A guerra e a biodiversidade: impactos ignorados pelas políticas de conservação
A relação entre guerra e biodiversidade permanece subestimada, mesmo em um cenário onde conflitos armados globais estão em seu auge desde a Segunda Guerra Mundial. Apesar do avanço em políticas ambientais e esforços de conservação, os impactos do conflito armado na natureza continuam a ser um ponto cego nas discussões políticas. Na 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP16), realizada na Colômbia, busca-se finalmente enfrentar essa lacuna.
A COP16, ocorrendo em uma das nações mais biodiversas do mundo, carrega um peso simbólico. A Colômbia, que enfrentou cinco décadas de guerra entre o governo e as guerrilhas das FARC, traz à tona um diálogo fundamental: como proteger a biodiversidade em tempos de conflito? Organizações ambientais, povos indígenas e líderes mundiais reúnem-se para discutir formas de mitigar os danos causados pela exploração de recursos naturais e como as políticas de conservação podem ajudar a promover a paz.
Entre os casos alarmantes, destacam-se a Palestina e a Ucrânia, neste último, 3 milhões de hectares de áreas protegidas foram impactados por atividades militares desde a invasão russa em 2022. Um exemplo é o Parque Natural Nacional Sviati Hory, no leste do país, que perdeu 16% de suas áreas florestais devido a bombardeios e incêndios. A governança ambiental enfraquecida, resultado da guerra, tornou ainda mais difícil a proteção das áreas naturais.
Os conflitos armados afetam profundamente os hotspots de biodiversidade. Dados recentes mostram que 80% dos conflitos entre 1950 e 2000 ocorreram em regiões de alta biodiversidade, como a Amazônia e o Saara-Sahel. Nessas áreas, o aumento do acesso a armas pequenas facilita a caça ilegal de grandes mamíferos e o comércio de espécies selvagens, exacerbando a extinção de espécies. No Camboja, o conflito armado fomentou o comércio de partes do corpo de animais, como os pangolins-de-Sunda e o gaur, para a medicina tradicional e o mercado internacional.
Além da perda de biodiversidade, há impactos a longo prazo na governança ambiental. Em Angola, três décadas de guerra resultaram na degradação de áreas selvagens e no declínio de grandes mamíferos, como o elande e o antílope-roano. Após o cessar dos conflitos, a recuperação da fauna permaneceu estagnada devido à falta de políticas robustas e à sobreexploração de recursos naturais, como a madeira.
Projetos como o Kibira Peace Forest, no Burundi, mostram que soluções baseadas na natureza podem contribuir para a recuperação da biodiversidade e, ao mesmo tempo, fortalecer a coesão social em regiões devastadas pela guerra. Iniciativas como essa revelam que é possível reverter o desmatamento e promover o bem-estar das comunidades locais, desde que haja apoio técnico e financeiro adequado.
Por outro lado, a inclusão de questões ambientais em processos de justiça, como a Jurisdição Especial para a Paz da Colômbia, destaca a importância de reparar os danos ambientais causados pelos conflitos. O país reconheceu oficialmente o meio ambiente como uma “vítima silenciosa” de décadas de guerra e vem trabalhando para implementar medidas de compensação.
A presidência colombiana da Convenção sobre Diversidade Biológica oferece uma oportunidade única para integrar a conservação da biodiversidade em esforços de construção da paz. É urgente que os países afetados por conflitos armados incluam esses impactos em seus Planos Nacionais de Biodiversidade, como uma forma de restaurar ecossistemas e reconstruir a governança ambiental.
Apesar dos avanços, ainda há resistência para incorporar esses temas na agenda internacional. É necessário um esforço global coordenado para assegurar que a biodiversidade seja protegida não apenas em tempos de paz, mas também durante e após os conflitos. A COP16 marca um passo importante nesse sentido, ao reconhecer que os ecossistemas saudáveis são essenciais para a estabilidade social e ambiental de regiões vulneráveis.