Nova pesquisa brasileira mostra que os insetos terrestres estão diminuindo tanto em abundância quanto em diversidade; populações de insetos aquáticos permanecem estáveis
- Dada a falta de dados de longo prazo sobre insetos tropicais, os cientistas adotaram meios criativos para coletar dados, entre eles contatar 150 especialistas para obter dados ainda não publicados.
- Os cientistas acreditam que os principais fatores responsáveis pelo declínio dos insetos são a destruição de habitats, o uso de pesticidas e as mudanças climáticas.
- Especialistas dizem que os países tropicais precisam de mais recursos para descobrir com maior certeza o que está acontecendo com os insetos em seus territórios. Perdas de grande escala ameaçam muitos serviços ecológicos dos insetos, como a reciclagem de resíduos, a formação de solos férteis, a polinização de plantas e também como fonte de alimento para outras espécies.
Por Jeremy Hance, da Mongabay | Em 1978, quando se mudou para sua casa atual na área rural de Campinas, Thomas Lewinsohn, professor de Ecologia na Universidade de Campinas, encontrava sempre uma “variedade satisfatória de insetos” à noite. Hoje Campinas, que fica a 100 quilômetros de São Paulo, é uma aglomeração urbana e suburbana em expansão, com mais de 3 milhões de habitantes. E, conforme Lewinsohn relata em seu novo artigo, populações de insetos “caíram vertiginosamente” passados 40 anos de sua chegada. Espécies como mariposas-pluma e besouro- de-chifre-longo desapareceram.
A história de Lewinsohn não é única; ela reflete evidências anedóticas de entomologistas, ecologistas e amantes da natureza no mundo todo. Mas a história da grande morte de insetos, que estourou nas manchetes da mídia em 2018 com alertas apocalípticos e reações contrárias que os acusavam de exagero, também contou com a publicação de inúmeros estudos no mundo inteiro. Contudo, essa atenção sempre teve uma falha óbvia: a carência de notícias e de pesquisas nos trópicos.
Agora, Lewinsohn e seus colegas publicaram um artigo que lança luz sobre a situação dos insetos nos trópicos brasileiros: as descobertas não são nem surpreendentes nem animadoras, mas acrescentam dados essenciais às lacunas no mapa global dos insetos.
Descobertas sobre insetos terrestres e aquáticos
Lewinsohn e seus colegas examinaram 75 projetos que acompanharam insetos no Brasil. Ao todo, 17 estudos mostram queda na abundância de insetos terrestres, enquanto apenas três mostraram um aumento da população. Onze estudos encontraram redução na diversidade, enquanto um mostrou o aumento da mesma. Na média, esses estudos terrestres abrangem 22 anos de acompanhamento.
“No geral, estudos no mundo todo estão vendo um declínio de insetos, e o estudo que fizemos é mais uma prova dessa tendência”, diz a coautora Kayna Agostini, da Universidade Federal de São Carlos.
Os resultados para insetos aquáticos foram bem diferentes. Apenas dois estudos mostraram declínio de abundância, e dois apresentaram o contrário. Três estudos encontraram diminuição da diversidade, enquanto quatro mostraram aumento dela. A maior parte dos estudos avaliados, contudo, encontrou uma tendência estável para os insetos aquáticos em termos de abundância e diversidade.
O motivo da divergência entre insetos terrestres e aquáticos é incerto. O artigo sugere que as descobertas diferentes podem se dever à realização de menos estudos sobre insetos aquáticos, e que estes geralmente são feitos em períodos menores de tempo (11 anos, em média, contra 22 anos nos estudos terrestres). Também, em alguns casos, insetos aquáticos podem ter se recuperado depois que áreas poluídas foram limpas.
“Não nos convencemos com a observação de que a densidade e a riqueza de espécies de insetos aquáticos parecem estar se mantendo. É uma falsa ilusão”, escreveram Daniel Janzen e Winnie Hallwachs para a Mongabay depois de examinar o estudo, do qual não participaram. Janzen, ecólogo da Universidade da Pensilvânia, vem alertando sobre o declínio de insetos tropicais há décadas. Hallwachs é ecóloga tropical. Ambos fizeram pesquisas entomológicas por décadas na Área de Conservação Guanacaste, na Costa Rica, declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
“O que vimos desde os anos 1950 é um imenso declínio das fases de dispersão aquática (de insetos adultos que voam)”, escreveram Janzen e Hallwachs.
