Cobertura vegetal e fatores meteorológicos influenciam na dispersão de material particulado, reforçando a importância das árvores no planejamento urbanístico
Por Beatriz La Corte – Jornal da USP | Um número maior de veículos não é o único determinante para uma maior concentração de poluentes no ar nas cidades. É isso que evidencia um estudo publicado em parceria entre a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (Igot) da Universidade de Lisboa. Sem negar a influência dos veículos na poluição atmosférica, o artigo aponta outros elementos que também contribuem para este quadro: estabilidade atmosférica, velocidade e direção do vento, temperatura, altura da Camada Limite Atmosférica (CLA) e presença de árvores ou grandes barreiras físicas.
Para os autores, essa combinação de fatores deve ser considerada no planejamento urbano e na construção das cidades.
O estudo monitorou três cânions urbanos – avenidas com altos edifícios em seu entorno – em um período de cinco anos (2018-2022). Os espaços de estudo foram a Avenida da Liberdade e a Estrada de Benfica, em Lisboa, e a Marginal Tietê, em São Paulo. A equipe investigou a concentração de PM10 – material particulado de 10 micrômetros ou menos, pequenos o suficiente para serem inalados pela população.

Foram observadas variações sazonais e de turno na concentração dessas partículas. Na Marginal Tietê, por exemplo, a maior concentração de PM10 ocorre no período da madrugada. A pesquisadora e autora do artigo, Carolina Girotti, comenta que esse resultado demonstra a relevância de fatores além do tráfego de veículos. “É um resultado contraintuitivo por ser o período com menor tráfego de veículos. Isso evidencia que outros fatores também contribuem para a concentração de poluentes”.
Em relação às condições meteorológicas, o estudo aponta que em períodos de ventos fortes a concentração de PM10 é menor. Isso acontece devido à dispersão do poluente.
“O mesmo ocorre com cenários de instabilidade atmosférica: quando a Camada Limite Atmosférica está estável, as massas de ar não circulam e o PM10 é retido naquele ambiente; já quando a camada está instável, o poluente se dispersa com mais facilidade”, aponta Carolina.
Quando paralelos ao cânion urbano, os ventos ajudam na dispersão do PM10. Quando perpendiculares, o poluente continua retido naquele espaço. Para os pesquisadores, a construção de avenidas deve considerar a direção de deslocamento das massas de ar.
Metodologia
O estudo coletou informações meteorológicas e ambientais dos três cânions a cada hora por cinco anos. Para ajustar as diferentes variáveis à enorme quantidade de dados coletada, os pesquisadores utilizaram uma Análise Fatorial de Dados Mistos (FAMD) – um método que computa informações quantitativas e qualitativas e como elas se relacionam entre si.
Para computar o grau de instabilidade atmosférica, os pesquisadores utilizaram o Método Pasquill-Gifford Method (PGM), que apresenta uma gradação de A (extremo instável) até F (extremo estável). Adaptando para a programação, a estabilidade foi computada em uma escala de 1 até 6.

Árvores no ambiente urbano: desafios e oportunidades
De maneira geral, o estudo aponta que a concentração de PM10 é menor durante o verão, com uma variação sazonal significativa. A exceção foi o resultado observado na Avenida da Liberdade. Este cânion apresenta uma densa cobertura vegetal com árvores altas e latifoliadas (com folhas largas e grandes), que formam uma espécie de “túnel natural” ao redor da rua.
Carolina aponta que, neste caso, a cobertura vegetal funciona como uma barreira física para a dispersão do poluente, favorecendo a sua concentração. Quando as folhas dessas árvores caem, durante o inverno, a concentração de PM10 reduz.
O professor António Lopes, da Universidade de Lisboa, acompanhou a pesquisa e comentou a importância do estudo da geografia física no planejamento urbanístico. Para ele, uma das principais questões das cidades atuais é o estudo das árvores.
“As árvores são fundamentais para as cidades, especialmente no contexto das mudanças climáticas: elas reduzem a temperatura, preservam a biodiversidade e, estudos apontam, até mesmo têm um efeito positivo na saúde mental dos cidadãos”, comenta o professor.
Ele explica que, em contraponto, se a renaturalização das cidades não for feita de maneira estratégica, o custo para os aglomerados urbanos também pode ser alto. A barreira física para poluentes e a queda de árvores durante grandes tempestades são pontos que devem ser estudados. “O urbanista deve pensar: onde vamos colocá-las? Como? Quais tipos?”, comenta o pesquisador.
A parceria entre a arquiteta Carolina Girotti, em doutoramento na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e o professor António Lopes, da Universidade de Lisboa, foi mediada pela professora orientadora Alessandra Shimomura da USP.
O artigo Air pollution Dynamics: The role of meteorological factors in PM10 concentration patterns across urban areas está disponível on-line e pode ser lido aqui.
Para mais informações: cgirotti@usp.br, com Carolina Girotti.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.