Por Frances Seymour e Michael Wolosin em WRI Brasil | Mas um novo estudo do WRI demonstra que as florestas são ainda mais importantes para o clima do que se pensava – e os formuladores de políticas precisam estar cientes dessas evidências.
Um corpo crescente de pesquisa revela que as florestas interagem com a atmosfera de muitas outras formas além do ciclo de carbono, afetando chuvas e temperaturas em escalas locais e global. Na verdade, os efeitos das florestas não relacionados ao carbono não são essenciais apenas no combate às mudanças climáticas, mas também para a segurança hídrica e alimentar, para a saúde humana e para a capacidade do planeta de se adaptar ao aumento das temperaturas.
Reduzir as emissões de CO2 decorrentes da perda florestal e fortalecer as remoções de carbono por meio da restauração de florestas são passos essenciais para atingir as metas climáticas globais. Fazer isso poderia alcançar a marca de 6,5 gigatoneladas de CO2 por ano até 2030 – ou cerca de um terço da mitigação necessária para manter o aumento da temperatura do planeta abaixo ou próximo de 1,5°C, o limite que a ciência considera necessário para prevenirmos os piores impactos das mudanças climáticas.
Mas as florestas também geram outros efeitos, não relacionados ao carbono mas tão importantes quanto, e que com frequência são negligenciados local, regional e globalmente. E nem todas essas implicações caminham na mesma direção que os efeitos associados ao CO2.https://flo.uri.sh/story/1724739/embed?auto=1A Flourish data visualization
Alguns dos principais processos não associados ao carbono por meio dos quais as florestas afetam o clima incluem:
Juntos, o albedo, a evapotranspiração, a rugosidade da superfície e os aerossóis também afetam a formação de nuvens, o que por sua vez aumenta o albedo de efeito refrescante.
Sabemos que o desmatamento é uma das principais origens de emissões de carbono em escala global (junto aos combustíveis fósseis e às emissões industriais) e, consequentemente, também uma das principais causas do aquecimento global por meio do efeito estufa. Mas o desmatamento tem ainda mais impactos no clima se considerarmos também os efeitos não relacionados à emissão de carbono.
Esses efeitos variam em escala, de acordo com as condições climáticas locais e, talvez o mais importante, por latitude. A seguir, alguns dos impactos mais significativos do desmatamento não relacionados ao carbono:
Os efeitos da perda florestal na temperatura média global variam significativamente de acordo com a latitude.
As florestas tropicais geram um efeito de resfriamento global – não apenas pela remoção de carbono, mas pelas altas taxas de evapotranspiração e pela capacidade de estimular a formação de nuvens (e, com isso, aumentar o albedo). Quando consideramos também os efeitos não associados ao carbono, a contribuição estimada do desmatamento das florestas tropicais para o aquecimento global aumenta em 50%, em relação ao cenário em que são considerados apenas os efeitos associados ao carbono. Em resumo: manter as florestas tropicais em pé traz um “bônus” considerável em termos de resfriamento global que as políticas atuais ignoram.
As florestas boreais, por outro lado, geram um efeito de aquecimento. Isso acontece porque possuem uma canópia de tom mais escuro (baixo albedo) do que a neve logo abaixo, o que faz com que absorvam a energia solar em vez de refleti-la de volta para atmosfera. Nas florestas boreais, devido a seu crescimento mais lento, esse efeito de aquecimento do albedo é muito mais alto do que os efeitos combinados de remoção de carbono e evapotranspiração, resultando em um maior aquecimento geral com sua presença – ou em um resfriamento com sua perda. É claro, ninguém sugeriria a remoção das florestas boreais para contribuir com os objetivos climáticos globais, uma vez que essas florestas fornecem inúmeros outros benefícios – incluindo a regulação climática local.
Os efeitos do desmatamento nos padrões de precipitação se dão em escala regional e local e dependem de fatores como o tamanho da área desmatada e o padrão de ventos.
