Projeto de porto em manguezal no Maranhão preocupa pescadores quilombolas

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Por Aimee Gabay – Mongabay | Moradores e grupos da sociedade civil do Maranhão estão preocupados com os planos de construção de um grande porto e uma ferrovia no nordeste do Estado, devido ao potencial de impacto sobre o meio ambiente e as terras usadas por comunidades marginalizadas.

Alguns moradores temem que a construção do projeto Grão-Pará Maranhão (GPM), que inclui o Terminal Portuário de Alcântara, de 1.180 hectares, no município de Alcântara, e a ferrovia Maranhão Railway (EF-317), com 520 quilômetros de extensão, destrua casas, terras agrícolas e áreas de pesca das comunidades locais. Embora alguns aprovem o projeto, outros apontam irregularidades no processo de licenciamento ambiental e de consulta às comunidades.

A empresa por trás do projeto GPM, a Grão-Pará Multimodal, o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Maranhão (Sema) não responderam aos pedidos de entrevista até o momento da publicação desta reportagem.

O porto será construído sobre uma vasta extensão de manguezais localizada na costa nordeste da Amazônia, as Reentrâncias Maranhenses – área protegida que faz parte do tratado de Ramsar para proteção de áreas úmidas. O local abriga 50% da população de aves costeiras do país, incluindo o maçarico-de-bico-virado (Limosa haemastica) e o maçarico-galego (Numenius phaeopus), além de áreas de floresta tropical e de matas de babaçu (Attalea speciosa).

“A obra pode acabar matando toda a biodiversidade dos mangues e das áreas alagadas”, alerta Gilberto Lima, secretário geral do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP). “Ela pode até matar os peixes que sustentam a pesca artesanal. Além disso, há o tráfego de navios e outras embarcações.”

A parte portuária do projeto ocupará quase 90% do quilombo Vila Nova da Ilha do Cajual, localizado no território quilombola de Alcântara, área que abriga múltiplas comunidades e descendentes de africanos escravizados que fugiram no século 19. A comunidade de Vila Nova é composta por 51 famílias que vivem da pesca e da agricultura de pequena escala.

Embora a comunidade da ilha tenha aprovado o projeto, promotores públicos descobriram que ela não foi totalmente informada sobre os impactos antes de dar seu consentimento. Isso torna o contrato “legalmente frágil”, uma vez que os moradores podem voltar atrás e contestar o projeto caso ocorram impactos que não foram informados.

Imagem: Reprodução Mongabay

O ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, afirmou em um release à imprensa que o projeto ajudará a reduzir as desigualdades econômicas regionais, permitindo o transporte de grãos da região Centro-Oeste do país para o Norte e o Nordeste. Ele acrescentou que o projeto é uma oportunidade de criação de empregos e está “bem estruturado em termos de infraestrutura social e ambiental sustentável e dos compromissos com energias renováveis”. O governador do Maranhão, Carlos Brandão, afirmou que “este talvez seja um dos projetos mais importantes do Brasil”.

A ferrovia e o porto devem ajudar a transportar o minério de ferro extraído da mina de Carajás, no Pará, além de soja, combustíveis, frutas e outras commodities para a China e países europeus.

Contudo, os moradores do continente estão preocupados. Especialmente porque, ao contrário do que ocorreu com os moradores da Ilha do Cajual, a empresa não consultou essas outras comunidades afetadas nem buscou um acordo, como é exigido por lei. E elas também dependem dos manguezais para sobreviver. A Articulação Anti-GPM, uma coalizão de grupos afetados pelo projeto e organizações da sociedade civil, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional do Maranhão e o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), teme que a ferrovia e o porto causem poluição do ar, contaminação e problemas de saúde à população.

Alguns moradores do quilombo de Alcântara disseram que a empresa nunca contatou a comunidade para consultá-la.

