Novo sistema de armazenamento energético pode ser alternativa aos módulos tradicionais que utilizam lítio
Por Domingos Zaparolli em Pesquisa Fapesp | Elemento químico abundante na natureza, o sódio (Na) é encontrado na água do mar e em reservas salinas em todos os continentes. Especialistas avaliam que a substância pode constituir uma alternativa importante no processo de armazenamento de energia, com potencial de substituir em até 25% o espaço ocupado hoje pelas baterias de lítio, que equipam carros elétricos, drones, smartphones, notebooks, tablets e outros aparelhos eletrônicos.
Uma equipe da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Universidade Estadual de Campinas (Feec-Unicamp) trabalha no desenvolvimento do primeiro protótipo de uma bateria de sódio brasileira. Hoje apenas fabricantes chineses oferecem baterias comerciais com a tecnologia e os primeiros veículos elétricos com esses módulos estão previstos para chegar ao mercado ainda este ano.
O projeto brasileiro é desenvolvido no âmbito do Centro de Inovação em Novas Energias (Cine), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) apoiado pela FAPESP e a companhia petrolífera anglo-holandesa Shell. “Já temos capacidade de desenvolver a tecnologia e produzir os primeiros protótipos”, afirma o físico Hudson Zanin, professor da Feec-Unicamp e líder do projeto de pesquisa.
Em conjunto com colegas da empresa catarinense WEG, especializada na fabricação de motores elétricos, os pesquisadores da Unicamp submeteram recentemente uma proposta de projeto no programa federal Rota 2030, de incentivo à inovação na cadeia produtiva automotiva. A proposta tem como objetivo o desenvolvimento e a produção de baterias de sódio de 1 ampère-hora (Ah), com módulos de armazenamento energético de 1,2 quilowatt-hora (kWh), adequadas para equipar carros elétricos híbridos. Esses veículos são abastecidos com combustíveis líquidos, como gasolina e etanol, e contam com um propulsor elétrico complementar energizado pelo próprio motor à combustão.
As tecnologias das baterias de sódio e de lítio, explica Zanin, são muito parecidas. Em ambas, os íons (conjunto de átomos dotados de carga elétrica) executam a tarefa de transportar e estocar elétrons durante os processos de carga e descarga de energia. Para isso, os íons penetram a estrutura dos eletrodos, que são constituídos por um polo positivo, o cátodo, e um polo negativo, o ânodo.
A diferença é que o íon de sódio é maior do que o íon de lítio e, portanto, tem mais dificuldade para penetrar a estrutura dos eletrodos. Isso exige o desenvolvimento de eletrodos que facilitem essa operação. “Nas baterias de lítio, o ânodo é feito de grafite; nas baterias de sódio, por outra estrutura de carbono. Uma utiliza cátodos à base de lítio e a outra de sódio”, detalha Zanin.
Em agosto de 2022, a equipe da Unicamp publicou artigo no Journal of Energy Storage demonstrando o potencial do uso de um novo material, formado por nanotubos de carbono com nanopartículas de pentóxido de nióbio, na construção dos eletrodos, aumentando a capacidade e a velocidade de transporte e estocagem de cargas elétricas dos íons de sódio. O estudo avaliou eletrodos de sódio utilizados em baterias e em supercapacitores, que são dispositivos eletrônicos utilizados para o armazenamento de energia.
A pesquisa foi realizada durante o doutorado em engenharia elétrica da engenheira da computação Carla Martins Real, sob orientação de Zanin, e teve a participação de pesquisadores da Universidade Estadual do Kansas, nos Estados Unidos, e das universidades federais de Mato Grosso (UFMT) e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Minas Gerais.
Viabilidade econômica
As baterias de lítio são consideradas hoje a tecnologia mais eficiente para compactar energia (ver Pesquisa FAPESP no 285). Em um mesmo volume físico, são capazes de carregar 30% mais energia do que uma bateria de sódio. Além disso, são mais duráveis por terem melhor ciclabilidade, ou seja, realizam um número maior de ciclos de carga e descarga de energia. Enquanto uma bateria de lítio realiza 12 mil ciclos durante sua vida útil, as baterias de sódio, por ora, não chegam a 4 mil ciclos.
Zanin pondera, no entanto, que os módulos de sódio apresentam vantagens competitivas relevantes que podem impulsionar seu uso nos próximos anos. “O sódio é um insumo acessível e disponível em qualquer país. Seu refino em larga escala proporcionará maior viabilidade econômica à bateria de sódio quando comparada à de lítio, que enfrentará fortes demandas de mercado”, afirma.
O lítio é um minério com reservas conhecidas limitadas e ocorrência restrita a poucos países, como Bolívia, Chile, Argentina, Portugal e Austrália. No Brasil, a única reserva comercialmente viável conhecida está no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. De acordo com estimativa de 2021 da Agência Internacional de Energia (IEA), o consumo de lítio deverá aumentar 75 vezes até 2050.
A consultoria global Benchmark Mineral Intelligence calcula que será necessária a abertura de 59 novas minas de lítio apenas para atender as demandas esperadas até 2035. “Como não haverá lítio para todos, o sódio pode ser uma alternativa”, diz Zanin.
