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Comissão Especial da Câmara dos Deputados pode votar esta semana um projeto de lei que pretende modificar o sistema de registro, controle e uso de agrotóxicos e insumos agrícolas similares no país

A Comissão Especial da Câmara dos Deputados pode votar esta semana um projeto de lei que pretende modificar o sistema de registro, controle e uso de agrotóxicos e insumos agrícolas similares no país. De acordo com a proposta em discussão (PL 6299/2002), formulada pelo atual ministro da Agricultura Blairo Maggi em 2002, a lei atual de agrotóxicos pode ser revogada para simplificar o processo de autorização da produção e comércio dos produtos no país.

Na última semana, o parecer apresentado pelo relator Luiz Nishimori (PR-PR) provocou intenso debate na Casa. Em seu relatório, o deputado propõe que a legislação não se baseie mais na noção de “perigo”, mas que se faça uma avaliação de risco à saúde humana a partir do exame do limiar tóxico ou da dosagem de substância tóxica contida no produto.

A partir desse tipo de avaliação, o registro dos agrotóxicos ficaria vedado para produtos que apresentarem risco considerado “inaceitável” para a saúde humana e o meio ambiente. Algumas entidades alertam que dessa forma a proposta reduz a possibilidade de proibição do uso dos agrotóxicos em função da periculosidade dos produtos.

O projeto ainda propõe a mudança do termo agrotóxico agrícola para produtos fitossanitários, definidos no texto como “agentes físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens ou na proteção de florestas plantadas, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos”.

Para os agrotóxicos não agrícolas, o texto também cria o termo “produtos de controle ambiental”, destinados à proteção de ecossistemas, como florestas nativas e ambientes hídricos contra pragas e doenças. Segundo o relator, o uso do termo agrotóxico é inadequado por se tratar de uma palavra depreciativa e que não é mais usado em outros países. O projeto também refuta o termo pesticida, pois significa “enfermidade endêmica que mata”.

Sob o argumento de simplificação e desburocratização dos procedimentos de registro dos defensivos agrícolas, o projeto especifica que só os princípios ativos dos produtos, e não o nome comercial dos insumos, seriam registrados. A proposta cria ainda o registro e autorização temporários para produtos que já sejam usados em, pelo menos, três países para culturas similares ao Brasil e adotem os princípios da legislação internacional de saúde, alimentação e meio ambiente.

O parecer do deputado Nishimori reduz os prazos de registro e restringe o controle do uso dos agrotóxicos ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), deixando Ibama e Anvisa de lado. A esses dois órgãos federais de meio ambiente caberiam o registro e a fiscalização dos produtos chamados de controle ambiental.

Ao Ministério da Saúde, o projeto prevê a responsabilidade de “apoiar tecnicamente” os outros órgãos competentes no processo de investigação de acidentes e enfermidades decorrentes de atividades com agrotóxicos, entre outras atribuições. A avaliação de risco à saúde humana apresentada pelos requerentes dos produtos também será submetida ao órgão federal de saúde.

Todo o processo de submissão à análise e registro é dispensado para produtos destinados exclusivamente para exportação, segundo o substitutivo. No caso do ingresso de agrotóxicos importados, o registro também poderá ser liberado em caráter temporário, caso haja a declaração de estado de emergência fitossanitária pelo poder executivo em função de risco de praga já existente ou não no país.

Críticas

O Brasil é considerado o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Segundo boletim anual do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 2016 o Brasil produziu mais de 510 milhões de toneladas de ingredientes ativos para agrotóxicos e importou mais de 420 milhões.

Por ser um dos produtos centrais para o modelo atual de produção agrícola no país, a mudança na legislação é defendida pelos produtores rurais. Os agricultores argumentam que a legislação de registro e uso de pesticidas está muito defasada no Brasil e que a modernização da lei atual, que é de 1989, pode aumentar a produtividade e competitividade econômica do país.

Em defesa do projeto, entidades do setor agrícola abriram uma campanha chamada “Lei do Alimento mais Seguro”. A mobilização visa convencer os parlamentares a aprovar as mudanças na legislação atual para os defensivos agrícolas e destacar que os produtos são importantes para combater as pragas na lavoura e garantir a qualidade dos alimentos para o consumo humano.

