Dos 2GW ofertados, apenas 752,9 MW foram vendidos; contratos se concentraram no Norte do país
Por Instituto de Energia e Meio Ambiente | Como programado, o primeiro leilão de energia do “jabuti” inserido na privatização da Eletrobras (Lei 14.182/2022) aconteceu hoje (30/09). Foram ofertados 2 GW dos 8 GW previstos pela Medida Provisória (MP), mas apenas 752,9 MW foram vendidos: Azulão II (295 MW) e IV (295 MW), pela Eneva, e Manaus I (162,9 MW), pela GPE – Global Participações. Todas termelétricas localizadas no estado do Amazonas. Apesar do intenso lobby para as ofertas do Nordeste – Maranhão e Piauí – nenhuma usina foi negociada na área. Ao todo, foram 37 projetos cadastrados.
A projeção inicial era de contratação de 1GW no Amazonas, para início de abastecimento em dezembro de 2026, e 700MW no Piauí e 300 MW no Maranhão, para início em 2027. O resultado é parcialmente comemorado pela Coalizão Gás e Energia, grupo formado por organizações brasileiras da sociedade civil, porém o diretor técnico do Instituto Internacional Arayara e do OPG Observatório do Petróleo e Gás, Juliano Bueno de Araújo, reforça a necessidade da transição energética justa: “as três termelétricas ganhadoras do certame irão ampliar os impactos de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e promover a geração de uma energia cara e suja para os consumidores”. Segundo Araújo, caso fosse energia eólica e solar, teria custos até três vezes menores, com zero emissões.
As termelétricas a gás são grandes fontes de poluentes atmosféricos, utilizam grandes volumes de água em seu resfriamento e têm altos custos – custos ampliados por estarem sendo compradas em locais onde não existem gasodutos construídos para abastecê-las favorecendo, assim, empresas que pretendem construir tais estruturas. Como mostra o Mapa de Infraestrutura de Gasodutos de Transporte, Distribuição e Escoamento existentes, elaborado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a única tubulação existente na região Norte está no Amazonas. Já no Nordeste, existe uma maior estrutura no litoral, de Fortaleza à Bahia, mas ela não chega ao Piauí, nem ao Maranhão.
Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), afirma que “é importante lembrar que o leilão foi determinado pelo Congresso Federal e faltou alinhamento com o planejamento do setor elétrico. Por conta da baixa demanda de eletricidade, os demais leilões previstos para este semestre foram cancelados. O resultado deste leilão confirma a tendência de baixa: a contratação de um volume de energia de pouco mais de um terço do que se previa contratar”, comentou. Já Cássio Carvalho, assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), aponta que é preciso fazer um debate amplo no país sobre a expansão dos combustíveis fósseis, no qual o gás natural está inserido. “Além dos altos valores de subsídios destinados pelo poder público, a intenção de ampliar a oferta de eletricidade por meio de termelétricas a gás natural, é dar um passo atrás em uma política que vise uma transição energética com justiça social”, destaca.
O coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Anton Schwyter, declara que “o resultado desse leilão reflete o descasamento entre as decisões do Legislativo e o planejamento de um sistema complexo como o do setor elétrico brasileiro. A obrigatoriedade da instalação dessas usinas não seguiu racionalidade econômica e técnica. Essa forma equivocada leva a prejuízos em todos aspectos: técnicos, de custos e os ambientais.” completa.
A Coalizão Gás e Energia segue com a Ação Civil Pública (ACP) pedindo o cancelamento da contratação de 8 GW produzido por térmicas. “Há ainda o componente legal”, explica Araújo, “a Lei nº 14.182/22 possui inúmeras inconstitucionalidades, tanto formais como materiais, no tocante à obrigação de contratação das térmicas que foram adquiridas neste leilão. E isso é contestado pela nossa ACP”.
A Coalizão Gás e Energia é um grupo brasileiro de organizações da sociedade civil comprometido com a defesa de uma transição energética socialmente justa e ambientalmente sustentável no Brasil. Ela tem como objetivo excluir o uso do gás como fonte na matriz energética até 2050. Fazem parte as organizações: ClimaInfo, Instituto Internacional Arayara, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) e Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Este texto foi originalmente publicado por Instituto de Energia e Meio Ambiente de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.