Grandes quantidades de fármacos e drogas ilícitas são encontradas na Baía de Santos, graças ao uso excessivo e descarte inadequado por parte da população e à falta de tratamento de esgoto
Anti-inflamatórios, anti-hipertensivos, analgésicos e até mesmo cocaína estão entre as substâncias encontradas em grande quantidade nas águas da Baía de Santos, litoral de São Paulo. A constatação foi apresentada em estudo inédito coordenado pelo ecotoxicologista Camilo Seabra, do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista, com a colaboração dos docentes Daniel Araki Ribeiro e Augusto Cesar, do Departamento de Biociências e Ciências do Mar, respectivamente, além de Luciane Maranho, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Luciana Guimarães, da Universidade Santa Cecília (Unisanta) e do Centro de Espectrometria de Massas Aplicada (Cemsa).
O monitoramento da água para estudos toxicológicos é feito desde 2014 em cinco pontos próximos ao Emissário Submarino de Santos, instalado em 1978 com o objetivo de difundir, em alto mar, o material tratado pela estação de esgoto da região. Os estudos seguirão ao longo de 2018.
Dentre os 32 fármacos já encontrados na pesquisa, destacam-se o ibuprofeno, paracetamol, diclofenaco, losartan e valsartan. A cocaína e seu metabólito benzoilecgonina, que seria a substância transformada pelo fígado, assim como a cafeína presente nos medicamentos, foram identificadas em todas as amostras e em concentrações semelhantes às dos fármacos. “Essas substâncias estão presentes nas águas devido ao lançamento de esgoto sem tratamento e descarte inadequado, no caso dos fármacos. Em relação à cocaína, as concentrações demonstram altos níveis de consumo e manipulação nos municípios de Santos e parte de São Vicente, servidos pela rede de esgoto ligada ao emissário”, afirma Seabra. No monitoramento de 2017, a droga e seu metabólito foram detectadas em todas as estações do ano, com pico no final do verão, próximo ao carnaval.
Coletadas a aproximadamente 4,5 km da praia e a dez metros de profundidade, as amostras evidenciam que essas substâncias não são eliminadas no tratamento do esgoto doméstico. O pesquisador acredita que é preciso um tratamento mais avançado do que o atualmente empregado nas cidades brasileiras, especialmente em municípios costeiros que fazem uso de emissários submarinos e jogam ao mar esgotos sem sequer tratamento primário. Na avaliação de Seabra, a redução da introdução dos fármacos em ambientes aquáticos também depende da conscientização da população e conhecimento sobre os pontos de coletas específicos, como, por exemplo, redes farmacêuticas, ao invés do descarte em pias e vasos sanitários.
A automedicação e a medicamentação excessiva são apontadas pelo pesquisador como outro importante fator a ser discutido. Já em relação às drogas ilícitas, a única saída é a conscientização do usuário e tratamento dos dependentes. “A partir da contaminação ambiental, o usuário não está somente se intoxicando e comprometendo a sua saúde, mas está contaminando águas de abastecimento e contato primário, provocando um problema de saúde ambiental que atinge a todos”, comenta o docente.
O projeto identificou as consequências dessa poluição química, que tem seus efeitos adversos bem descritos para mamíferos, mas que são pouco conhecidos quando se trata dos seres-vivos marinhos. “Estudos recentes revelam a capacidade dessas substâncias de promoverem desregulação endócrina, danos em DNA e membranas. O mais alarmante é que esses efeitos têm sido observados em concentrações já detectadas em ambientes aquáticos, denotando risco ecológico. Além disso, essas substâncias já foram também detectadas em animais marinhos, que ao acumularem em seus organismos podem servir como via de contaminação e intoxicação de seres humanos, especialmente comunidades tradicionais que consomem grandes quantidades de pescado em sua dieta”, explica o pesquisador.
Primeiro estudo científico que trata sobre a presença de drogas no mar no Hemisfério Sul, a pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), elucida o potencial tóxico e de bioaculumação – capacidade de certas substâncias se fixarem nos organismos marinhos – utilizando como modelo o molusco Perna perna, que se alimenta filtrando a água e que, além da relevância ecológica, é cultivado e extraído para consumo humano.
Para Seabra, a oferta e o uso de um número cada vez maior de fármacos, além do aumento de usuários de drogas em adensamentos urbanos, levarão ao agravamento do quadro de poluição ambiental por essas substâncias e, consequentemente, tornará a questão um problema de saúde pública. ”Políticas públicas de saneamento básico, educação ambiental, educação em saúde e de combate ao uso e tráfico de drogas são necessárias, uma vez que a contaminação ambiental se relaciona intimamente ao nosso estilo de vida”, ressalta.