Os lobbies agrícolas argumentaram que a proibição prejudicaria a indústria, indo ao extremo de afirmar que "a produção desapareceria da Europa" se o bem-estar animal fosse priorizado
No ano de 2021, a União Europeia tomou uma decisão histórica ao concordar em eliminar gradualmente o uso de gaiolas na criação de animais de fazenda, abrangendo galinhas, frangos, porcos, vitelos, coelhos e codornizes. Esta medida, apoiada por 89% dos cidadãos europeus, veio em resposta a uma petição que recebeu mais de um milhão de assinaturas, demonstrando o clamor público por melhores condições para os animais. No entanto, o que deveria ser um avanço significativo em termos de bem-estar animal, agora parece estar em espera devido à reação feroz dos poderosos lobbies agrícolas.
Um consórcio de meios de comunicação liderado pelo Guardian e pela Lighthouse Reports descobriu detalhes perturbadores sobre os bastidores dessa batalha. Grupos industriais ligados à carne, em uma campanha que alguns descrevem como “suja e dura”, levantaram acusações de preconceito contra a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) e pressionaram para que um especialista corporativo reescrevesse a legislação. Essas táticas revelam um desrespeito pela importância do bem-estar animal e uma busca desenfreada pelo lucro.
A vice-presidente da comissão ambiental do Parlamento Europeu, Anja Hazekamp, expressou sua preocupação sobre a ética desse combate, afirmando que a indústria agiu de forma “suja” e que fizeram de tudo para impedir a legislação. A realidade é que a sociedade está cada vez mais consciente da necessidade de tornar o sistema alimentar mais sustentável e humano, e a proibição das gaiolas era uma oportunidade de ouro para isso.
Funcionários da UE revelaram que os lobbies agrícolas exerceram uma “pressão agressiva” sobre a comissão que resultou no adiamento da legislação. Eles visaram “os níveis superiores da comissão” em momentos estratégicos, utilizando canais privilegiados para influenciar a tomada de decisão. Essas ações dos lobistas tiveram um impacto notável nas atitudes dos tomadores de decisão em relação à legislação, tornando-as “extremamente negativas”.
A tentativa de minar a credibilidade da AESA é particularmente preocupante, pois isso implica questionar a integridade da ciência que embasou a legislação proposta. O objetivo claro era “desacreditar o trabalho da comissão – o trabalho científico em particular”. Essa abordagem representa uma ameaça à transparência e à integridade do processo legislativo.
Os lobbies agrícolas argumentaram que a proibição prejudicaria a indústria, indo ao extremo de afirmar que “a produção desapareceria da Europa” se o bem-estar animal fosse priorizado. Essas alegações sombrias foram ecoadas por sindicatos agrícolas poderosos, como a Copa-Cogeca, que afirmaram que a proibição levaria à perda da maior parte do setor avícola europeu. Esses argumentos alarmistas são um exemplo de como os interesses comerciais podem influenciar negativamente a formulação de políticas.
Além disso, o surgimento do grupo de lobby “European Livestock Voice (ELV)” trouxe novas táticas para a batalha. Inspirados em organizações não governamentais, eles utilizaram estratégias como flashmobs, campanhas nas redes sociais e a organização de redes sociais para influenciar a opinião pública. No entanto, o ELV não é transparente quanto ao seu financiamento e à sua atuação no processo legislativo, levantando dúvidas sobre sua verdadeira agenda.
O prazo de 2023 para a legislação de bem-estar animal na UE foi perdido, e a lei foi retirada do programa de trabalho da comissão para 2024. Isso representa um retrocesso significativo na busca por melhores condições para os animais na indústria de criação. A comissão agora afirma que está avaliando cuidadosamente a situação, incluindo os custos e a duração do período de transição, mas é fundamental que o apoio público seja levado em consideração para garantir que as propostas sejam bem-sucedidas.
Em última análise, essa batalha revela o conflito de interesses que impede a implementação de medidas de bem-estar animal necessárias na União Europeia. É um lembrete de que o poderoso lobby agrícola deve ser responsabilizado por suas ações, e que a voz da sociedade civil deve ser ouvida para garantir um sistema alimentar mais ético e sustentável.