Por Jefferson Ferreira-Ferreira e Bruno Calixto em WRI Brasil | A paisagem natural na Caatinga é singular no mundo. Único bioma 100% brasileiro, a Caatinga é dominada por árvores de folhas pequenas, com espinhos e tronco retorcidos, como o famoso mandacaru. Tem uma grande riqueza de espécies endêmicas, com cerca de 1,4 mil espécies nativas de animais vertebrados e quase 3,2 mil espécies de plantas, das quais um quinto só são encontradas nesse bioma. Essas espécies evoluíram para prosperar em um ambiente hostil, marcado por chuvas irregulares e secas prolongadas.
Também a paisagem social é singular. Na Caatinga se encontra a região semiárida mais densamente povoada do mundo. Ao longo de séculos, produtores e produtoras rurais buscaram conviver com a seca e produzir alimentos e criaram um grande arcabouço de um importante conhecimento tradicional e local. Ao mesmo tempo, a vida em regiões semiáridas não é fácil. Os municípios da região apresentam os mais baixos indicadores de desenvolvimento humano do país, e a população está exposta a um clima extremo que tende a piorar com os cenários das mudanças climáticas, figurando entre os seis ambientes mais vulneráveis do mundo à variabilidade climática.
Com todo esse contexto, cuidar da Caatinga deveria ser uma prioridade para a sociedade brasileira. Mas isso não acontece. A Caatinga tem sido historicamente pouco visível nas políticas públicas. Atualmente, ela conta com cerca de 80% de seus ecossistemas originais alterados e com apenas 11 áreas de proteção integral, o que é menos de 1% da região.
Como colocar a Caatinga no mapa das políticas públicas? Só teremos um real desenvolvimento sustentável no Brasil com a inclusão de todos. Na Caatinga, isso significa melhorar os meios de vida da população e fazer a conexão com a conservação e restauração de paisagens naturais.
O primeiro passo para mudar uma realidade é conhecê-la, e o Brasil é um país referência em sistemas e metodologias de monitoramento do uso do solo, com importantes experiências em biomas florestais como a Amazônia e a Mata Atlântica. Mas na Caatinga, ainda há muito a ser feito para entender as dinâmicas de desmatamento, uso do solo, agricultura e conservação.
Um levantamento do MapBiomas entre 2020 e 2021 mostra um cenário de aumento de desmatamento e degradação do bioma. Segundo esses dados, a Caatinga é o terceiro bioma onde mais se desmata no Brasil, atrás de Amazônia e Cerrado, com 7% da participação do total de alertas de desmatamento do país. Somente nesses dois anos foram quase 178 mil hectares desmatados, uma área maior do que o do município de São Paulo.
Uma parceria entre WRI Brasil, MapBiomas e Universidade Estadual de Feira de Santana prevê que esses números sejam objeto de uma análise mais profunda, identificando padrões de desmatamento, principais causas associadas a mudanças no uso do solo e o que isso significa para o bioma e sua população. Essa análise deverá ser publicada em revista científica no segundo semestre de 2023.
Além do monitoramento do desmatamento e de alterações no uso do solo, os satélites também podem nos ajudar a entender a paisagem da Caatinga como um mosaico de usos, e identificar as árvores para além dos fragmentos florestais. A iniciativa Land & Carbon Lab, do WRI, busca detectar as árvores fora de florestas densas. No Brasil, essa metodologia está sendo aplicada na Caatinga, mostrando benefícios que vão além das florestas, como segurança alimentar, geração de renda e melhoria dos serviços ecossistêmicos.
O monitoramento por satélite é importante, mas sozinho não nos ajuda a entender uma paisagem. A busca pelo desenvolvimento sustentável precisa incluir as pessoas.
Na Caatinga, comunidades, cooperativas e produtores e produtoras rurais já estão se organizando e trabalhando juntos para não só enfrentar a seca e se adaptar às mudanças climáticas, mas também para produzir alimentos e gerar emprego e renda no campo.
Em Pintadas, município do interior da Bahia, produtoras e produtores rurais organizados em torno da cooperativa Ser do Sertão, com apoio do WRI Brasil, Adapta Group e da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional do Estado da Bahia, implementaram 25 Unidades Demonstrativas de Sistemas Agroflorestais (SAFs). Esses sistemas combinam árvores e vegetação nativa à produção de alimentos, melhorando a qualidade do solo e retendo a água que cai na região.
O trabalho em Pintadas é resultado de grande mobilização social e liderança feminina. A cooperativa organizou as produtoras rurais para a coleta de frutos nativos e conseguiu viabilizar a construção de uma fábrica de polpa de frutas, que hoje acessa mercados institucionais para merenda escolar. Dessa forma, a conservação de árvores nativas, como o umbuzeiro, garante geração de renda e emprego para as agricultoras. Um dos episódios da websérie As Caras da Restauração, do WRI Brasil, contou essa história.
Para conseguir o objetivo de conservar e restaurar a vegetação da Caatinga, garantindo segurança alimentar para a população e adaptação ao clima extremo do semiárido, será necessário incluir todos os atores presentes no bioma – desde governos federal, estaduais e municipais, passando por empresas, ONGs, até os produtores rurais e comunidades tradicionais.
Colocar todos na mesa para trabalhar juntos pode parecer difícil, mas exemplos de outros biomas mostram que é possível. Na Mata Atlântica, por exemplo, o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica reúne mais de 300 organizações em prol da restauração no bioma, com a ambiciosa meta de restaurar 15 milhões de hectares. Exemplo similares existem no Cerrado, pela Rede Araticum, e na Amazônia, pela Aliança para Restauração da Amazônia.
A Caatinga pode aprender com esses coletivos e construir sua própria trajetória de desenvolvimento sustentável, considerando suas características e as necessidades da sua população. Uma estratégia que permita proteger, produzir, reduzir a degradação e restaurar a vegetação nativa será chave para recolocar o único bioma exclusivamente brasileiro no mapa das políticas públicas e no discurso público do Brasil.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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