Ainda assim, as descobertas dos cientistas brasileiros sobre insetos aquáticos refletem as conclusões de outras pesquisas, sobretudo de um estudo de grande porte de 2020, publicado na revista Science, que revelou que as populações de insetos terrestres estão caindo quase 1% ao ano, mas estão aumentando nos corpos d’água, provavelmente devido a esforços no mundo todo para recuperar ecossistemas de água doce. Entretanto, esse estudo em particular se concentrou principalmente na Europa e América do Norte.
Perdendo espécies antes mesmo de conhecê-las
Dados publicados sobre as tendências da população de insetos no mundo e no Brasil continuam escassos. Por isso, Lewinsohn e sua equipe não pesquisaram apenas artigos publicados, mas também contataram mais de 150 pesquisadores em todo o Brasil para obter dados adicionais. Por fim, avaliaram as tendências sobre insetos em estudos publicados e não publicados, na literatura cinzenta (relatórios técnicos e teses) e em revistas tão pequenas que nem aparecem nas buscas de literatura científica.
“Chegamos a essa informação consultando um grande número de cientistas experientes. Cientistas que trabalham há muitas décadas com um determinado grupo de insetos, ou em certas localidades – [cientistas que] percebem mudanças e tendências, mesmo que não estejam colhendo amostras padronizadas”, explicou Lewinsohn.
Embora a equipe tenha lançado uma ampla rede de investigação, ainda há inúmeras limitações no estudo. A maior parte das pesquisas reunidas se concentra no bioma da Mata Atlântica, enquanto o Cerrado e a Amazônia estão representados em um número menor de estudos. Não foram encontrados estudos para dois grandes biomas brasileiros: a Caatinga e o Pantanal – prova, mais uma vez, da falta de pesquisas sobre insetos tropicais.
A outra limitação: a maior parte das pesquisas terrestres avaliadas observam grupos específicos de insetos, e não necessariamente os insetos como um todo, sendo que a maioria dos trabalhos se concentra em borboletas, abelhas e escaravelhos.
Lewinsohn diz que “ainda há pouquíssimos [estudos nos trópicos] para estabelecer qualquer tendência geral, ou falta de tendências.”
A maior parte das pesquisas que acompanham a queda da abundância e da diversidade de insetos foi realizada na Europa e na América do Norte, com os declínios mais surpreendentes registrados na Alemanha. Este fato aponta para uma falha problemática: os pesquisadores continuam focados principalmente em espécies de clima temperado, muito embora a maior parte dos insetos do mundo, até agora, seja encontrada nos trópicos. De fato, os artrópodes tropicais (insetos, aracnídeos, miriápodes e centopeias) são sem dúvida o grupo de seres vivos mais biodiverso em nosso planeta, e a maior parte das espécies de insetos tropicais ainda não foi descrita pela ciência.
A razão para esta falta de dados é clara: a maior parte dos países tropicais não têm recursos científicos e financiamentos para monitorar insetos no longo prazo a fim de avaliar sua diversidade e abundância.
Ainda assim, onde quer que cientistas tenham estudado, em geral documentaram declínios nas populações de insetos tropicais. Por exemplo, um estudo de 2018 encontrou graves reduções na abundância de insetos em Porto Rico (de seis vezes) e no México (de oito vezes). Outro estudo na Costa Rica encontrou uma queda de 40% nas lagartas comuns na Área de Conservação de Guanacaste, onde Janzen e Hallwachs trabalham.
Nem todas as pesquisas tropicais mostram queda: um artigo recente na revista Biology Letters revelou que a abundância da mariposa-tigre tinha na verdade aumentado nos últimos 12 anos na Ilha de Barro Colorado, no Panamá. Contudo, esse estudo foge da curva.
“Estamos perdendo muitas espécies mesmo antes de conhecê-las”, diz Filipe França, professor da Escola de Ciências Biológicas na Universidade de Bristol. França não esteve envolvido na pesquisa brasileira, mas estudou os besouros conhecidos popularmente como rola-bosta na Amazônia.
As principais causas do declínio de insetos
As razões pelas quais a abundância e as populações de espécies de insetos estão diminuindo no Brasil são provavelmente as mesmas que no resto do mundo: destruição de habitat, mudanças climáticas e pesticidas.
O Brasil tem uma das maiores taxas de desmatamento do mundo. A destruição da Floresta Amazônica aumentou durante o mandato do presidente Jair Bosonaro, que desmantelou regulações, sucateou órgãos ambientais e encorajou a expansão de uma rede de novas estradas que penetram na floresta.
Lewinsohn diz que a destruição do habitat “acelerou violentamente nas últimas décadas” em biomas fundamentais como o Pantanal, o Cerrado e, é claro, a Amazônia, que sozinha teve cerca de 20% da vegetação original destruída pela ação humana no Brasil.