“Nós estamos há mais de dois anos nessa comissão, já fizemos audiências públicas em todo o Brasil, já foram ouvidos todos os segmentos da sociedade. Estamos com uma legislação arcaica, atrasada em 30 anos. A tecnologia se moderniza, avança e temos que estar de acordo com o que está surgindo de novo no mundo”, disse o deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária.

Parlamentares da frente ambientalista contestam o argumento do crescimento econômico e declaram que o projeto não pode flexibilizar a legislação para privilegiar os interesses do setor econômico em detrimento da vida humana.

“Nós somos contra a aprovação deste projeto, porque ele vai aumentar os casos de câncer, de má formação fetal, inclusive podendo gerar mutações genéticas, desenvolvendo novas síndromes e novas doenças no Brasil pela liberação, pela facilitação do uso de agrotóxicos. Trata-se, por isso, de um projeto que foi denominado pela sociedade civil brasileira de pacote do veneno. O Brasil, que já é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo, quer facilitar ainda mais a utilização desses produtos que tão mal fazem à saúde humana”, disse o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).

Órgãos ambientais, de saúde e até do Judiciário se manifestaram ao longo da semana contra o projeto por considerarem que diminui as garantias de proteção à saúde, já que fere o princípio da precaução. Em nota, o Ibama avaliou que as mudanças propostas na Câmara são “inviáveis ou desprovidas de adequada fundamentação técnica e, até mesmo, contrariam determinação constitucional”.

Sobre a proposta de mudança do termo agrotóxico para produto fitossanitário, o Ibama, que hoje é responsável por avaliar o nível de periculosidade dos agrotóxicos para o meio ambiente, argumenta que os agricultores deveriam reconhecer os produtos mais como tóxicos e perigosos do que como meros insumos agrícolas para que tenham mais cuidado na utilização. “A toxicidade é uma característica inerente à grande maioria dos produtos destinados ao controle de pragas e doenças, por ação biocida. Assim, o termo agrotóxicos contribui para essa caracterização”, diz a nota.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que já produziu diversos estudos sobre os efeitos nocivos dos agrotóxicos, também emitiu nota pública criticando o projeto de lei. Para a Fiocruz, a proposta “significa um retrocesso que põe em risco a população, em especial grupos populacionais vulnerabilizados como mulheres grávidas, crianças e os trabalhadores envolvidos em atividades produtivas que dependem da produção ou uso desses biocidas”.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se manifestou principalmente contra o ponto do projeto que centraliza o controle dos agrotóxicos no Ministério da Agricultura. Para a agência, que é o órgão responsável por avaliar os níveis de agrotóxicos nos alimentos que chegam ao consumidor e reavaliar as condições de toxicidade de produtos que já tem registro, o projeto, da forma como está, falha na disponibilidade de alimentos mais seguros ou novas tecnologias para o agricultor, além de enfraquecer o sistema regulatório dos agrotóxicos nos país.

“O substitutivo apresentado desvaloriza todo o trabalho de monitoramento realizado pela Anvisa e pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), que coleta alimentos nas redes atacadistas e varejistas, locais cujo escopo de atuação da agricultura não alcança, para verificar os níveis de agrotóxicos presentes nos alimentos consumidos pela população”, diz a Agência em nota.

Se a proposta for aprovada, a segurança alimentar dos brasileiros estará seriamente comprometida, avalia Pedro Luiz Côrtes, professor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (PROCAM) da USP.

Para Côrtes, a movimentação é prova dos esforços da bancada ruralista na tentativa de abrandamento de leis ambientais, visando à facilitação do uso de agrotóxicos e redução da fiscalização pelos órgãos responsáveis. O projeto propõe que a “palavra final” em relação ao uso dos agroquímicos caiba ao MAPA, restringindo o poder de veto do Ibama e da Anvisa, que passariam a ser apenas órgãos consultivos. O professor lembra, porém, que o papel dessas instituições é fundamental para a garantia de segurança dos produtos, e que o MAPA não tem expertise para avaliações desse tipo.

Integrantes da bancada ambientalista querem que seja realizada uma audiência pública para ouvir representantes dos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e da Saúde antes da apreciação final do projeto. Eles também anunciaram que farão dura obstrução ao andamento do projeto na Câmara. A votação do projeto está prevista para a próxima quarta-feira (16).



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