Por Clarissa Tavares em WWF-Brasil – Oriundo da Terra Indígena Taunay-Ipegue, em Aquidauana, estado de Mato Grosso do Sul, Luiz Henrique Eloy Amado é do povo Terena e uma das vozes mais atuantes no movimento indígena atualmente. Como coordenador jurídico da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), esteve à frente de um feito histórico. Em agosto de 2020, Eloy Terena foi responsável pela primeira vitória de um advogado autodeclarado indígena numa ação no STF (Supremo Tribunal Federal), quando foi julgada a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional) 709, sobre a necessidade de a União proteger os povos indígenas durante a pandemia de Covid-19.
Em março deste ano, ele voltou ao plenário do STF para uma nova sustentação oral, por conta da ADPF 760, que destaca a falta de medidas para a conservação da Amazônia e de preservação dos direitos fundamentais das comunidades tradicionais, durante o julgamento do chamado “Pacote Verde”.
Eloy Terena, que também está à frente da assessoria jurídica da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), tem 34 anos, é formado em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco, tem doutorado em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, na França.
Presente no Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorre em Brasília de 4 a 14 de abril, ele é uma das potentes vozes que tentam barrar o que chama de “projetos de morte”. Ao lado de milhares de indígenas que estão mobilizados na capital federal, Eloy Terena ajuda a evidenciar a capacidade de luta e resistência dos povos originários.
WWF-Brasil: Em 2022, o ATL completa 18 anos. Qual é a relevância dessa grande mobilização indígena neste momento do país?
Eloy Terena: Após dois anos de realização virtual, em razão da pandemia de Covid-19, esta é a primeira edição do ATL novamente presencial em Brasília. Apesar de termos perdido muitos dos nossos, seguimos com as forças da ancestralidade, nos reerguendo para voltar às ações presenciais com o tema “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”.
Este é um ano eleitoral e, para começar nossa jornada de lutas, declaramos que será o último do governo genocida. Nosso “Abril Indígena” está sendo marcado por ações simbólicas, com o intuito de mostrar nossa capacidade na luta pela demarcação e aldeamento da política brasileira. As pautas que enfrentamos são urgentes, pois ameaçam nossas vidas e tradições. Neste sentido, a demarcação dos nossos territórios segue como bandeira principal para garantir a defesa pela vida e combater a agenda de destruições.
Há uma tentativa incessante de aplicação de projetos de morte contra nossos territórios e vidas. A agenda anti-indígena do governo segue constantemente em ação. Enfrentamos o Projeto de Lei (PL) 191/2020, uma das propostas centrais do atual governo federal que pretende abrir as terras indígenas para exploração em grande escala de mineração, hidrelétricas e grandes projetos de infraestrutura.
Também há o PL 490/2007, que insiste no fim das demarcações, na revisão de terras indígenas e, não obstante, busca legalizar crimes em nossos territórios, além de outros projetos na agenda de prioridade do Congresso Nacional, como o PL 6.299/2002 (agrotóxicos), o PL 2.633/2020 e o PL 510/2021 (grilagem) e o PL 3.729/2004 (licenciamento ambiental).
Alertamos também sobre o julgamento do marco temporal, que será retomado no Supremo Tribunal Federal ainda no primeiro semestre de 2022. Trata-se de um dos mais importantes julgamentos da História, o qual definirá o rumo das demarcações das terras indígenas.
WWF-Brasil: Quais impactos podem causar os PLs do Vale-Tudo em Terras Indígenas (PL 191/2020) e da Grilagem (PL 510/2021 e PL 2.633/2020), se aprovados pelo Congresso? Como o movimento indígena tem se mobilizado para impedir esses retrocessos?
Eloy Terena: Na medida em que visa permitir a mineração industrial e artesanal, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas terras indígenas, removendo o poder de veto dessas comunidades sobre as decisões que impactam suas terras, o PL 191/2020 (vale-tudo), caso aprovado, transformará em regra o que a Constituição de 1988 pensou como exceção – levando ao aumento do desmatamento, das invasões de terras indígenas e da violência contra esses povos.
