nanomedicamento de matar a bactéria”, disse Cardoso.
Foi demonstrado também que a ligação da nanopartícula com os componentes do fluido biomolecular pode influenciar a estabilidade coloidal dependendo da superfície das nanopartículas. “Dependendo da superfície ocorre maior ou menor ligação entre as moléculas. Isso reflete na capacidade da nanopartícula de matar bactérias”, disse.
Os pesquisadores agora estão trabalhando uma nova estratégia para evitar a formação das coroas proteica e biomolecular em nanopartículas.
O artigo Biomolecular corona formation: nature and bactericidal impact on surface-modified silica nanoparticles (doi: http://dx.doi.org/10.1039/c7tb01744h), de Maiara Emer e Mateus Borba Cardoso, pode ser lido no Journal of Materials Chemistry B aqui.
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