“Ninguém veio nos procurar para falar sobre licenciamento, obras, nada”, afirma Arnaldo dos Santos Costa, quilombola da comunidade Cujupe de Alcântara e diretor de políticas sociais, idosos e anciãos na União dos Trabalhadores Rurais, em mensagem de voz por WhasApp. “Sabemos disso pela boca dos outros, pela internet, televisão, rádio.”

Pescador da comunidade de Iguaíba, no Quilombo de Alcântara | Foto: Ana Mendes/Imagens Humanas/Reprodução Mongabay

Enquanto isso, a Articulação Anti-GPM publicou um documento informando que a empresa realizou um processo de licenciamento ambiental irregular e não obteve o consentimento livre, prévio e informado (CLPI) das comunidades.

“É um projeto de morte que afetará o modo de vida de muitas comunidades. Causará ruptura e destruição de aspectos culturais e sociais”, diz Lima.

A empresa ferroviária estatal da Alemanha, a Deutsche Bahn (DB), disse à Mongabay que o Memorando de Entendimento (MoU, na sigla em inglês) não vinculativo sobre as possibilidades de cooperação com o projeto de infraestrutura GPM venceu no ano passado, e que a DB atualmente não está envolvida no projeto.

“Atualmente não temos qualquer envolvimento com o projeto e tampouco temos intenção de nos envolver. Portanto, não nos cabe comentar as alegações contra a desenvolvedora do projeto”, disse um porta-voz da DB.

Comunidades dependem do mangue

Em 2017, a GPM contatou a associação da Comunidade Negra Rural Quilombola de Vila Nova para assinar um acordo. Em troca da transferência de 1.400 hectares de terras quilombolas na Ilha do Cajual para a construção do porto, a empresa prometeu aos moradores 51 casas novas, uma escola fundamental e um centro de saúde, além de 6% dos lucros do projeto.

O contrato visto pela Mongabay tem validade indeterminada e foi assinado pela associação em nome da comunidade da Ilha do Cajual.

O município de Alcântara abriga o maior número de quilombolas do país. Cerca de 152 comunidades estão distribuídas entre o território quilombola de Alcântara, o quilombo Santa Tereza (Itamatutiua) e o quilombo da Ilha do Cajual, onde a associação quilombola assinou o acordo.

Contudo, em 2018, quando seis analistas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) visitaram Cajual para realizar uma inspeção técnica, “descobriu-se que, em geral, os moradores tinham poucas informações sobre a localização exata e os impactos [que o projeto causaria]”. Anda assim, segundo o relatório do Ibama, a comunidade “concordou de forma unânime” com a implementação do projeto “desde que suas casas permanecessem próximas das de seus parentes e que suas condições de vida melhorassem”.

Igarapé Cujupe, com a Ilha do Cajual ao fundo, à direita | Foto: Klaus Schenck/Rettet den Regenwald e.V./Rainforest Rescue/Reprodução Mongabay

Moradores das outras comunidades quilombolas de Alcântara localizadas no continente disseram à Mongabay que o projeto também vai afetar seu modo de vida baseado na pesca artesanal. E, no entanto, a empresa nunca os procurou. “O projeto está levando em conta apenas uma associação”, diz Lima.

Dorinete Serejo Moraia, coordenadora-geral do Movimento das Pessoas Afetadas pela Base Espacial de Alcântara (Mabe) da comunidade de Canelatiua, em Alcântara, disse à Mongabay que “a empresa nunca contatou ninguém da comunidade”, apesar dos potenciais danos que causará ao meio-ambiente e a seus modos de vida.

A preservação da área de proteção das Reentrâncias Maranhenses é fundamental para as comunidades locais que dependem da pesca e dos recursos aquáticos do território para sobreviver. Os manguezais se conectam com outros quatro importantes sítios internacionais, entre eles o Parque Nacional do Cabo Orange e a Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense.

“O setor da pesca e as áreas agrícolas serão afetados, sem mencionar os aspectos culturais”, alerta Dorinete. “Há muitos impactos, e as comunidades precisam estar cientes disso. Muitas delas nem sabem o que está acontecendo.”

