A Rede CineFlecha apresenta, a partir desta quinta-feira (01/10), a 1ª Mostra CineFlecha: “(Re)Existir e Curar”, que traz um conjunto de filmes que mostram a diversidade da produção de diferentes povos indígenas, além de uma série de lives com os cineastas. A rede é formada por coletivos indígenas e articuladores que trabalham com cinema, comunicação e antropologia, parte deles apoiados pela FAPESP, que estudam a produção audiovisual indígena de uma perspectiva antropológica.
Inicialmente pensada como uma mostra convencional, que realizaria a exibição dos filmes e debates num espaço físico em São Paulo, o evento teve de ser adaptado para o formato virtual por conta da eclosão da pandemia do novo coronavírus.
Entre as produções mais recentes, encontram-se filmes que mostram o dia a dia com o SARS-COV-2 nas aldeias e como diferentes povos estão enfrentando a crise sanitária. Antecedendo a mostra, foi lançada em julho a plataforma Mirando Mundos Possíveis, reunindo vídeos que trazem experiências, reflexões e relatos indígenas diante da atual crise global.
Entre as produções disponíveis está a série de curtas Nativas Narrativas, produzida pela Associação Cultural de Realizadores Indígenas (Ascuri), coletivo formado por jovens Guarani, Kaiowá e Terena de Mato Grosso do Sul.
“Somos um grupo de antropólogos que trabalha com cinema indígena, mas a produção fílmica não é apenas nosso objeto de pesquisa. A melhor forma de trabalhar com o tema é produzindo os filmes junto com os grupos indígenas. Então temos parceiros que são realizadores nas aldeias, além de trabalharmos com a formação de novos cineastas”, explica Ana Carolina Estrela da Costa, que realiza doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
Além de Estrela da Costa, o grupo de antropólogos é formado por Nadja Marin, André Lopes, ambos da FFLCH-USP, e Luiza Serber, que realiza doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp), com bolsa da FAPESP.
“A ideia é que este seja um projeto de longo prazo. Ele extrapola os períodos e os contextos de cada uma das pesquisas individuais de nós quatro”, diz Serber, que estuda como diferentes povos e cosmologias produzem diferentes engajamentos com as câmeras e as telas.
Sua pesquisa integra o projeto “Sistemas regionais ameríndios em transformação: o caso do Alto Xingu”, coordenado por Antonio Guerreiro, professor do IFCH-Unicamp.
“O cinema indígena dá acesso ao ponto de vista dos indígenas sobre uma enorme diversidade de temas abordados pelos cineastas, permite compreender as questões que orientam suas produções e também indagar sobre os efeitos sociais que essas produções têm em suas comunidades e além”, diz Guerreiro, que em julho concluiu um período de pesquisa na Universidade de Oxford, com bolsa da FAPESP.
Neste ano, Serber revisitaria as aldeias Kaiowá no entorno de Dourados (MS) para acompanhar o trabalho da Ascuri. Porém, a pandemia forçou o adiamento das visitas ao local de estudo. No mestrado, a antropóloga trabalhou no Território Indígena do Xingu, analisando as diferentes produções audiovisuais em torno do Kuarup – conhecido ritual funerário dos povos do Alto Xingu – e as repercussões nas comunidades de uma oficina de formação audiovisual oferecida especificamente para mulheres indígenas dos povos Ikpeng e Kawaiweté.
No território, circulam desde produções voltadas ao mesmo tempo para as comunidades e para o mundo não indígena – produções bilíngues que contam com largo conhecimento técnico – até mesmo vídeos produzidos com câmeras simples ou aparelhos celulares, voltados sobretudo para as próprias comunidades.
“Ainda assim, muitos desses vídeos alcançam grande circulação por meio das redes sociais ou mesmo pela transmissão via bluetooth nas aldeias, ‘pulando’ de celular em celular e vencendo distâncias impressionantes sem conexão com a internet. Com esses vídeos circulam festas, cantos, técnicas, intensificando e acelerando relações de intercâmbio entre os vários povos da região”, diz Guerreiro, que orientou o trabalho.
“No doutorado continuo lidando com esse mesmo universo de temas, mas agora pensando de que forma sistemas cosmológicos e cosmopolíticos específicos se traduzem em diferentes modos de engajamento com as câmeras e com o processo de edição, os diferentes modos de ver e de mostrar mundos”, diz Serber.
Estrela da Costa, por sua vez, trabalha há mais de 10 anos com o povo Maxakali, na divisa entre Minas Gerais e Bahia. Em 2017, passou todo o ano na aldeia, de janeiro a dezembro, a fim de analisar os processos de produção audiovisual nas aldeias. Atualmente, faz estágio de pesquisa no Collège de France, em Paris, com bolsa da FAPESP.
“A produção audiovisual e cinematográfica de um grupo de pessoas ou de um povo se articula sempre com sua própria cosmovisão e seus modos de produzir subjetividades e relações. Com os Maxakali não é diferente, e quanto mais exploramos a etnografia e a experiência com os filmes e seus processos, mais uma coisa dá sentido à outra”, diz Estrela da Costa.
A produção em torno da COVID-19 aborda desde aspectos básicos de higiene, passando pelo dia a dia nas aldeias até vídeos didáticos explicando a origem, formas de transmissão e cuidados a serem tomados.
“Os vídeos reunidos na plataforma Mirando Mundos Possíveis são como pequenas janelas para uma imensa constelação de mundos, nos quais diferentes povos estão experienciando e concebendo de formas muito distintas os primeiros contatos com esse vírus. É através dos vídeos que melhor podemos de fato escutá-los, e quem sabe aprimorar estratégias públicas para o enfrentamento à pandemia”, diz Estrela da Costa.
Para assistir à 1ª Mostra CineFlecha: (Re)Existir e Curar, com bate-papos e filmes, acesse entre os dias 1o e 15 de outubro o site: redecineflecha.org/mostra.
Assista também aos vídeos disponíveis na plataforma Mirando Mundos Possíveis: redecineflecha.org/mirando-mundos-possiveis.
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