As baterias de sódio deverão ocupar nichos de mercado específicos, como o armazenamento de energia eólica e solar fotovoltaica
Outro problema do lítio, detalha o pesquisador, é que o processo de refino do minério para alcançar o grau adequado para o uso em baterias consome muita energia. Quando as fontes energéticas utilizadas não são renováveis, destaca, o processo produtivo apresenta grande impacto ambiental. “A extração e o processamento do sódio, ao contrário, têm baixíssima pegada de carbono”, compara.
Mesmo com essas vantagens, o químico especialista em materiais eletroativos Roberto Manuel Torresi, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), avalia que as baterias de sódio não deverão substituir os módulos de armazenamento de lítio, mas ocupar nichos de mercado distintos.
Segundo ele, as baterias de lítio, por sua densidade, tendem a predominar em eletroeletrônicos leves. A tecnologia que usa sódio deve ser aplicada nas baterias estacionárias, aquelas utilizadas em sistemas de segurança energética nos data centers e caixas eletrônicos ou no armazenamento de energia eólica e solar fotovoltaica, reduzindo as intermitências no fornecimento de eletricidade geradas pela falta de vento e sol. “Ou seja, as baterias de sódio são interessantes, mas destinadas a aplicações específicas”, diz Torresi.
Mobilidade elétrica
Zanin, no entanto, vê potencial também na mobilidade elétrica. Em um primeiro momento, sua expectativa é de que a tecnologia seja empregada em veículos de grande porte, como ônibus, caminhões, trens e navios.
Na China, fabricantes de automóveis anunciaram que preparam o lançamento ainda este ano de carros elétricos com baterias de íons de sódio. A BYD, que também produz baterias, utilizará tecnologia própria e a Chery usará módulos projetados pela fabricante chinesa de baterias CATL. Desde fevereiro, um modelo elétrico da Jac Motors roda em fase de testes com um sistema criado pela HiNa Battery.
A montadora francesa Renault, que mantém parceria com a chinesa Jiangling Motors Electric Vehicle (JMEV), anunciou para o segundo semestre o lançamento de seu primeiro veículo com bateria de sódio, com tecnologia fornecida pela chinesa Farasis Energy. “A abundância da oferta de sódio em praticamente todos os países”, vaticina Zanin, “permitirá o surgimento de várias tecnologias de armazenamento de energia e diferentes processos produtivos ao redor do mundo”.
Para Flávia Consoni, fundadora e coordenadora do Laboratório de Estudos do Veículo Elétrico (Leve), sediado no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, a bateria continua sendo o grande gargalo para expansão da mobilidade elétrica em função da demanda crescente por recursos naturais e os impactos ambientais e sociais decorrentes da mineração. Por isso, são sempre bem-vindas e necessárias as iniciativas que investigam o uso de outros minerais, para além do lítio. “A bateria de sódio já é uma realidade para aplicações estacionárias. Certamente, ela tem potencial para outras finalidades, mas ainda é uma perspectiva de futuro. Apesar dos avanços recentes, ainda existem questões tecnológicas relacionadas à tecnologia, tais como ampliar sua densidade energética. São aspectos que precisam ser equacionados, sobretudo pensando em aplicações que demandam alta densidade de energia.”
Para não pegar fogo
Aditivo desenvolvido no país pretende evitar que baterias inflamem
Uma característica indesejada das baterias é serem inflamáveis. Choques, perfurações e superaquecimento geram riscos para a segurança dos usuários de smartphones, notebooks e veículos elétricos. Um aditivo capaz de evitar que esses equipamentos inflamem foi desenvolvido pelos pesquisadores do Cine, centro apoiado por FAPESP e Shell.
“O aditivo é um polímero que, acrescentado ao eletrólito da bateria, evita o fogo”, descreve o físico Hudson Zanin, da Feec-Unicamp. A receita do polímero utilizado é mantida em segredo, pois a tecnologia está em fase de análise de patenteamento no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
O eletrólito é uma substância geralmente líquida responsável por conduzir os íons elétricos entre os dois polos (cátodo e ânodo) de uma bateria. Ele costuma ser produzido a partir de hidrocarbonetos fósseis, obtidos no processo de refino do petróleo. Por isso é inflamável.
“A inovação criada por nosso grupo utiliza eletrólitos convencionais no qual são acrescentados o aditivo que plastifica e une suas moléculas evitando um possível incêndio no equipamento”, explica Zanin. Em testes realizados na Unicamp, baterias com o aditivo foram cortadas, perfuradas e expostas ao fogo e não incendiaram ou explodiram.
O aditivo, segundo o pesquisador, terá uma participação muito pequena na formulação do eletrólito. Como o polímero utilizado em sua fabricação é barato e acessível, a eventual aplicação dessa tecnologia não deverá ter um impacto significativo no custo final da bateria ou dos supercapacitores, dispositivos eletrônicos que também são utilizados para o armazenamento de energia.
A startup paulista Brenergies Solutions, spin-off da Feec-Unicamp formada por professores e alunos da instituição, deverá ser a responsável por disponibilizar o aditivo ao mercado. Ainda não há um prazo previsto.
A busca mundial por tecnologias para evitar que baterias incendeiem gerou seu primeiro produto em 2021, com o lançamento internacional de uma bateria de lítio-ferro-fosfato (LFP) menos inflamável desenvolvida pela fabricante chinesa de veículos elétricos BYD. De acordo com a companhia, a nova bateria passou por condições extremas de testes, sendo perfurada, triturada e aquecida em forno a 300 graus Celsius sem registrar incêndios ou explosões. O módulo já equipa alguns veículos da BYD.
Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.