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Com aparente engajamento político, conferência realizada em novembro em Glasgow, na Escócia, ainda deixa ações reais em aberto

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Por Meghie Rodrigues em Pesquisa Fapesp – Com um discurso poderoso – que já foi visto mais de 400 mil vezes no YouTube –, Mia Mottley, primeira-ministra de Barbados, deu o tom da abertura da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021, a COP26. Ao se dirigir a seus pares na Cúpula de Líderes no primeiro dia de evento, Mottley traduziu o que esteve em jogo na reunião internacional. “(…) Então eu pergunto a vocês, o que devemos dizer ao nosso povo, vivendo na linha de frente no Caribe, na África, na América Latina, no Pacífico? (…) Que desculpa deveríamos dar para o fracasso [em combater o aquecimento global]? (…) A falha em se providenciar o financiamento para perdas e danos é medida, meus amigos, em vidas, na subsistência de nossas comunidades. Isso é imoral. E é injusto”.

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Duas semanas depois, o acordo resultante da COP26 deixou a desejar no que diz respeito a poupar as vidas em risco em Barbados, nas Ilhas Fiji ou no Brasil, entre tantos outros países que enfrentam as consequências da crise do clima, pelos próximos anos. Especialistas, no entanto, sublinham que Glasgow foi palco de avanços importantes na arena da governança climática global. O evento reuniu milhares de participantes, entre delegações de 197 países, ativistas, representantes da sociedade civil e do setor privado.

“Ver 120 chefes de Estado reunidos foi bastante significativo, e isso tem a ver com a volta dos Estados Unidos para o tabuleiro da agenda do clima. Houve um engajamento muito forte do ponto de vista político”, observa o ecólogo Carlos Rittl, pesquisador sênior associado no Instituto para Estudos Avançados em Sustentabilidade (Iass) em Potsdam, na Alemanha, e especialista em políticas públicas da Rainforest Foundation da Noruega.

O encontro, de acordo com ele, foi importante porque fechou o livro de regras desenhado seis anos antes, na COP21, em Paris, França. “Havia alguns pontos pendentes sobre os mecanismos de cooperação internacional e de financiamento para mitigação de efeitos da mudança do clima e também sobre as formas como os países relatam progressos no cumprimento de suas metas de ação climática – as contribuições nacionalmente determinadas, ou NDC. Os prazos de implementação dessas metas foram harmonizados, de forma a estabelecer termos comuns para melhor avaliar seu progresso”, continua Rittl.

No entanto, para o pesquisador, “a qualidade das decisões deixa a desejar”. Segundo ele, o Pacto de Glasgow só propõe prazos comuns para as NDC a partir de 2030, ano a partir do qual as nações deverão reportar e reavaliar seu progresso anualmente e ressubmeter seus compromissos a cada cinco anos. “É uma ambição aquém do que a ciência recomenda, dada a urgência do tema. Deveríamos cortar metade das emissões de gases causadores de efeito estufa até o fim desta década para ter mais chances de manter o aquecimento global a 1,5 grau Celsius [°C] até o fim do século em relação à temperatura antes da primeira revolução industrial”, diz.

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Segundo o Emissions gap report 2021, lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) poucos dias antes da COP26, as perspectivas não são boas. Se cada país signatário do Acordo de Paris (e agora do Pacto de Glasgow) seguir sua NDC à risca, o mundo ainda estará na rota de um aumento de 2,7 °C da temperatura média global até o fim deste século.

“Queríamos muito mais avanços, mas há limitações no processo de uma negociação complexa como essa”, diz a ecóloga Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ela defende que muitas decisões importantes precisam acontecer fora do âmbito das Cúpulas do Clima da ONU. “Muito vai ter que ser feito nas negociações bilaterais, com o envolvimento de empresas, do setor financeiro e com a movimentação da sociedade civil. Outros atores em arranjos diversos precisarão suprir as lacunas que a COP não consegue cobrir.”