Danilo Serejo, quilombola da comunidade Canelatiua, cientista político e integrante do Mabe, afirmou por e-mail à Mongabay que até mesmo o acordo assinado entre a associação da ilha e a empresa é “legalmente frágil”. Isto porque a comunidade não foi completamente informada antes de aceitá-lo, o que “viola toda a legislação nacional e internacional que protege os direitos e garantias dos quilombolas”.

De acordo com a lei brasileira, as terras quilombolas são inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis e, portanto, não podem ser transferidas, diz Serejo. Além disso, para que um acordo como esse tivesse qualquer legitimidade, deveria ser precedido do CLPI.

“Até onde sabemos, não houve autorização coletiva da comunidade [da Ilha do Cajual] para a instalação do porto”, diz ele. “Alguns moradores [de Alcântara] não estão sabendo da situação e pouquíssimos têm ideia ou dimensão dos impactos gerados pela implementação do porto.”

Manobra para conseguir o licenciamento ambiental

De acordo com a Articulação Anti-GPM, a empresa realizou um procedimento irregular de licenciamento ambiental, separando as licenças do porto e da ferrovia para garantir que a aprovação desta última coubesse ao governo do Maranhão, e não ao Ibama, que é a agência federal responsável pelo licenciamento ambiental. A Mongabay buscou verificar essa informação, mas não obteve resposta. Não se sabe se qualquer uma das licenças já foi concedida.

Lima afirma que as avaliações ambientais realizadas pelo Ibama são “mais rigorosas e transparentes”. Isto porque o Ibama segue parâmetros técnicos e protocolos mais detalhados e abrangentes do que o governo do Maranhão. Diferentemente do governo estadual, o Ibama também tem equipes especializadas e maior capacidade técnica para analisar os impactos ambientais de projetos complexos ou de grande escala.

Barcos de pesca no Porto Jacaré, na cidade de Alcântara | Foto: Klaus Schenck/Rettet den Regenwald e.V./Rainforest Rescue/Reprodução Mongabay

“Em alguns casos, o governo do Maranhão realiza processos de licenciamento em sigilo, dificultando que a sociedade civil, o Ministério Público ou outras agências regulatórias os monitorem”, completa.

Um porta-voz do Ibama disse por e-mail à Mongabay que o órgão avaliou o impacto do porto sobre a área de proteção ambiental, “mas, como a empresa pediu o arquivamento do caso, não houve, na esfera federal, uma análise aprofundada dos potenciais impactos.”

Empresas têm usado amplamente essa estratégia, que facilita a aprovação de projetos sem uma análise mais rigorosa do Ibama, em casos que incluem o licenciamento da instalação de torres de transmissão de energia elétrica em territórios quilombolas sem o CLPI das comunidades, de uma planta eólica e de plantações de eucalipto.

Além disso, ao fragmentar o licenciamento, “os estudos deixam de avaliar os impactos sinérgicos e cumulativos do projeto”, afirma o relatório da Articulação Anti-GPM. Serejo acrescenta que a estratégia viola a lei nacional, já que a área está sob jurisdição do governo federal. “Legalmente, cabe ao Ibama fazer o licenciamento.”

Um porta-voz do Ibama disse à Mongabay que “a magnitude do projeto e seus impactos sugerem que o licenciamento é de responsabilidade federal” e que, “se o governo estadual conceder a licença em desacordo com a lei, sua validade pode ser contestada na Justiça.”

De acordo com um promotor do Ministério Público Federal (MPF), “o porto está em área federal” e, portanto, “o licenciamento deve ser feito pela esfera federal”. Em reunião com a Anti-GPM, ele informou aos presentes que o Ministério Público Federal “analisaria juridicamente e, se encontrasse irregularidades, entraria imediatamente com uma denúncia.”

Este texto foi originalmente publicado pelo Mongabay, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.