Com participação da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, projeto tem como um dos seus objetivos estimular a restauração florestal numa área que inclui cinco municípios paulistas
Por Jornal da USP | Há um esforço global para ampliar a escala darestauração florestal no planeta, visando reduzir os efeitos das mudanças climáticas e contribuir com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da ONU. Nesse cenário, o projeto Corredor Caipira, realizado pelo Núcleo de Cultura e Extensão em Educação e Conservação Ambiental (Nace-Pteca) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e pela Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq), tem como um dos seus objetivos estimular a restauração florestal numa área que inclui os territórios dos municípios paulistas de Piracicaba, Anhembi, Santa Maria da Serra, São Pedro e Águas de São Pedro.
Uma característica comum a esses municípios é o déficit de florestas nativas e de outras formas de vegetação natural nas suas paisagens e, como consequência, vários desses municípios e outros da região apresentam problemas de escassez de recursos hídricos, inclusive para a finalidade mais básica, que é o abastecimento da população.
A partir do trabalho de reflorestamento realizado pelo Corredor Caipira, o engenheiro florestal e consultor do projeto Girlei Costa da Cunha, mestre em Ciências Florestais pela Esalq, elaborou um guia prático de restauração florestal destinado a quem tem uma propriedade rural e gostaria de reflorestá-la. O guia permite conferir os tipos de restauração existentes e descobrir qual é a mais indicada de acordo com as condições ambientais do local. As orientações também consideram a importância da biodiversidade em uma paisagem, além do valor de envolver as pessoas no processo de reflorestamento.
“A gente procura mostrar que a restauração florestal não se resume a plantar árvores. Esse plantio de árvores normalmente se faz pra dar um start, que é só o começo do processo de regeneração natural que se dará pela proximidade com outros fragmentos de floresta, pela ação de animais, do vento… Tendo essa área que os receba, eles trazem sementes de outros locais e esse material coloniza essas áreas que estão em processo de restauração. Então, o principal processo de restauração florestal é a própria natureza”, explica Cunha.
Embora a legislação brasileira preveja a existência de áreas dedicadas à conservação ambiental nos imóveis rurais de todo o país, tais como as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RL), essas áreas, em sua maioria, não apresentam a vegetação nativa que deveriam conter para realizar os serviços ecossistêmicos a que se destinam.
Processo da natureza
Na região de abrangência do Corredor Caipira, a flora apresenta uma grande diversidade de espécies, tanto da Mata Atlântica como do Cerrado mas também com várias formas de vida, incluindo árvores, arbustos, subarbustos, ervas e plantas epífitas, como as bromélias e orquídeas. Por isso, os pesquisadores explicam que quando se fala em restauração florestal não se está falando apenas de árvores, mas as espécies arbóreas representam apenas uma parcela da biodiversidade da flora regional.
Partindo dessa ideia, de que a vegetação de uma floresta não se restringe apenas às árvores, mas sim a um conjunto maior de formas de vida, o assunto restauração florestal começa a ficar mais complexo, pois trata de centenas (ou milhares) de espécies, de biomas diferentes e de exigências ambientais distintas. “A restauração só pode ser alcançada com a efetiva participação da natureza, quer seja através dos animais que realizam a polinização das flores e dispersão das sementes, como do vento que também é essencial para a dispersão de sementes de várias espécies da região, assim como a água e os peixes que também atuam como agentes de dispersão para algumas espécies”, orienta.
Mas se é tão complexo assim, é possível fazer restauração florestal? O consultor diz que sim, mas é preciso ter um olhar para a paisagem (conjunto de todos os principais usos da terra em uma região) e para os interesses das pessoas e comunidades que estão nessa paisagem. “Ela extrapola o plantio de árvores para ser uma atividade que visa (re)conectar as pessoas com o meio ambiente e com os seus modos de vida”, explica.
Guia prático de restauração florestal
Confira um passo a passo para tomada de decisão de qual tipo de restauração florestal é mais adequado em função das condições locais de onde se quer restaurar
Técnicas de restauração:
1. Isolamento e retirada dos fatores de degradação
2. Plantio total em sistema de cultivo mínimo
3. Plantio total em sistema tradicional
4. Condução da regeneração natural
5. Enriquecimento florístico e genético com mudas e/ou sementes (semeadura direta de enriquecimento) de espécies das “várias formas de vida” da formação natural característica desse ambiente, de preferência dos estágios finais de sucessão
6. Adensamento
7. Controle de competidoras
8. Restauração da faixa de proteção do entorno
As áreas de restauração consideradas isoladas na paisagem são as áreas que estão distanciadas a mais de 50m de remanescentes naturais do mesmo tipo de formação daquela que está sendo restaurada.