Uma das questões não resolvidas do acordo resultante da COP26 diz respeito, por exemplo, ao financiamento de ações de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Em 2009, países desenvolvidos prometeram durante a COP15 de Copenhagen, na Dinamarca, mobilizar US$ 100 bilhões por ano para ajudar o Sul global a desenvolver tais ações. O compromisso foi remodelado em Paris, durante a COP21, visando atingir US$ 100 bilhões de investimento entre 2020 e 2025. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre 2013 e 2019 o financiamento climático para países em desenvolvimento variou entre pouco mais de US$ 50 bilhões (US$ 52,4 bi em 2013) e quase US$ 80 bilhões (US$ 79,6 bi em 2019) anuais – já considerando investimentos públicos e privados. De acordo com uma projeção feita pela organização internacional Oxfam, até 2025 pode haver uma lacuna de entre US$ 68 bilhões e US$ 75 bilhões para esse financiamento climático.

O texto final do Pacto de Glasgow “nota com profundo pesar” que o objetivo de financiamento não tenha sido atingido, mas conclama países desenvolvidos a cumprirem sua promessa integralmente até 2025, e “enfatiza a importância da transparência na implementação de seus compromissos”. “Glasgow não fechou essa conta – saímos sem a garantia de que o mundo consiga destinar esses US$ 100 bilhões nem mesmo no ano que vem”, afirma Rittl.

Isso não significa que não haja financiamento. Há iniciativas como o Green Climate Fund e outros instrumentos de financiamento climático. “Mas passam muito longe de US$ 100 bilhões, o que é problemático porque boa parte dos países em desenvolvimento, especialmente os mais pobres, submeteu suas NDC condicionadas ao financiamento externo. Sem esse dinheiro, estamos atrasando a possibilidade de esses países cumprirem com seus compromissos ao longo desta década”, enfatiza.

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Rittl explica que os mecanismos que regulam o mercado de carbono também foram ajustados e definidos. “Iniciativas que geram redução de emissões certificadas podem ‘vender’ esse crédito para uma empresa ou outro país. Faltava definir como contabilizar essas emissões e as reduções para que o que esteja no papel seja o que acontece na atmosfera.”

“Mesmo com todas as limitações, a COP26 trouxe avanços em questões importantes como carvão, metano e florestas. Não podemos jogar tudo fora. A ciência urge que as ações se deem mais rapidamente, mas infelizmente há limitações do mundo real”, concede Bustamante.

É a primeira vez que combustíveis fósseis, os maiores causadores do aquecimento global, são citados nominalmente em um documento resultante de uma Cúpula do Clima. O documento pede que países se esforcem para cortar gradualmente (phase-out) o uso de carvão e subsídios para combustíveis fósseis – linguagem que foi abrandada a pedido de países como a Índia para “diminuir” (phase-down) esses usos.

Também foi na COP26 que o Compromisso Global do Metano, acordado em setembro entre União Europeia e Estados Unidos, ganhou estatura global. Mais de 100 países (incluindo o Brasil e excetuando Rússia, Índia e China) são signatários do documento, que prevê a redução das emissões de metano em 30% até 2030, em relação às emissões de 2020.

De acordo com um relatório do Pnuma e da Coalizão Clima e Ar Limpo, se o mundo conseguir reduzir as emissões de metano em 45% nesta década, será possível evitar um aquecimento de 0,3 ºC até a década de 2040. Isso porque o metano é um gás de efeito estufa mais deletério do que o dióxido de carbono. “É um gás que tem impactos climáticos bastante fortes e rápidos”, lembrou o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), no webinário Caminhos para o Brasil pós-COP26, realizado em novembro pela FAPESP. “O interessante é que as companhias presentes na COP disseram que o corte é factível do ponto de vista da pecuária brasileira, porque é possível – com a melhoria de pastos e da dieta de bois – reduzir as emissões de metano e, ao mesmo tempo, ganhar produtividade.”

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Durante a COP26, representantes de 141 países – incluindo o Brasil – assinaram a Declaração de Líderes sobre Florestas e Uso da Terra, com o principal objetivo de acabar com o desmatamento até 2030. Entre os compromissos assumidos está a conservação e restauração de florestas, a implementação de programas de agricultura sustentável e o reconhecimento dos direitos de povos indígenas e comunidades locais que subsistem da floresta.

