Por que preservar a integridade das florestas é tão importante quanto evitar o desmatamento
Por Elizabeth Goldman, Tom Evans, Hedley Grantham e Rod Taylor em WRI Brasil — A integridade florestal diz respeito à saúde das florestas que ainda estão de pé, incluindo sua habilidade de armazenar carbono, proteger a biodiversidade e oferecer benefícios econômicos e sociais. Embora igualmente importante, é mais difícil mensurar a integridade das florestas do que o desmatamento.
O Índice de Integridade Florestal do Global Forest Watch, de forma pioneira, monitora a integridade de florestas em todo o mundo e mostra que menos da metade das florestas remanescentes ainda possuem alta integridade.
A seguir, explicamos o que é integridade florestal e avaliamos a saúde das florestas ainda existentes no mundo.
O que é integridade florestal?
Integridade florestal é o nível em que a estrutura, composição e funcionalidade de uma floresta permanecem livres de modificação pelos seres humanos. Trata-se de um espectro, com florestas de alta integridade em um extremo e florestas de baixa integridade, seriamente degradadas, no outro.
A mínima influência humana está associada a níveis mais altos de integridade florestal; à medida que mais e mais atividades humanas afetam uma floresta – como exploração madeireira, incêndios causados por seres humanos e agricultura –, a integridade decai. Uma floresta de alta integridade costuma oferecer mais benefícios ambientais do que uma floresta de baixa integridade.
Por exemplo, florestas de alta integridade em geral são mais efetivas em:
- desacelerar o ritmo das mudanças climáticas, sequestrando e armazenando carbono;
- regular os cursos d’água e estabilizar os solos;
- manter os padrões pluviométricos por meio da evapotranspiração;
- proporcionar habitat para animais que dependem de florestas;
- apoiar os meios de subsistência e as tradições culturais de povos indígenas;
- evitar futuras pandemias, ajudando a conter a disseminação de doenças zoonóticas.
Florestas de alta integridade também costumam ser mais resilientes a alguns efeitos das mudanças climáticas, como as condições mais quentes e secas que podem causar incêndios florestais.
Quais são as maiores ameaças à integridade florestal?
As florestas podem ser diretamente degradadas por uma ampla gama de atividades humanas, incluindo a exploração intensiva de madeireira, incêndios causados por seres humanos e caça excessiva.
Mas elas também podem sofrer degradação de formas menos visíveis, por meio da fragmentação e dos “efeitos de borda”, que se espalham a partir de atividades humanas em áreas adjacentes, como implementação de infraestruturas, agricultura e urbanização.
As bordas das florestas são mais expostas e acessíveis que seu interior, o que as torna mais suscetíveis a atividades humanas como extração de madeira para combustível, caça, pastagem de gado, queimas e a disseminação de espécies invasoras. Também são mais vulneráveis a condições como incidência solar direta, ventos fortes, ondas de calor e secas.
Como funciona o Índice de Integridade Florestal
O Índice de Integridade Florestal estima a perda de integridade de uma dada área de floresta combinando as reduções observadas na conectividade florestal com dados representativos referentes à intensidade das atividades humanas que degradam as florestas. Algumas dessas atividades são observadas de forma direta como parte da análise, em específico o desenvolvimento de infraestruturas, a agricultura e o desmatamento recente. Os efeitos de borda associados não podem ser prontamente observados, de forma que são estimados a partir de modelos baseados em estudos de campo.
Onde estão as florestas de alta integridade ainda existentes no mundo?
O Índice de Integridade Florestal avalia a integridade das florestas ao longo de um espectro e as categoriza como de integridade alta, média ou baixa. De acordo com os dados, apenas 40,5% das florestas ainda existentes no mundo possuem alta integridade. E mesmo dentro dessa categoria as florestas já passaram por pelo menos um grau leve de modificação humana.https://flo.uri.sh/visualisation/9898974/embed?auto=1
As florestas de alta integridade estão concentradas principalmente entre as florestas boreais do norte da Rússia, no Canadá e no Alasca, assim como nas regiões tropicais em partes da Amazônia, nas florestas úmidas da África Central e na ilha de Nova Guiné.
Algumas extensões florestais menores, mas ainda de suma importância, sobrevivem em outras regiões, incluindo Mesoamérica, Madagascar, África Ocidental, Sumatra, Bornéu e Sudeste Asiático. A gestão efetiva das áreas protegidas, ações dos povos indígenas e das comunidades locais, o terreno difícil e a localização em pontos remotos que impedem a atividade industrial são fatores que contribuem para a alta integridade florestal nessas regiões.
Onde a integridade florestal está em risco?
