A saborosa pizza assada em um forno a lenha tem um custo pesado para a qualidade do ar. Na cidade de São Paulo, conhecida pela qualidade de suas pizzas, estima-se que sejam mais de 6500 pizzarias com forno a lenha – e elas representam uma emissão de 117 toneladas de material particulado fino por ano, segundo estudo publicado por um grupo de quatro pesquisadores brasileiros e um britânico na revista Environmental Science and Pollution Research. Essa quantidade equivale a quase 10% das emissões dos veículos que circulam na Região Metropolitana.
Um estudo anterior já apontava para o custo dos poluentes liberados para a atmosfera pela queima de lenha. Em 2016, um artigo publicado na revista científica Atmospheric Environment reuniu especialistas de sete universidades de diferentes países. Em São Paulo, segundo dados fornecidos pelos autores do estudo, em média, eram assadas cerca de um milhão de pizzas diariamente, em 8 mil pizzarias.
“Há mais de 7,5 hectares de floresta de eucalipto para serem queimados a cada mês por pizzarias e churrascarias”, afirma o doutor Prashant Kumar, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Surrey, Reino Unido, líder da equipe. Para ele, os efeitos da queima de lenha e carvão devem ser uma preocupação real quando se pensa em qualidade do ar. “Um total de mais de 307.000 toneladas de madeira é queimada anualmente em pizzarias”, completa Prashant Kumar.
É certo que pizzarias não têm o mesmo peso dos veículos movimentados por motores a combustão, de longe os principais poluidores da cidade. Mas os pesquisadores alertam que é preciso também dar atenção a outras fontes de contaminação do ar, principalmente na região metropolitana de São Paulo, que abriga cerca de 10% da população brasileira e é o único aglomerado urbano de tal dimensão em todo o planeta a ter uma frota impulsionada por biocombustível. Para os autores, a queima de lenha ou carvão podem reduzir e muito os benefícios ambientais da mistura de até 27% de álcool à gasolina e ao uso de biodiesel.
Além disso, o impacto dos veículos a diesel, o principal poluidor do ar na cidade, já é bem compreendido, ao contrário da queima de lenha e carvão. A professora Maria de Fátima Andrade, da Universidade de São Paulo, alerta ainda para outra fonte de poluição: as queimadas.
“As importantes contribuições de partículas obtidas com a queima de madeira e da queima sazonal de canaviais precisam ser contabilizadas em estudos futuros, pois são contribuintes significativos como poluentes”, afirma. Os pesquisadores chamam a atenção também para os efeitos das queimadas na Amazônia, que mandam toneladas de poluentes para a atmosfera e são transportados para o sul.
Em 2020, a boa notícia para o meio ambiente é que o número de pizzarias com forno a lenha reduziu na cidade de São Paulo. O estudo publicado na revista Environmental Science and Pollution Research analisou registros in loco, com medições da qualidade do ar durante o funcionamento de três pizzarias do centro da cidade. De posse desses dados, os pesquisadores estimaram a poluição produzida pelo conjunto desses restaurantes na capital paulista.
Os pesquisadores se surpreenderam tanto com a quantidade de material particulado fino medida no interior dos estabelecimentos, nos salões, como na saída das chaminés, no ambiente externo. Nesse segundo ponto, a concentração foi, em média, 90 vezes maior do que dentro das pizzarias, onde o índice chegou a 68 microgramas por metro cúbico (μg/m³).
A legislação brasileira não estipula limites para a produção de material particulado fino em pizzarias. Na Alemanha, o máximo permitido dentro desses restaurantes é de 25 μg/m³. “Há poucos estudos sobre esse tipo de fonte de poluição no mundo, que pode parecer inofensivo, mas seus valores são significativos”, comenta o gestor ambiental Francisco Daniel Mota Lima, do Instituto Federal do Pará (IFPA), primeiro autor do trabalho, feito enquanto estava na pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP).
Os números encontrados no interior das pizzarias analisadas sugerem que a saúde tanto dos trabalhadores quanto dos clientes está exposta a níveis elevados do poluente. “As altas concentrações chamaram a atenção”, afirma a física Regina Maura de Miranda, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, coordenadora da equipe que fez o trabalho.
Segundo a assessoria de imprensa da Cetesb, as pizzarias não são objeto de licenciamento devido ao seu relativamente baixo potencial de emissão de poluentes – no caso dos veículos, a emissão ao longo de 12 meses é de 1.240 toneladas de material particulado fino. A agência ambiental também informa que não faz parte de suas atribuições legais monitorar a poluição interna de ambientes fechados. Para minorar a situação interna, seria aconselhável manter uma boa ventilação dentro dos estabelecimentos.
O material particulado fino é composto de partículas sólidas ou líquidas com diâmetros médios iguais ou inferiores a 2,5 micrômetros (1 micrômetro equivale à milionésima parte do metro). Essa forma de poluente é extremamente prejudicial à saúde humana. Estudos associam a incidência de diabetes, câncer de pulmão, doenças cardiopulmonares e outras enfermidades respiratórias a altas concentrações de material particulado fino em centros urbanos e áreas industriais.
Esses compostos também podem interferir no aquecimento global e nas mudanças climáticas. Entre 20% e 30% do material particulado medido nas pizzarias era formado pelo chamado carbono preto, principal componente químico da fuligem e um dos poluentes que mais absorvem radiação na atmosfera. Outra parte do trabalho investigou a composição química e a morfologia das partículas lançadas na atmosfera.
Como duas das pizzarias analisadas usam toras de eucalipto em seus fornos e uma utiliza briquete, os pesquisadores tentaram analisar se o tipo de madeira empregada resultava em diferenças na quantidade emitida de poluição. Os dados sugerem que os blocos de resíduos de madeira podem ser menos nocivos. “Os vários elementos químicos que encontramos nas análises das partículas estão relacionados à lenha e ao briquete, mas também aos ingredientes das pizzas, como o sal de cozinha. Esse ponto ainda precisa ser mais bem estudado”, comenta Miranda.
Além do tipo de material usado na queima, fatores como a localização das pizzarias, a quantidade diária de pizzas produzidas e a altura da chaminé foram levados em consideração nas análises. Uma das pizzarias em que foram feitas as medições tinha uma chaminé muito mais alta, com 25 metros de altura, do que as das outras duas. Em termos de concentração de poluentes, esse estabelecimento foi o que registrou as maiores concentrações de partículas no topo, provavelmente devido à maior velocidade de saída da fumaça. Mas não foi possível determinar com certeza qual fator foi o preponderante para esses resultados.
A elevada quantidade de poluição tanto nos ambientes internos quanto externos das pizzarias paulistas não significa que as redondas estão com os dias contados. “Existem medidas que podem ser adotadas para amenizar a situação. Há vários equipamentos de controle de poluição que podem ser usados nas chaminés das pizzarias para diminuir as emissões”, explica a física da USP. “Alguns restaurantes já utilizam esses recursos, que costumam ser eficientes.”
Segundo a pesquisadora, o grupo de autores trabalha em novas pesquisas com outros tipos de comércio, como padarias e churrascarias, para averiguar a poluição gerada por mais fontes na capital paulista e em outros pontos do país. “A produção da melhor farinha do Pará é feita nas chamadas casas de forno, por meio da queima da lenha”, comenta Lima, que planeja estudar a produção de poluentes nesse tipo de estabelecimento.
Fontes: O Eco e Revista Pesquisa Fapesp
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