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Segundo especialistas, gestores devem levar em conta reação da sociedade em relação às questões tecnológicas e energéticas desde o planejamento do projeto

Por RCGI | As novas tecnologias de baixo carbono costumam ser analisadas do ponto de vista da engenharia e de outras áreas das ciências exatas. Mas as ciências sociais têm um papel importante nesse processo. É o que pretende mostrar o projeto Percepção Social e Diplomacia Científica nas Transições Tecnológicas para uma Sociedade de Baixo Carbono, que vem sendo desenvolvido desde o ano passado no âmbito do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), sediado na Universidade de São Paulo, e patrocinado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em parceria com a Shell.

“Toda tecnologia provoca um impacto social. É fundamental que cientistas e a sociedade de forma geral reflitam sobre esse processo”, defende Sigmar Malvezzi, coordenador do projeto e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Com ele concorda a psicóloga Karen Mascarenhas, vice-coordenadora do projeto e diretora de Recursos Humanos e Gestão de Lideranças do RCGI. “No Brasil presta-se pouca atenção a como a sociedade vai reagir às tecnologias propostas. É preciso pensar sobre isso na fase de planejamento do projeto, mas o Brasil está atrasado nesse processo. Basta ver o pouco espaço dado às questões sociais em documentos de planejamentos seminais, como o Plano Nacional de Energia 2050”, diz.

O estudo trabalha, sobretudo, com tecnologias em desenvolvimento pelos projetos do RCGI – no caso, Captura e Armazenamento de Carbono (CCS), Captura e Uso de Carbono (CCU), Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (BECCS) e Gases de Efeito Estufa (GEE). “Além disso, pretendemos abordar outras tecnologias associadas a recursos considerados importantes na transição energética global, como gás natural, hidrogênio, energia eólica e solar”, acrescenta Mascarenhas.

O projeto atua em cinco frentes. “Todas estão interligadas. Trata-se de um projeto transdisciplinar que envolve, além da psicologia, filosofia e antropologia, áreas como geografia, história, física e relações internacionais”, informa Malvezzi. Uma das frentes está relacionada especificamente à percepção social relativa à transição energética e tecnológica. “Ainda que fontes de energia renovável de forma geral gozem de alto nível de aceitação por parte do público, ao olharmos mais profundamente, detectamos resistências locais contra tais tecnologias. Há inclusive um fenômeno conhecido por NIMBY, que significa ‘Not In My Back Yard’ ou ‘Não no meu quintal’, que denota uma possível aceitação da tecnologia por parte da população em geral, mas uma rejeição no assentamento de tal projeto em sua comunidade pelos mais variados motivos, como poluição sonora e visual, odores ou risco de vazamento, por exemplo”, observa Mascarenhas.

Como primeiro passo, a equipe fez uma revisão bibliográfica de 535 artigos publicados em revistas acadêmicas internacionais. “Muito se fala de ‘percepção pública’, mas a partir dessa análise confirmamos nosso entendimento de que esse termo é relativo ao público leigo. Ele aparece assim em mais de 80% dos artigos revisados. Entretanto, no caso do nosso projeto, o termo correto é ‘percepção social’, pois queremos abranger um público mais amplo, que inclui, por exemplo, governo, mídia, meio acadêmico, organizações não-governamentais, executivos da indústria e investidores”, explica Mascarenhas.

O próximo passo será realizar pesquisas para entender, a partir de técnicas projetivas e métodos de análise multifatorial, como esses agentes se comportam em relação às novas tecnologias e às mudanças climáticas, por exemplo. Esse trabalho vai contar com dados socio geográficos, que estão sendo levantados pela segunda frente do projeto. “A ideia é elaborar um atlas com informações geográficas, sociais e históricas que vai sugerir locais onde poderemos realizar nossos estudos de campo e apontar os lugares mais apropriados para futuras instalações de novas tecnologias de baixo carbono”, explica Mascarenhas.

Outra frente do projeto está focada na chamada diplomacia científica, cujo objetivo é rastrear a contribuição de cientistas e instituições de pesquisa acadêmica como o RCGI a dois movimentos globais originados em 2015 pelas Organizações das Nações Unidas (ONU). Um deles é a Agenda 2030 com seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o outro, o Acordo de Paris, com a adesão de 193 países, que estabeleceu Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) por meio de metas assumidas para redução das emissões de gases de efeito estufa.

Além disso, a equipe de pesquisadores pretende desenvolver estratégias de comunicação voltadas para a comunidade científica. “Vimos durante a pandemia de Covid-19 como as reações das pessoas podem ser diferentes a partir de um mesmo estímulo. Foi o caso da vacina. Houve quem se posicionasse contra por questões ideológicas ou religiosas. É preciso saber apresentar essas novas tecnologias e dialogar a respeito delas com a sociedade”, constata Malvezzi.

A quarta frente do projeto vai investigar o impacto das redes sociais na divulgação, experimentação e construção da ciência. Outro foco dos pesquisadores será desenvolver metodologia para investigar o comportamento social por meio da sociofísica. O trabalho, nesse caso, será feito no Digital Lab, espaço criativo para colaborações científicas e artísticas por meio de tecnologias digitais e design de interação que está em fase de implantação no Instituto de Física da USP. “A ciência lida com questões abstratas. A ideia aqui é aproximar o público dessa temática por meio da arte-ciência ou então criações como o Moleculário, que será um espaço de experiência imersiva de realidade virtual e aumentada”, explica Mascarenhas.

Por fim, os pesquisadores que trabalham na quinta frente pretendem fomentar parcerias entre universidade e empresas. “A ideia é promover ainda mais novas tecnologias desenvolvidas no RCGI para a iniciativa privada”, diz Mascarenhas.

O projeto já rende frutos. Um deles é o livro Transição Energética, Percepção Social e Governança, que reúne os principais resultados da revisão da literatura realizada pela equipe de pesquisadores e deve ser lançado neste ano. Além disso, o projeto participa atualmente do estudo Comparando Intervenções visando a Ação Coletiva contra as Mudanças Climáticas, coordenado pelo Laboratório de Identidade Social e Moralidade do Departamento de Psicologia da Universidade de Nova York e que está em curso em 75 países. “Nossa missão é levantar e interpretar dados sobre a população brasileira em relação ao tema”, explica Mascarenhas.

Outro desdobramento do projeto foi a mesa-redonda Os desafios da percepção social e engajamento público para a sustentabilidade, organizada e coordenada por Mascarenhas. O evento aconteceu de forma on-line, no dia 27 de julho, dentro do 3rd Latin American Conference on Sustainable Development of Energy, Water and Environmental Systems, promovido pelo International Centre for Sustainable Development of Energy, Water and Environment Systems (Sdewes), organização não-governamental sediada na Croácia. Dentre os participantes estavam pesquisadores como Rocio Díaz-Chavez, do Imperial College London (Reino Unido), Kathleen Araujo, da Boise State University (Estados Unidos) e Fátima Bernardo, da Universidade de Évora (Portugal). E também Malvezzi, que discorreu sobre Liderança para sustentabilidade. “Essa troca de informação em rede é fundamental para que a discussão evolua entre os pesquisadores”, conclui o psicólogo.


Este texto foi originalmente publicado pela Research Centre for Greenhouse Innovation POLI USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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