Amplas extensões de florestas tropicais – como as da Bacia Amazônica e do Congo – reciclam a umidade da atmosfera à medida que esta umidade percorre os continentes, cai na forma de chuva e é liberada novamente pelas árvores por meio da evapotranspiração.
O desmatamento em larga escala pode interromper esse ciclo, agravando as secas em áreas que ficam na direção do vento, mesmo que estejam a centenas de quilômetros de distância. Pesquisadores estimam, por exemplo, que as florestas no Brasil fornecem entre 13% e 32% da precipitação anual em países vizinhos como Bolívia, Paraguai, Uruguai e Argentina. O desmatamento no Brasil pode, portanto, ser um dos principais fatores associados à seca nesses países.
Os efeitos do desmatamento nas médias locais de temperatura e nas temperaturas extremas variam de acordo com o clima de cada lugar. Os efeitos mais acentuados em termos de aquecimento local devido à perda de florestas se dão em regiões áridas. Isso acontece porque as árvores nessas áreas retiram a água de camadas muito profundas do solo, de modo que, quando são substituídas por solo estéril ou culturas de raízes mais rasas, a área perde boa parte do efeito de resfriamento local causado pela evapotranspiração.
Os efeitos mais preocupantes da perda florestal em termos de temperaturas locais extremas se dão na região dos trópicos, onde as temperaturas já altas tornam qualquer aquecimento adicional especialmente problemático. Estudos mostram que a conversão de florestas tropicais em terras agrícolas pode aumentar as altas temperaturas durante o dia em mais de 7°C. Aumentos dessa magnitude já estão afetando a produtividade agrícola e deixando as pessoas mais expostas a morbidade e mortalidade devido ao estresse térmico. Por exemplo, estudos recentes documentaram a redução das safras de soja na região do Cerrado brasileiro e mortes associadas ao aumento de temperatura induzido pelo desmatamento em um distrito do Bornéu indonésio.
Políticas de mitigação e adaptação nacionais, regionais e locais ainda não levam em conta os efeitos climáticos florestais não relacionados ao carbono. Com isso, as políticas sistematicamente subestimam os serviços climáticos das florestas, não antecipam toda a gama de riscos associados ao desmatamento e resultam em uma alocação desigual de responsabilidades e recursos para a ação climática dentro e entre as nações. Por exemplo:
Projeto de restauração na Reserva Khun Wang, Tailândia. Florestas geram benefícios ao clima para além do carbono (foto: Napat Wongmawawat/Shutterstock)
A boa notícia é que são muitas as oportunidades para aproveitar toda a gama de serviços climáticos oferecidos pelas florestas dentro dos processos e instituições existentes. A seguir, alguns exemplos:
Existem diversas maneiras por meio das quais os efeitos climáticos das florestas não associados ao carbono podem ser incorporados em políticas nacionais e globais já existentes.
Embora o objetivo formal da Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) seja estabilizar a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, o Acordo de Paris abre margem para a inclusão dos benefícios florestais não associados ao carbono como meio de limitar o aquecimento a 1,5°C, incluindo o Balanço Global em andamento. Países de regiões tropicais podem fazer a escolha de incluir esses benefícios adicionais nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (ou NDCs, na sigla em inglês), os planos climáticos nacionais que submetem a UNFCCC.
Além disso, o Marco de Varsóvia para REDD+ oferece alguns pontos de entrada para o reconhecimento dos benefícios florestais não associados ao carbono. A abordagem passo a passo para qualificar os dados e métodos de contabilização, aliada ao estímulo para incentivar os benefícios florestais não relacionados ao carbono, deixa a porta aberta para que os países quantifiquem, relatem e sejam recompensados por esses benefícios por meio do financiamento para REDD+.
Por fim, o papel desempenhado pelos serviços florestais não associados ao carbono na redução de riscos e no aumento da resiliência às mudanças climáticas se enquadra perfeitamente na estrutura de adaptação da UNFCCC e pode ser incluído nos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs, na sigla em inglês) dos países.
