Por André Julião, da Agência FAPESP | Um consórcio internacional de pesquisadores, dos quais 11 são brasileiros, confirmou a hipótese há muito aventada de que, quanto mais próximos ao Equador, mais vorazes são os predadores marinhos.
O estudo, publicado na revista Science, é resultado de experimentos realizados em 36 pontos na costa das Américas, no Atlântico e no Pacífico, do Alasca à Patagônia.
“A intenção era testar empiricamente se as interações ecológicas, como competição e predação, são mesmo mais intensas nos trópicos, diminuindo à medida que se aproximam dos polos. O estudo mostra que sim, a ponto de diminuir a biomassa de algumas espécies”, explica Gustavo Muniz Dias, professor do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (CCNH-UFABC), em Santo André, um dos brasileiros participantes do estudo, financiado pela FAPESP.
“Uma comunidade de invertebrados exposta aos predadores, como vemos nos trópicos, é dominada por um conjunto de espécies em que se vê claramente formas delas se defenderem contra a predação. Normalmente, são organismos com estruturas calcárias, como os briozoários e cracas presentes em marinas e cascos de embarcações. Em águas mais frias, mesmo quando a comunidade está suscetível à predação, vemos mais invertebrados de corpo mole, como as ascídias solitárias”, conta Augusto Flores, professor do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (CEBIMar-USP), em São Sebastião, coautor do estudo também apoiado pela Fundação.
Segundo os pesquisadores, o trabalho sugere como deverão ser as interações nas regiões mais próximas dos polos à medida que a temperatura do planeta aumenta, tornando-se mais parecidas com os trópicos atuais. Uma vez que a região mais próxima ao Equador já é quente, no entanto, não se sabe as consequências das mudanças climáticas nessas áreas.
“Pode ser linear: aumenta-se a temperatura e tem-se uma intensidade maior de interações. Mas pode haver alguma inflexão que faça com que a predação leve as comunidades ao colapso. Por exemplo, pode ser que haja espécies no limiar de tolerância de temperatura e, com isso, essas regiões podem sofrer uma perda de diversidade. É difícil prever as consequências, porque não temos referencial. A região está no máximo de temperatura que conhecemos atualmente”, afirma Dias.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores realizaram três experimentos padronizados em 36 pontos costeiros das Américas, tanto no Oceano Pacífico quanto no Atlântico. O estudo abarcou uma latitude de 115 graus, do Alasca, nos Estados Unidos, até a Patagônia, num dos pontos mais austrais da América do Sul.
No primeiro experimento, os pesquisadores lançaram ao mar pequenos discos de lula seca e os recolhiam depois de uma hora. Como esperado, nos locais mais quentes, mais discos foram comidos, demonstrando uma predação mais intensa. Em temperaturas abaixo de 20 °C, a predação chegou a zero.
Nos outros dois experimentos, o objetivo era observar como a predação, principalmente por peixes, afeta as comunidades de invertebrados.
Durante 12 semanas, placas de plástico protegidas por gaiolas e outras sem gaiolas ficaram submersas para que os organismos crescessem aderidos a elas. Após o período, uma parte das gaiolas foi aberta por duas semanas, com livre acesso pelos predadores. As outras gaiolas continuaram fechadas.
As ascídias solitárias, invertebrados de corpo mole, foram as maiores vítimas nos trópicos nas placas desprotegidas. Enquanto as cracas, protegidas por suas estruturas calcárias, permaneceram prosperando mesmo sem a proteção da gaiola.
“Em um cenário de aquecimento das áreas temperadas, é possível que esse tipo de organismo prospere, enquanto outros mais desprotegidos, como os de corpo mole, sofram declínios ou mesmo desapareçam. A temperatura, portanto, é um fator preponderante para estimarmos a intensidade de predação e, consequentemente, quais espécies compõem essas comunidades”, completa Flores.
O estudo, liderado pelo Instituto de Pesquisa Tropical do Smithsonian, no Panamá, e pela Universidade Temple (Estados Unidos), teve entre as instituições brasileiras, além da USP e da UFABC, pesquisadores das universidades federais do Ceará (UFC), Rio Grande do Norte (UFRN), Rio de Janeiro (UFRJ), Paraná (UFPR) e do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, no Rio de Janeiro.
O artigo Predator control of marine communities increases with temperature across 115 degrees of latitude pode ser lido em: www.science.org/doi/10.1126/science.abc4916.
Este texto foi originalmente publicado pela Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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