Considera-se uma baixa regeneração natural de indivíduos de espécies arbustivo-arbóreas quando há menos de 300 indivíduos/ha.
Considera-se isolamento os procedimentos necessários para o impedimento de qualquer fator de degradação oriundo da área do entorno como aceiros, impedimento de descargas de águas superficiais, cercas e outros usos indevidos do entorno.
Nos casos de pastos, o isolamento refere-se ao impedimento do acesso do gado às Áreas de Preservação Permanente (cercamento).
Plantio total está sendo considerado nessa tabela como o plantio de espécies nativas regionais com elevada diversidade, combinada em grupos ecológicos com cerca de 1.600 indivíduos/ha.
Considera-se como plantio total em Sistema de Cultivo Mínimo aquele realizado em linha, com baixo revolvimento do solo.
Considera-se plantio total em Sistema Tradicional o plantio com preparo prévio do solo de forma tradicional, através de roçagem, gradagem em área total. Faculta-se ao agricultor o plantio de espécies agrícolas nas entrelinhas do plantio de espécies nativas, por tempo determinado, como estratégia de controle de competidores e, portanto, de manutenção da área em restauração.
Recomenda-se como atividade complementar da condução da regeneração natural, além de coroamento, adubação dos indivíduos regenerantes, com execeção para os regenerantes de Formações Savânicas (Cerrado e Cerradão).
Consideram-se árvores isoladas os indivíduos de espécies arbóreas nativas das formações florestais remanescentes.
Ação de adensamento está sendo considerada como o plantio de espécies arbustivo-arbóreas de preenchimento (espécies de rápido crescimento e de boa cobertura de copa) nos vazios ou nas manchas não regeneradas naturalmente.
O enriquecimento de diversidade genética está sendo considerado como introdução de indivíduos de espécies já existentes no local, a partir de propágulos oriundos de outros fragmentos de mesmo tipo florestal correntes no local.
O Corredor Caipira recomenda que se consulte técnicos especialistas em restauração florestal (engenheiros florestais, biólogos ou agrônomos) para a elaboração do projeto que melhor atende as expectativas e necessidades da pessoa interessada.
Fonte: Adaptado de The Nature Conservancy (TNC) – Manual de restauração florestal de áreas de preservação permanente Alto Teles Pires-MT. Junho de 2015.
Restaurar também é envolver pessoas
O Corredor Caipira trabalha com a ideia de que para a restauração florestal ocorrer é preciso o envolvimento das pessoas. Isso porque é insuficiente retirar do sistema produtivo um lote de terra e destiná-lo à restauração, pois é um projeto de longo prazo. Para funcionar e prover serviços ecossistêmicos de maneira consistente para uma região, a restauração da paisagem precisa ser planejada, executada com as melhores técnicas, incluindo as espécies nativas adequadas para a região e para a situação do local onde se pretende realizar a restauração. Além disso, qualquer que seja o menu de técnicas a ser utilizado, é necessário acompanhar o desenvolvimento da vegetação, monitorando e prevendo intervenções de manejo, quando necessárias.
O objetivo do projeto não é transformar toda a paisagem em áreas de vegetação natural, ele considera que atividades econômicas desenvolvidas nas propriedades rurais têm uma importância econômica e social muito grande. “Nosso objetivo é integrar as áreas de conservação e de restauração ao conjunto das demais atividades que são realizadas na propriedade rural para que possam gerar benefícios para o proprietário rural e sociedade, através dos serviços ecossistêmicos e da manutenção da biodiversidade”, esclarece.
Sobre o projeto
O Corredor Caipira foi aprovado no Programa Petrobras Socioambiental e conta com o patrocínio da Petrobras, além de parcerias com comunidades locais, pesquisadores, educadores, empresas, instituições de pesquisas e órgãos ambientais da esfera pública.
O propósito é conectar fragmentos florestais de 18 municípios do interior de São Paulo, por meio da construção de corredores ecológicos. A expectativa é que o projeto consiga recuperar 45 hectares de vegetação nativa, plantando cerca de 90 mil mudas de árvores. Ao longo dessa ação, o Corredor Caipira busca incentivar o envolvimento da população local na preservação do meio ambiente. Assim, a iniciativa atua no oferecimento de cursos em educação ambiental para os moradores da região e na formulação de políticas públicas voltadas para a conservação da Mata Atlântica na região.
Para acompanhar as atividades do Corredor Caipira acesse o site https://corredorcaipira.com.br, o Instagram @corredorcaipira e o Facebook www.facebook.com/corredorcaipira
Texto adaptado da Assessoria de Comunicação do Corredor Caipira.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.