Para o botânico Alexandre Antonelli, diretor científico do Jardim Botânico Real de Kew, em Londres, na Inglaterra, o trabalho começa agora. O grande risco desse tipo de encontro, diz o pesquisador, é as promessas serem boas sem que as ações correspondentes a elas estejam à altura. “Em 2014, em Nova York, diversos países assinaram um acordo parecido para acabar com o desmatamento, mas o problema aumentou em 40% de lá para cá, em termos globais     . É absolutamente crucial que as populações no mundo todo cobrem de seus líderes a responsabilidade pelo acordo”, afirma. “Nossos líderes falharam várias vezes e não podemos nos dar ao luxo de falhar mais uma vez.”

Representantes de 141 países, o Brasil entre eles, assinaram a Declaração de Líderes sobre Florestas e Uso da Terra, com o principal objetivo de acabar com o desmatamento até 2030Karwai Tang / UK government / Flickr

Brasil, terra de incongruências

Um dos países que contribuíram para esse fracasso em assumir a responsabilidade foi o Brasil. Com 13.235 km² desmatados na Amazônia Legal apenas em 2021, a região teve este ano a maior taxa de desmatamento em 15 anos, ou o maior índice desde 2006.

Pesquisadores consideram que ainda é uma incógnita se ou como o Brasil irá cumprir com os compromissos assumidos em Glasgow. “O grande problema são os detalhes de implementação, ou como exatamente as ações serão feitas”, alerta Antonelli. “Durante a COP26, jantei com um representante do Ministério do Meio Ambiente e perguntei acerca dos planos específicos, mas até então ele não sabia dar detalhes.”

“O Brasil assinou o compromisso de cortar emissões de metano, mas ainda precisa ver com o setor agropecuário como isso vai ser feito. Quais serão as medidas? Como será monitorado?”, questiona Bustamante. Ela ressalta que é preciso um nível muito maior de detalhamento para que as intenções se transformem em ações concretas. E o mundo está atento. “A diferença entre 2015 – quando o Brasil depositou suas contribuições nacionalmente determinadas para lidar com as mudanças climáticas, por ocasião da COP21 em Paris – e agora, seis anos depois, é que o olhar dos outros países para quantificar o que está sendo feito é muito mais rigoroso”, diz a pesquisadora.

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Com a decisão da União Europeia de vetar a importação de produtos agrícolas produzidos em áreas de desmatamento, o Brasil pode sentir no bolso o custo de permitir que a derrubada das florestas prossiga sem fiscalização nem punição – embora Rittl considere a proposta insuficiente por não incluir o Cerrado e carnes processadas. De qualquer forma, o país vai precisar de muito mais do que uma boa estratégia de marketing para convencer seus parceiros comerciais sobre seu compromisso com o meio ambiente. “Na COP26, o governo brasileiro levou uma instalação caríssima para convencer as pessoas de que nosso agro é sustentável, sem muita abertura para um debate honesto. Houve muitas críticas ao greenwashing brasileiro. Além disso, o país teve a maior delegação entre as nações presentes na conferência e o presidente não estava. Foi uma ausência notada”, conta Antonelli. Greenwashing (lavagem verde) é o termo usado para dizer que determinada organização faz propaganda de ações ligadas à defesa do meio ambiente que são mais retóricas do que eficazes.

Segundo o engenheiro florestal Virgílio Viana, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), o Brasil chegou muito desconfortável à COP26, mas se saiu melhor em Glasgow do que na última Cúpula, ocorrida em 2019 em Madri. “A tática diplomática usada pelo Ministério das Relações Exteriores foi positiva: se comprometeu a reduzir as emissões de metano e o desmatamento ilegal e assinou o acordo de florestas: foi uma posição mais conciliadora nas negociações.” Mas não é suficiente, ressalva. “A pergunta que se faz tem a ver com a coerência: o que vai ser feito a partir de hoje? Se o país quer cortar o desmatamento ilegal até 2028, precisa começar hoje.”

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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