A formulação, que gerou carta-patente para a Universidade, tem como ativos o cogumelo do sol e a árvore mofumbo, nativos da flora brasileira
Por Cristiane Pimentel – Agência UFC | Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolveram uma proposta de tratamento mais moderno para a doença de Chagas a partir de dois elementos da flora brasileira, o cogumelo do sol (Agaricus blazei Murill), encontrado na Mata Atlântica, e a árvore mofumbo (Cobretum leprosum), nativa da Caatinga. Trata-se de uma emulsão que promete ser mais eficaz no combate à infecção no seu estágio crônico, bem como produzir menos efeitos colaterais no paciente.
O estudo gerou uma carta-patente à UFC concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e foi elaborado por uma equipe multidisciplinar, formada por professores dos departamentos de Química Orgânica e Inorgânica e de Farmácia da UFC. A ideia original era elaborar um curativo para tratamento de feridas tendo como ativo o composto químico triterpeno, presente no mofumbo, conhecido por seus efeitos antimicrobianos. No entanto, a investigação em laboratório apontou novos caminhos. “Ao percebermos o potencial antichagásico dessa substância, alteramos o rumo dos estudos”, comenta a professora Elenir Ribeiro, que assina como inventora principal da patente.
Iniciados os trabalhos, a equipe enfrentou um desafio: a baixa solubilidade do triterpeno, o que limitava o seu uso clínico. Como solução, chegaram aos polissacarídeos do cogumelo do sol, que tornaram possível o uso do triterpeno em uma emulsão mais estável. O resultado foi uma fórmula farmacêutica líquida com menor toxicidade. “A encapsulação do triterpeno foi capaz de reduzir o seu potencial citotóxico contra células hospedeiras. Assim, espera-se que a principal vantagem dessa formulação seja a sua maior segurança quando comparada às opções presentes no mercado. Contudo, esses dados só serão confirmados após a condução dos ensaios in vivo e clínicos”, explica a pesquisadora.

Opção terapêutica
Silenciosa e com altas taxas de mortalidade no país, a doença de Chagas ainda é um desafio de saúde pública, tanto na sua detecção quanto no seu tratamento. Nos últimos anos, cientistas têm verificado que, além dos efeitos colaterais, os medicamentos hoje utilizados no combate à doença têm demonstrado baixa eficácia na fase crônica. Os resultados desses mesmos fármacos quanto à reversão de lesões cardíacas decorrentes da infecção também não são satisfatórios, e alguns estudos indicam ainda um potencial carcinogênico (causador de câncer).
“A doença de Chagas é uma doença negligenciada, há poucas opções terapêuticas para o seu tratamento e as que existem ainda apresentam baixa efetividade e efeitos colaterais importantes. Assim, é de suma importância que a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos para o tratamento da doença sejam impulsionados, visando, acima de tudo, à melhoria da qualidade de vida dos pacientes acometidos por essa patologia”, pontua Elenir Ribeiro.
Destaca a professora que a intenção dos pesquisadores foi o desenvolvimento de uma nanoformulação usando mofumbo e cogumelo do sol para o tratamento da doença de Chagas que pudesse ser usada isoladamente, contudo, ensaios complementares estão sendo conduzidos a fim de elucidar o potencial adjuvante da emulsão quando empregada em conjunto com as terapias convencionais.
Ainda de acordo com a estudiosa, o medicamento é inédito e traz vantagem quanto à redução de custos. “O fato de os principais componentes serem nativos do Brasil acaba facilitando a sua obtenção e, consequentemente, reduzindo os custos com importação. Como sabemos, a biodiversidade brasileira, apesar de sua vasta riqueza, ainda é pouco explorada, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento e à inovação de medicamentos. Assim, é de suma importância a sua exploração a fim de gerar produtos de valor agregado”, ressalta Elenir Ribeiro.

O estudo foi realizado em parceria com a equipe do Laboratório de Bioprospecção Farmacêutica e Bioquímica Clínica, do curso de Farmácia, e as próximas etapas são a análise dos mecanismos de ação do medicamento in vitro e posterior testagem em modelos animais. “Como a doença de Chagas é negligenciada, hoje existe pouco interesse dos laboratórios, por isso estamos pensando estratégias para superar isso. Mais do que uma opção de cura, a gente quer evitar as complicações no paciente”, detalha o professor Ramon Pessoa, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas.
Assinam também a patente os pesquisadores André Tavares de Freitas Figueredo Dias, Cecília Brilhante Aragão, Carlos José Alves da Silva Filho, Lyanna Rodrigues Ribeiro, Nágila Maria Pontes Silva Ricardo, Jair Mafezoli, Alice Maria Costa Martins, Tiago Lima Sampaio, Ramon Róseo Paula Pessoa Bezerra de Menezes, Matheus da Silva Campelo e Francisco Geraldo Barbosa.
Doença negligenciada
Endêmica no Brasil, a doença de Chagas é uma das enfermidades com alta concentração na América Latina. No Brasil, estima-se que são registrados 30 mil novos casos a cada ano e, no mundo, calcula-se que cerca de 7 milhões de pessoas tenham a doença. Descoberta em 14 de abril de 1909 pelo sanitarista brasileiro Carlos Chagas, ela é considerada uma doença negligenciada, afetando principalmente as populações mais pobres e com menos acesso a serviços de saúde. Por conta disso, em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas, chamando atenção para a importância de investimentos para a detecção e tratamento da doença.
Fonte: professora Elenir Ribeiro, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica – e-mail: elenir.ribeiro@ufc.br
Este texto foi originalmente publicado pela Agência UFC, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.