Atualmente, não existem instituições responsáveis por decisões de uso da terra relacionadas às florestas e que influenciam o regime de chuvas em escala local e regional. Em outras palavras, partes interessadas em determinadas áreas não possuem mecanismos para influenciar decisões tomadas em outros locais, aos quais suas chuvas estão atreladas.
Mas instituições e mecanismos desse tipo já existem na gestão das águas superficiais. Um exemplo são as parcerias de bacias hidrográficas abrangendo diversos países, como a Iniciativa da Bacia do Nilo. Em alguns casos, essas instituições podem ampliar seus membros e mandatos para lidar com as chuvas regionais.
Além disso, formuladores de políticas também podem tirar algumas lições de mecanismos focados na poluição do ar, como a Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância, da Europa. Essa Convenção, criada para resolver o problema da chuva ácida, é um exemplo de como os tomadores de decisão podem usar o monitoramento, a coleta de dados e a modelagem de cenários para embasar as políticas, identificando causas, caminhos e limites críticos.
Instituições como o Banco Mundial e bancos de desenvolvimento regional podem oferecer mais apoio à cooperação regional e considerar os efeitos do desmatamento não associados ao carbono em suas decisões sobre a alocação de recursos para o financiamento climático e de desenvolvimento.
Autoridades locais e nacionais responsáveis pelas políticas agrícolas e de planejamento do uso da terra têm em mãos muitas opções para incorporar os benefícios florestais não relacionados ao carbono em programas já existentes.
Já estão em vigor diversas iniciativas focadas na gestão dos impactos climáticos do desmatamento causado pela agricultura, como programas e parcerias nacionais de REDD+ com o setor privado para eliminar o desmatamento das cadeias de valor. Um exemplo é o programa Produzir, Conservar e Incluir, do estado do Mato Grosso. Autoridades nacionais e locais têm o poder de lidar com os riscos mais imediatos e diretos de perda de florestas para a agricultura – ou seja, interrupção dos padrões de chuva e aumento da temperatura. Ameaças de escala local como essas são indiscutivelmente mais propensas a motivar a ação do que apelos a interesses globais.
Como já mencionado, os efeitos florestais não associados ao carbono também podem ser incorporados no planejamento para adaptação, tanto em escala local quanto nacional. Até o momento, a preocupação com os efeitos das mudanças climáticas na saúde humana se concentrou nas consequências do aumento das temperaturas médias globais, como a expansão de doenças vetoriais e o aumento do estresse térmico decorrente das ilhas de calor urbanas. Se as autoridades de saúde pública compreenderem a magnitude dos riscos da perda florestal para trabalhadores e comunidades rurais, bem como das temperaturas extremas resultantes, podem ajudar a reivindicar a proteção das florestas.
O relatório Not Just Carbon (em português, “Não é apenas carbono”) deixa claro que a ciência por trás das interações entre clima e florestas é complexa. São necessárias pesquisas mais aprofundadas para estimar de forma precisa os benefícios econômicos adicionais da proteção das florestas na estabilização do clima, para além da redução de emissões de carbono
Ainda assim, já está claro que os riscos para a estabilidade climática de perder os serviços florestais não relacionados ao carbono são uma justificativa mais do que suficiente para agir agora.
Também está claro que a falta de ação reforçará as desigualdades já existentes tanto dentro dos países quanto entre eles. As florestas tropicais de nações em desenvolvimento continuarão sendo subvalorizadas na política climática global, enquanto agricultores, trabalhadores e comunidades indígenas e locais continuarão sofrendo os piores impactos do estresse térmico e da seca resultantes do desmatamento.
As florestas são muito mais do que carbono. É hora de abrirmos os olhos para todo o seu valor climático – e perceber como beneficiam pessoas que vivem e trabalham nas áreas próximas, a centenas de quilômetros ou em qualquer parte do mundo. Caso contrário, não acabaremos com políticas feitas simplesmente para o carbono – acabaremos com políticas simplesmente injustas.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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