Novo estudo explica as motivações ambientais por trás de uma decisão cada vez mais comum: não gerar descendentes
A decisão de ter filhos – ou não ter – costuma envolver diversos fatores, como finanças, estabilidade, valores pessoais e base de apoio familiar. De alguns anos para cá, no entanto, outro elemento tem sido incluído na lista de considerações de um número cada vez maior de pessoas: as mudanças climáticas. É o que afirma Sabrina Helm, uma das pesquisadoras responsáveis pela condução do estudo No future, no kids – No kids, no future, publicado em março na revista científica Population and Environtment.
Helm, professora associada da Norton School of Family and Consumer Sciences, na Universidade do Arizona (EUA), é a autora principal do novo estudo, revisado por pares, que analisa como as mudanças climáticas estão afetando a maneira como as pessoas encaram a decisão de gerar descendentes.
A equipe começou a pesquisa analisando comentários on-line em resposta a artigos e notícias publicados na internet sobre a tendência crescente de abandonar o sonho da maternidade ou da paternidade em razão das mudanças climáticas. Em seguida, eles reuniram adultos de 18 e 35 anos, que disseram que as mudanças climáticas desempenham um papel importante em suas decisões reprodutivas. Eles entrevistaram 24 participantes sobre suas preocupações.
A partir das descobertas, os pesquisadores identificaram três temas principais que se destacavam tanto nos comentários on-line, quanto nas entrevistas ao vivo. Confira.
1) Consumo excessivo
Esta foi a preocupação mais comum expressa pelos entrevistados, segundo Helm. Quase todos os participantes disseram estar preocupados com a forma como as crianças contribuiriam para a intensificação das mudanças climáticas, com uma pegada de carbono maior e o uso excessivo de recursos que poderiam se tornar mais escassos no futuro, como alimentos e água.
2) Superpopulação
A superpopulação era a preocupação predominante entre os comentaristas on-line e frequentemente aparecia em entrevistas também. Alguns participantes relataram acreditar que ter mais de dois filhos seria problemático e até egoísta. Alguns afirmaram enxergar na adoção uma escolha mais responsável. Segundo Helm, a adoção foi vista como uma alternativa de baixo carbono.
3) Incerteza sobre o futuro
Entrevistados e comentaristas on-line também expressaram frequentemente um sentimento de condenação sobre o futuro se as mudanças climáticas continuarem sem controle. Muitos disseram que se sentiriam culpados, como se estivessem fazendo algo moral ou eticamente errado, caso optassem por trazer uma criança a um mundo com um futuro tão incerto.
Embora a perspectiva da “desgraça” prevalecesse, ela também era equilibrada com expressões de esperança, de acordo com a pesquisadora. Alguns entrevistados e comentaristas disseram que a própria ideia de haver novas crianças no mundo traz a esperança de um futuro melhor e mais brilhante. Outros expressaram a esperança de que as gerações futuras possam contribuir para a melhoria ambiental, aumentando a conscientização e a ação sobre as mudanças climáticas.
Compreender como as mudanças climáticas afeta a tomada de decisão reprodutiva é parte de um esforço maior de Helm e outros pesquisadores para entender como as emissões de gases do efeito estufa – e suas consequências para o planeta – estão afetando os indivíduos mental e emocionalmente.
Helm observou que a ansiedade provocada pelos impactos da ação humana sobre o meio ambiente – a chamada “eco-ansiedade” – tem aumentado significativamente nos últimos anos, sobretudo entre a população mais jovem.
A pesquisadora ainda aponta que muitos participantes do estudo expressaram raiva e frustração porque suas preocupações não são levadas a sério por familiares e amigos, que acreditam que os entrevistados provavelmente vão mudar de ideia sobre ter filhos quando forem mais velhos ou “encontrarem a pessoa certa”.
“Ainda é um tabu falar sobre isso em um mundo onde ainda há pessoas que negam as mudanças climáticas”, relata Helm. “Acho que o que está faltando é a oportunidade de falar sobre isso e ouvir a voz de outras pessoas. Talvez essa pesquisa ajude”, conclui ela.