O Brasil também é um dos maiores usuários de agrotóxicos do mundo. O país tem a reputação de usar pesticidas altamente perigosos, e em 2019 o governo Bolsonaro aprovou nada menos que 474 novos pesticidas – alguns dos quais são proibidos em outros países; em 2018, o Brasil usou mais de 60 mil toneladas métricas de agrotóxicos perigosos proibidos para uso na União Europeia – que, contudo, não proibiu sua fabricação e exportação.
“Muitas áreas de conservação são afetadas pela pulverização aérea em plantações adjacentes”, diz Lewisohn, acrescentando que isto provavelmente causa um declínio não documentado de insetos. Além disso, os agrotóxicos podem ser espalhados pelos próprios insetos. Agostini diz que insetos adultos podem carregar pesticidas de volta para os ninhos, acabando com a vida da próxima geração.
As mudanças climáticas também têm causado um grande impacto nas populações de insetos, de acordo com os entomologistas. Pesquisas significativas mostram que as temperaturas mais altas danificam o esperma de insetos. Além disso, um estudo de 2020 liderado por França revelou que a mudança climática intensificada pelo El Niño de 2015-16 resultou num ano de seca severa e incêndios que impactaram fortemente os besouros rola-bosta na Amazônia brasileira: 64% desses animais desapareceram depois de um incêndio e 20% depois de um período de seca. Tais perdas não impactam apenas os insetos – o declínio dos besouros rola-bosta na Amazônia, que são responsáveis por espalhar sementes de plantas, pode diminuir também a diversidade da flora na floresta.
Climas extremos causados pelo aquecimento global também têm o potencial de afetar necessidades básicas dos insetos.
“Se a estação chuvosa começa duas semanas mais cedo, será que o comportamento de buscar parceiros dos insetos também?”, questionam Janzen e Hallwachs. “Se a planta específica que alimenta determinada espécie lança novas folhas, mas o período de dormência [do inseto] só termina quando chegam as primeiras chuvas, duas semanas mais tarde, os filhos morrem de fome. Agora, multiplique isso por dezenas de milhares de espécies de insetos e suas redes de interação em qualquer hectare de floresta tropical.”
As mudanças climáticas e o desmatamento para plantio também podem criar vencedores e perdedores entre os insetos, diz Lewinsohn.
“Algumas taxa de insetos podem se beneficiar das mudanças ambientais – altas temperaturas podem estender as temporadas de crescimento e reprodução nas montanhas, e herbívoros que se alimentam de plantações têm oceanos de recursos [agrícolas] a seu dispor. Alguns sofrerão com estações secas catastróficas, enquanto outros [se sairão melhor] ao passar por menos ondas de tempo frio.”
Prognóstico para os insetos
Dadas as limitações do estudo brasileiro, e as muitas perguntas sem resposta sobre os insetos nos trópicos, Lewinsohn diz que é essencial destinar mais recursos para esta questão de conservação.
“Precisamos de apoio contínuo e confiável para pessoal, trabalho de campo, processamento de amostras e manutenção de coleções de referência”, diz ele, observando que é necessário financiamento em longo prazo.
França também enfatizou a necessidade de integração entre os estudos de insetos, de forma que as pesquisas de diferentes locais possam ser mais facilmente comparadas, observando que “projetos adotam abordagens distintas para coletar dados de insetos.”
Janzen e Hallwachs escrevem que Lewinsohn “com certeza é capaz de conduzir e guiar um estudo de grande porte” sobre insetos brasileiros “se alguém [oferecer] dezenas de milhares de dólares para ele.”
Enquanto isso, Lewinsohn pede uma melhor aplicação das leis vigentes para aumentar a proteção aos ecossistemas brasileiros.
“Infelizmente, o governo atual têm atuado para minar a fiscalização ambiental. Então, o primeiro passo é claramente cumprir a legislação existente e reconstruir os órgãos [ambientais] e as equipes responsáveis. Ao mesmo tempo, proprietários agrícolas e empresários precisam ser convencidos dos ganhos de curto e médio prazo que terão ao mudar práticas com o objetivo de reduzir e reverter impactos ambientais.”
Há muita coisa em jogo. O Brasil é um dos países mais biodiversos do mundo. E os insetos, em sua infinidade, sustentam todos os serviços ecológicos – de reciclar resíduos até construir o solo fértil, passando por polinizar plantas e servir como presas para inúmeras outras espécies. Como o famoso entomologista E. O. Wilson escreveu em 1987, são “as pequenas coisas que movem o mundo.”
Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.