Praticamente nenhuma floresta do mundo está totalmente livre da influência humana. O índice mostra que 31% das florestas espalhadas pelo planeta sofrem pressões diretas, as quais podem ser facilmente observadas por conta de implementação de infraestruturas, agricultura ou perda recente de cobertura vegetal. Em paralelo, outros 60% sofrem algum grau de impacto humano decorrentes dos efeitos de borda e da fragmentação. E mais de 25% das florestas são classificadas como de baixa integridade.
Como resultado de um histórico de modificações humanas adversas, as florestas de baixa integridade são agora as que prevalecem em muitas regiões, incluindo a Europa central e ocidental, o sudeste dos Estados Unidos, o Sudeste Asiático continental, os Andes, a África Ocidental, boa parte da China e da Índia e a Mata Atlântica no Brasil. Nessas florestas de baixa integridade, podem predominar as árvores plantadas, incluindo monoculturas e agroflorestas.
Mas não é só a vasta extensão de florestas de baixa integridade que merece preocupação. Muitas áreas amplas com florestas de alta integridade também têm registrado altas taxas de perda de cobertura vegetal e degradação, em particular no Brasil e na República Democrática do Congo.
Apenas em 2020, esses dois países perderam, respectivamente 1,7 milhão e 0,5 milhão de hectares de florestas primárias – em 2021, o Brasil perdeu 1,5 milhão. Florestas de alta integridade não necessariamente contam com proteção legal; podem ser altamente ameaçadas por atividades humanas invasivas. No mundo, menos de metade das florestas tem alta integridade e, entre essas, apenas um quarto está localizada em áreas protegidas legalmente.
Os governos e outros atores relevantes precisam proteger e monitorar as florestas de alta e média integridade ainda existentes no mundo, além de proteger e restaurar as áreas de baixa integridade.
Por que a integridade das florestas recebe menos atenção que o desmatamento?
É mais fácil medir o desmatamento do que a integridade. Embora nossa capacidade de monitorar perdas e ganhos florestais tenha passado por avanços substanciais ao longo da última década, o monitoramento consistente da integridade das florestas tem sido mais evasivo até agora.
Em anos recentes, mapeamentos pioneiros de paisagens florestais e áreas selvagens intactas identificaram trechos de alta integridade, mas, por usarem uma classificação binária, não são capazes de informar a variação da integridade fora das áreas mais intactas.
Desafios técnicos e falta de dados são dois fatores historicamente associados à dificuldade de monitorar as diferentes nuances da integridade florestal. Isso acontece principalmente porque é difícil detectar atividades como a extração madeireira seletiva em imagens de satélite, além do dossel das florestas encobrir muitas outras atividades prejudiciais.
O Índice de Integridade Florestal é o primeiro a considerar essa nuance em escala global, ao estimar a integridade ao longo de um espectro. Podemos esperar ainda mais avanços no mapeamento e monitoramento à medida que os conjuntos de dados e capacidade de processamento continuarem melhorando.
O que podemos fazer para proteger as florestas de alta integridade e restaurar outras áreas florestais?
Embora os objetivos de políticas públicas focadas no desmatamento costumem ser precisos e ambiciosos, as metas relacionadas à degradação e à integridade florestal em geral são vagas – ou sequer existem. Os novos dados fornecem uma ferramenta transparente e confiável que líderes globais e outros tomadores de decisão podem usar para estabelecer objetivos quantitativos, elaborar planos baseados em evidências, fortalecer o monitoramento e reter e restaurar a integridade ecológica das florestas.
Por exemplo, os governos podem estabelecer e divulgar metas mensuráveis e com prazo determinado para manter ou melhorar a integridade florestal dentro de tratados como o Quadro Global de Biodiversidade Pós-2020, as Contribuições Nacionalmente Determinadas vinculadas ao Acordo de Paris, além de vários dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Estabelecer essas metas pode incentivar governos e outros atores a investir em melhores práticas de manejo florestal e restauração. Os governos podem fazer o reconhecimento formal das florestas de alta integridade, priorizá-las no planejamento espacial e colocá-las sob esquemas de gestão efetivos, como por meio da designação de áreas protegidas ou de controle indígena.
Os tomadores de decisão também podem identificar áreas de baixa e média integridade e selecioná-las para projetos de restauração e manejo sustentável.
Em paralelo, compromissos corporativos pelo desmatamento zero precisam avançar e incluir o monitoramento da integridade florestal nas cadeias de abastecimento das empresas. Compromissos pelo desmatamento zero não resolvem o problema da queda da integridade florestal se não alcançam o desmatamento por completo.
Manter as florestas de alta integridade saudáveis e funcionais em seu pleno potencial pode ser uma solução transformadora para as crises globais de saúde, clima, biodiversidade e desigualdade. Vamos perder muitos dos serviços essenciais prestados por esses ecossistemas se apenas áreas florestais degradadas e de baixa integridade permanecerem de pé. Manter ao alcance os compromissos globais como a recente Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas implica incorporar tanto o desmatamento quanto a integridade florestal no planejamento de políticas públicas.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.
Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.