Pesquisadores da China e dos Estados Unidos desenvolveram, pela primeira vez, embriões híbridos em laboratório feitos com células de macacos e humanos. Os estudos foram conduzidos na Universidade Kunming de Ciência e Tecnologia de Yunnan, na China, onde os cientistas foram capazes de cultivar esses embriões por até 20 dias – tempo considerado satisfatório. O experimento pioneiro é um primeiro passo, segundo seus autores, para desenvolvimentos como organelas (miniórgãos) para estudos sobre doenças que não podem ser feitos em humanos, ou mesmo para a geração de órgãos híbridos para pessoas que aguardam nas filas dos transplantes.
Seis dias depois de criados, cada embrião da espécie Macaca fascicularis recebeu a injeção de 25 células-tronco humanas, conhecidas como pluripotentes estendidas (com potencial de contribuir para a formação de tecidos embrionários e extraembrionários, como cordão umbilical e placenta). No sétimo dia, células humanas foram detectadas em 132 embriões. Após dez dias, 103 deles ainda estavam em desenvolvimento, quando a taxa de sobrevivência começou a declinar. Já no 19º dia, apenas três deles ainda estavam vivos. Mas o mais importante é que a porcentagem de células humanas nos embriões permaneceu alta ao longo do tempo em que continuaram a crescer.
“É a primeira vez que os cientistas conseguiram gerar quimeras entre primatas, incluindo humanos”, ressaltou ao Jornal da USP Ernesto Goulart, pesquisador do Centro de Estudos sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL) da USP – que não participou da pesquisa na Cell, mas atua na área. “Mas a técnica em si não é nova”, explicou. Estudos já mostraram que é possível fazer esse tipo de embriões entre roedores com muita eficiência.
“Como não podemos conduzir certos tipos de experimentos em humanos, é essencial que tenhamos melhores modelos para estudar e compreender com mais precisão a biologia e as doenças humanas”, disse em comunicado à imprensa o autor sênior Juan Carlos Izpisua Belmonte, professor do Laboratório de Expressão Gênica do Instituto Salk de Ciências Biológicas, na Califórnia, Estados Unidos. “Um objetivo importante da biologia experimental é o desenvolvimento de sistemas-modelo que permitam o estudo de doenças humanas em condições in vivo.”
Como explica Goulart, o embrião quimera é aquele que, na sua composição, tem células de pelo menos duas espécies diferentes. Por preceitos éticos, estudar embriões humanos não é permitido. “Muito do que se sabe sobre o desenvolvimento de um embrião é extraído a partir do estudo do desenvolvimento de outros mamíferos”.
Mayana Zatz, diretora do CEGH-CEL, afirma que a técnica vai permitir investigar o desenvolvimento de embriões no laboratório por muito mais tempo. “Seria possível gerar células-tronco pluripotentes de pessoas com diferentes doenças genéticas, gerar embriões quiméricos e investigar melhor o efeito de diferentes mutações nos embriões”, explica a geneticista. “Além disso, seria possível testar o efeito de diferentes drogas nesses embriões.”
A pesquisa tem o potencial de fornecer informações inéditas sobre a biologia do desenvolvimento e a evolução e tem implicações para o desenvolvimento de novos modelos de biologia e doenças humanas.
O modelo de estudo também pode ser usado com finalidades terapêuticas, de acordo com Goulart. “Podemos colocar células humanas dentro de um embrião de outro mamífero e ver como que aquelas células vão se comportar e até onde chegam durante o desenvolvimento: um coração ou um pâncreas, por exemplo.”
Outra potencial aplicação seria a geração de órgãos para transplante, segundo Mayana. “Nosso grupo já conseguiu formar um mini fígado humano a partir de um arcabouço de um fígado de rato, onde foram retiradas todas as células. Talvez essa tecnologia de quimera permita, no futuro, reconstruir órgãos com muito maior rapidez.”
A técnica utilizada por Izpsua é chamada de complementação blastocística. Trata-se de uma técnica em que o pesquisador trabalha com um embrião que possui agenesia (ausência completa ou parcial de um órgão ou tecido em seu estágio embriológico) e insere células de outra espécie para deixá-lo viável, por exemplo. No estudo, foram utilizadas células de macacos-cinomolgos e de humanos, mostrando que é possível construir quimeras entre primatas, assim como já foi feito anteriormente com roedores. “Posso ter um embrião de um camundongo que nunca gerará um rim e complementá-lo com células de rim de rato”, ilustra Goulart. O pesquisador ressalta que essa técnica não permite a execução em espécies evolutivamente distantes, como o porco e um primata.
Um experimento desse tipo, até pelo ineditismo, requer discussão ética. E por isso envolveu uma equipe externa de bioética que orientou seus passos. Izpisua destaca o potencial do trabalho para a futura geração de órgãos. “A cada ano dezenas de milhares de pacientes morrem na lista de espera por um órgão”, destaca.
Sobre o fato de esse modelo ser usado de forma clandestina, Goulart acha ser pouco provável. “Essa tecnologia precisa de altos investimentos e não é tão trivial para ser feita em um laboratório de garagem”, ressalta o pesquisador.
Mayana afirma que é normal haver pessoas contrárias a esse tipo de técnica. “Vão criar híbridos e macacos com seres humanos!”, diz, ao se referir à clonagem da ovelha Dolly. “Lembro-me que diziam que os cientistas iriam clonar seres humanos e que estavam brincando de Deus, mas nada disso aconteceu”.
A diretora do CEGH-CEL discorre também sobre os avanços conseguidos a partir da divulgação da pesquisa sobre a ovelha. “A clonagem mostrou pela primeira vez que a partir de uma célula diferenciada seria possível formar qualquer tecido no laboratório. Em seguida, surgiu as células IPS, células-tronco reprogramadas, que deram o prêmio Nobel a Shinya Yamanaka, e que estão permitindo progresso gigantescos no estilo de doenças genéticas e na medicina regenerativa”.
O artigo Chimeric contribution of human extended pluripotent stem cells to monkey embryos ex vivo foi publicado em 15 de abril na revista científica Cell.
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais