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Número de casos de envenenamento cresceu 600% em 15 anos; o perigo dos escorpiões preocupam a população

Imagem: Wikimedia Commons

Dezenas de caixas de plástico empilhadas do piso ao teto em uma sala climatizada de uma ala nova do biotério do Instituto Butantan abrigam cerca de 5 mil exemplares vivos de Tityus serrulatus, o escorpião-amarelo, a espécie que mais causa envenenamento em pessoas no país. Técnicos e pesquisadores do laboratório de artrópodes transitam entre as caixas com cuidado, mas sem receio, para alimentar os animais com baratas e grilos, retirados diariamente de um estoque de milhares de insetos mantido nas salas ao lado.

Os escorpiões – tanto o amarelo quanto os de outras espécies – são mantidos ali com duas finalidades. A primeira é a produção do soro usado para neutralizar a ação do veneno – ou peçonha—, cada vez mais importante em vista do aumento de quase 600% no número de acidentes e mortes causados por esses animais nos últimos 15 anos.

Esse aumento é o resultado da expansão urbana sobre áreas antes ocupadas por matas, do acúmulo de lixo e entulho que atraem insetos que servem de alimento, e da capacidade desses animais de se adaptarem a ambientes variados, de florestas úmidas até desertos. De acordo com os registros do Ministério da Saúde, os escorpiões provocaram a maior parte dos acidentes com animais peçonhentos no país, com 74.598 casos registrados, e causaram mais mortes (119) que as serpentes (107), em 2015.

A segunda finalidade é a pesquisa dos efeitos – muitas vezes inesperados – do veneno de escorpiões no organismo humano. “O conhecimento sobre os componentes do veneno e seus efeitos ainda tem lacunas”, afirma a médica Fan Hui Wen, gestora de projetos do Butantan, que acompanha a produção de soro contra picadas de escorpiões. “Algumas espécies estão causando acidentes com manifestações clínicas diferentes das que até agora eram conhecidas.”

Em um estudo publicado em setembro na revista Toxicon, pesquisadores da Fundação de Medicina Tropical, de Manaus, apresentaram o provável primeiro registro de um caso de acidente classificado como grave, com espasmos musculares e alterações neurológicas, causado por Tityus silvestris, uma espécie comum na Amazônia, em geral associada a acidentes sem gravidade. Um homem de 39 anos, com problemas no fígado causados por hepatite B – estava à espera de um transplante –, foi picado no cotovelo e no ombro enquanto dormia em sua casa na periferia de Manaus. Três horas depois, chegou ao hospital da Fundação Medicina Tropical relatando apenas dor e parestesia (formigamento) na região da picada, no braço esquerdo.

Em duas horas, porém, o homem apresentou dificuldade para respirar, taquicardia, hipertensão e espasmos musculares. O quadro se agravou. Ele foi internado em uma unidade de terapia intensiva, recebeu soro e outros medicamentos e foi liberado apenas sete dias depois. “Esse caso indica que o quadro clínico pode se complicar independentemente da espécie que causa o envenenamento”, diz o farmacêutico bioquímico Wuelton Marcelo Monteiro, pesquisador da fundação e um dos responsáveis pelo estudo. “Ainda há poucos trabalhos sobre as consequências e a variação dos efeitos dessa espécie de ampla distribuição geográfica na Amazônia.”

Entre as cerca de 160 espécies de escorpião encontradas no Brasil, apenas 10 causam envenenamento em seres humanos. De modo geral, o veneno – formado por proteínas, enzimas, lipídeos, ácidos graxos e sais – age sobre o sistema nervoso, causando dor intensa e dormência muscular no local da picada. Com menor frequência se observam efeitos sistêmicos como vômitos, taquicardia, hipertensão arterial, sudorese intensa, agitação e sonolência. A dificuldade de respirar caracteriza os quadros mais graves, verificados principalmente em crianças. As picadas por Tityus obscurus, comum na região amazônica, podem causar também efeitos neurológicos, com espasmos, tremores e uma sensação de choque elétrico.

“Como o veneno escorpiônico pode ser rapidamente absorvido na corrente sanguínea”, diz o pediatra Fábio Bucaretchi, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), “as manifestações clínicas indicativas de envenenamento grave se iniciam em geral nas primeiras duas horas após a picada”.

Em um estudo amplo, publicado em 2014 na Toxicon, Bucaretchi e outros pesquisadores examinaram 1.327 casos de acidentes com escorpiões atendidos no Hospital de Clínicas da Unicamp de 1994 a 2011. Nesse levantamento, predominaram os acidentes apenas com reações locais (79,6%) e sistêmicas, com vômitos, sudorese e alterações no ritmo cardíaco (15,1%). A chamada picada seca – sem sinais de envenenamento – respondeu por 3,4% do total de casos analisados, enquanto os casos mais graves, com risco de morte, foram de 1,8%. “Todos os casos graves e o único caso letal ocorreram em crianças com idade menor que 15 anos”, diz Bucaretchi.

A maioria dos acidentes provocados por animais identificados foi atribuída ao escorpião-preto, Tityus bahiensis (27,7%), e ao amarelo (19,5%), normalmente o principal causador de acidentes e, neste estudo, responsável pelas ocorrências mais graves. O escorpião-amarelo inquieta também em razão de sua capacidade de adaptação ao ambiente urbano e ao tipo de reprodução. As fêmeas dessa espécie conseguem se reproduzir sozinhas, sem precisar de machos, por meio de um processo conhecido como partenogênese; cada ninhada pode resultar em até 30 filhotes.

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