Essa proposição desrespeita a legislação nacional e internacional, que assegura direitos fundamentais como o direito originário de ocupação tradicional das terras e territórios, o direito de posse e usufruto exclusivo e o direito à consulta e ao consentimento livre, prévio e informado sobre quaisquer medidas administrativas e legislativas que afetem povos indígenas.
Já os PLs 510/2021 e 2633/2020 (grilagem) buscam legitimar áreas de grilagem ampliando o tamanho de áreas passíveis de regularização, contemplando médios imóveis rurais na regularização fundiária, sem nenhuma argumentação técnica para tal expansão.
Ainda que o governo e a bancada ruralista argumentem que os projetos serão benéficos para pequenos produtores, tal alegação não se sustenta, uma vez que a legislação atual já protege os direitos destes agricultores familiares. Ambos os projetos de lei não trazem benefícios para combater a grilagem e o desmatamento, aumentam o risco de regularizar áreas em conflitos e incentivam a continuidade de invasão de terras públicas.
Organizações indígenas de todo o país vêm há tempos se mobilizando de maneira contrária a esses projetos, inclusive solicitamos apoio e manifestações de órgãos e entidades nacionais e internacionais. Recentemente, a Apib também elaborou uma Nota Técnica contra o PL 191/2020.
WWF-Brasil: Qual é a sua avaliação sobre o momento político atual para os povos indígenas e para a causa socioambiental?
Eloy Terena: Há um episódio recente que ilustra muito bem a conjuntura política atual em relação aos povos indígenas no Brasil. Em meados de março deste ano, o ministro da Justiça e Segurança Pública (Anderson Torres) concedeu uma medalha de “mérito indigenista” a si mesmo, ao presidente Jair Bolsonaro e a outros ministros do governo federal.
Tratou-se de um ato excessivamente cínico, produzido por um governo truculento e genocida. Qual seria o mérito do governo nesta pauta? Destruir o meio ambiente, utilizar agrotóxico como arma química, incentivar garimpo e destruição nas terras indígenas?
Desde sua época de campanha, Bolsonaro firmou compromisso em não demarcar nenhum centímetro de terra indígena, promessa a qual vem cumprindo com louvor.
Para além da omissão na defesa dos direitos indígenas e ambientais, ainda observamos a “boiada passando” e atropelando os direitos dos povos originários. É um governo genocida que deveria ser reconhecido por suas tragédias, ao invés de esbanjar medalhas em nosso nome.
WWF-Brasil: Quais ensinamentos precisamos aprender com os povos indígenas quando falamos em conservar os recursos naturais e frear a crise climática?
Eloy Terena: A Amazônia… as florestas em geral são a nossa morada. Ainda que não seja a morada de todos os brasileiros, sem a Amazônia não há vida na terra como conhecemos hoje, e isso impacta a todos os brasileiros, sem exceção.
Nós temos destacado com frequência, no cenário interno e na comunidade internacional, que os povos indígenas e seus territórios são agentes indispensáveis para a solução da crise climática. Nossa existência é parte da solução para a manutenção da vida. Exemplo disso é que tivemos o melhor índice de redução de desmatamento entre 2004 a 2012, chegando a 83%, e esse foi o período em que houve demarcação de 100 terras indígenas.
As terras indígenas e as unidades de conservação são bens da União que funcionam como barreiras territoriais contra o desmatamento. São essas áreas de segurança climática que, ao serem efetivamente protegidas, garantem de forma significativa que o Brasil cumpra as metas assumidas diante da comunidade internacional.
WWF-Brasil: Qual mensagem você gostaria de deixar para a sociedade?
Eloy Terena: O futuro já chegou. E por quanto tempo permaneceremos nele? Os povos indígenas alertam cotidianamente que não se come moeda. É preciso que a floresta amazônica esteja em pé, para que nós também estejamos junto com ela. Se ela queima, São Paulo arde junto à seca, e o dia pode até virar noite, como testemunhamos há pouco tempo.
Este texto foi originalmente publicado por WWF Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.
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