Tecnologia já patenteada é fruto de parceria entre Unicamp, UEL, UEM e UFAM. Composto pode prevenir infecções que afetam gestantes e prejudicam recém-nascidos
Por Ana Paula Palazi em Jornal da Unicamp – O óleo de copaíba é conhecido na medicina popular como “antibiótico natural da mata” ou “bálsamo da Amazônia”. Os nomes remetem a suas propriedades bioativas cicatrizantes e antimicrobianas. Uma parceria entre quatro universidades de três estados teve como objetivo potencializar esses efeitos ao associar o óleo vegetal com a nanotecnologia “verde”, que recorre a métodos de geração de nanoestruturas com menor impacto ambiental. O resultado é um novo composto antimicrobiano que combina o óleo de copaíba com nanopartículas de prata (AgNPs) produzidas a partir de fungos.
“A ação das nanopartículas de prata é extremamente eficiente, pois elas matam as bactérias. Ao associá-las com o óleo de copaíba temos uma sinergia. A nanotecnologia auxilia na atividade, na reatividade e faz o efeito antimicrobiano atuar por muito mais tempo”, explica o pesquisador do Instituto de Química (IQ) e professor colaborador do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, Nelson Duran, um dos pioneiros nos estudos de nanobiotecnologia no Brasil.
A aplicação de nanopartículas de prata no combate a superbactérias e outros microrganismos vem sendo estudada na Unicamp desde 2013, com patentes registradas pela Inova Unicamp. A tecnologia já foi avaliada em diversos estudos, com aplicações ambientais, no tratamento contra o câncer, em sprays e tecidos com potencial de combater vírus, como o da Covid-19.
A inovação do composto desenvolvido está na associação com o óleo de copaíba, que também tem atividade de interesse médico e sanitário. A cooperação técnica envolveu treze pesquisadores das Universidades Estaduais de Campinas, Maringá e Londrina, e da Universidade Federal do Amazonas. O intercâmbio resultou no desenvolvimento de um composto de maior eficácia terapêutica, com menores concentrações dos componentes e redução dos efeitos adversos.
De acordo com os pesquisadores, a tecnologia poderá ser aproveitada em formulações de antissépticos e antimicrobianos de uso tópico (como cremes e pomadas para a pele), produtos de limpeza, sanitizantes e até em tecidos com a função antimicrobiana.
O invento foi protegido com patente solicitada pela Agência de Inovação Inova Unicamp. A exploração comercial da tecnologia estará disponível a empresas que, em contrapartida, destinarão parte dos ganhos às universidades envolvidas. Isso possibilita a manutenção dos investimentos em laboratórios para novos estudos.
Alternativa aos antibióticos convencionais
O novo composto é poderá ser uma alternativa natural no tratamento de infecções por microrganismos multirresistentes. O aumento das superbactérias é um problema mundial causado, entre outros motivos, pelo uso intensivo de antibióticos. Ao associar nanopartículas de prata ao óleo de copaíba os pesquisadores buscam dificultar a resistência aos antimicrobianos.
“É mais difícil para a bactéria desenvolver mecanismos de resistência contra dois compostos associados que atuam em sinergia. O óleo de copaíba tem vários princípios ativos, o que dificulta e reduz, ainda mais, a seleção de bactérias multirresistentes”, diz a professora Renata Kobayashi, que estuda resistência e atividade antibacteriana de compostos naturais no Laboratório de Bacteriologia Básica e Aplicada da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Nanopartículas antibacterianas combinadas com óleo de copaíba poderiam ser alternativas aos antibióticos convencionais pois, além de não contribuírem com o aumento da seleção de bactérias multirresistentes, permitem diminuir os efeitos colaterais e as dosagens, já que a combinação exige quantidades menores de cada ativo.
Nanotecnologia com potencial no tratamento de gestantes
Os pesquisadores fizeram ensaios in vitro com alguns microrganismos, entre eles o fungo Candida albicans e a bactéria Streptococcus agalactiae. Ambos vivem normalmente no organismo humano, mas, em situações de desequilíbrio, crescem descontroladamente e passam a ser danosos à saúde.
O fungo é um dos responsáveis pela candidíase, doença que pode afetar várias partes do corpo, e com frequência os órgãos genitais. Segundo estimativa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, 75% das mulheres irão apresentar ao menos um episódio de candidíase vaginal durante a vida.
A bactéria Streptococcus agalactiae, por sua vez, pode colonizar a mucosa vaginal em gestantes e ser transmitida ao bebê no momento do parto. Ela é considerada uma das causas mais frequentes de sepse (infecção generalizada) em recém-nascidos.
“Começamos a buscar um produto natural, pensando no tratamento da gestante colonizada por S. agalactiae, pois ela não pode tomar qualquer tipo de medicação. A associação de nanopartículas de prata e óleo de copaíba potencializou o efeito antimicrobiano e diminuiu a concentração necessária de ambos”, explica a professora Sueli Ogatta, do Laboratório de Biologia Molecular de Microrganismos da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
A redução verificada nos estudos de concentração foi da ordem de oito vezes, com manutenção do efeito antibacteriano de cada componente isoladamente.
Produção sustentável
A prata utilizada para a produção das nanopartículas é a mesma que encontramos em joias, a diferença estando apenas no tamanho da molécula, explica o professor Duran. “A prata é a mesma só que uma é macro e a outra é nano.” Nessa dimensão a matéria adquire propriedades novas. E, apesar do tamanho reduzido, as nanopartículas de prata apresentam uma superfície relativamente grande na comparação com outras nanoestruturas.
O professor Gerson Nakazato, ex-aluno de pós-graduação Unicamp e coordenador, junto com a professora Kobayashi, do Laboratório de Bacteriologia Básica e Aplicada da UEL, lembra que isso aumenta a eficiência e a capacidade de interação do metal com outros componentes, reduzindo também o risco de absorção pelo organismo. A prata não é muito tóxica às células animais, mas sua acumulação no corpo e no meio ambiente pode ter efeitos indesejados.
O processo produtivo biológico não usa elementos químicos que resultem em substâncias tóxicas à natureza. A síntese da nanopartícula é feita a partir do fungo Fusarium oxysporum. Ele secreta enzimas que promovem a transformação do sal de prata em nanoprata. Por outro lado, o óleo de copaíba é uma fonte de renda valiosa para populações da Amazônia. A extração, com manejo sustentável, garante produção duradoura, em ciclos, sem o corte das árvores. A descoberta de novas propriedades da copaíba e o aprimoramento daquelas já conhecidas fornecem um vasto campo de aplicações ao composto.
“Acreditamos, por exemplo, que o poder residual de um saneante com essa tecnologia tem uma ação bem mais prolongada do que aqueles hoje disponíveis no mercado”, pondera Nakazato. O próximo passo do grupo interinstitucional é testar a eficácia da combinação das nanopartículas de prata e óleo de copaíba contra alguns vírus, em especial o coronavírus.
Matéria original publicada no site da Agência de Inovação Inova Unicamp.