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Iniciativa ligada ao Hospital de Clínicas Veterinárias lida com animais gravemente feridos e que ainda sofrem com o estresse por estar em cativeiro

Por Thiago Rodrigues Müller, da UFRGS| Mesmo sendo uma metrópole muito urbanizada, Porto Alegre é lar de diversos animais silvestres que compartilham esse meio conosco. Principalmente durante a primavera, é muito comum serem vistas essas espécies que, como consequência dessa interação, frequentemente são vítimas de ferimentos, lesões, choques elétricos e agressões. 

Por não estarem acostumadas ao cativeiro e manuseio por humanos, o atendimento a essas espécies envolve peculiaridades que o diferenciam da clínica veterinária convencional. Tendo em vista essa necessidade ambiental, a UFRGS mantém em funcionamento o Preservas – Núcleo de conservação e reabilitação de animais silvestres. Como uma ação de extensão do Hospital de Clínicas Veterinárias, o projeto também é um centro de atendimento emergencial a animais silvestres, atuando principalmente em atividades de atendimento clínico-cirúrgico a animais silvestres e a animais domésticos não convencionais. 

Na capa e acima, macaco prego preto, Sapajus nigritus (Foto: Flávio Dutra/JU)

Dificuldades no atendimento

Ao lidar com animais silvestres, segundo o docente da Faculdade de Veterinária e coordenador do Preservas, Marcelo Alievi, normalmente se tem um número relativamente maior de óbitos se comparado à medicina veterinária doméstica. Apesar de o índice variar conforme o grupo de animais, cerca de 30% a 40% de pacientes inevitavelmente virão a óbito. Dos silvestres que sobrevivem, metade são passíveis de reabilitação e podem ser soltos na natureza. A outra metade não tem condições de ser devolvida à natureza, principalmente pela perda do medo das pessoas, ou por apresentarem dificuldades que impeçam a sua sobrevivência. Nesse caso, são encaminhados a mantenedores de fauna ou zoológicos e, em última instância, para o processo de eutanásia.

Yasmin Santana e Michelle Soares, ambas bolsistas no Preservas, conhecem bem as dificuldades ao lidar com animais silvestres no dia a dia. São responsáveis por quase todas as tarefas do setor: limpeza, alimentação, auxílio aos médicos veterinários responsáveis pelos procedimentos, curativos, aplicação de medicações e exames menos complexos.

Ambas confirmam a alta ocorrência de óbitos. Segundo elas, contribuem para isso a incipiência de literatura e protocolos de tratamento, a improvisação de materiais e até a própria natureza frágil de determinados pacientes. As estudantes acrescentam que, além da dificuldade de tratamento, normalmente a natureza dos ferimentos é grave.

“Eles geralmente vêm atropelados, eletrocutados, ou até agredidos por seres humanos ou com mordidas de cachorro”

Yasmin Santana
Ouriços cacheiros, Coendou spinosus – adulto acima; jovem abaixo (Fotos: Flávio Dutra/JU)

O estresse por cativeiro, processo que não acontece com animais domésticos, é fator decisivo para aumentar a taxa de óbitos. “Imagina botar numa gaiola um animal que nunca foi mantido em um ambiente restrito”, argumenta Marcelo. A partir disso, Michelle e Yasmin dizem que esse sofrimento pode ser diminuído com o enriquecimento ambiental – a prática de simular, à medida do possível, o habitat e a alimentação daquele animal.

Nos casos em que o animal sobrevive, porém sem chance de ter uma vida plena e de qualidade, realiza-se o processo de eutanásia para evitar sofrimento. Essa costuma ser a conduta em animais com dificuldades que impeçam a sobrevivência na natureza e que não possam ser encaminhados a zoológicos ou mantenedores de fauna.

A chance de eutanásia, aliada ao índice de óbitos e à intensa demanda de trabalho, representam também um fator de estresse para as bolsistas do Preservas. Yasmin diz que é desgastante emocionalmente: “Se tu vai numa clínica de cachorro e gato, tem dez, vinte internos; aqui tem sessenta ou oitenta”.

“É uma demanda muito grande de trabalho. Até pelo fato dos óbitos, isso também desgasta bastante, e pela falta de recursos também”

Yasmin Santana

Mesmo com esses fatores, ambas dizem ser muito gratificante acompanhar todo o processo de melhora e a devolução desses animais à natureza.

Suindara (coruja), Tyto furcata (Foto: Flávio Dutra/JU)

Interação com a fauna silvestre

Segundo Marcelo, é impossível evitar a interação entre a fauna silvestre e o ser humano, já que a Grande Porto Alegre é uma região com alta quantidade de ambientes preservados (total ou parcialmente). Diante disso, tudo o que acontece com os animais é fruto de um impacto da sociedade sobre aquele ecossistema. Um animal atropelado, ressalta, não deve ser entendido somente como um animal atropelado, mas como consequência dessa interação.

Para o docente, a organização da engenharia e arquitetura urbana e rural deve se adaptar a isso. Cita como exemplo a construção de prédios com vidros espelhados, relacionados a mortes de pássaros por colisão.

“Quando a gente pensa em construir edifícios, casas em ambientes que são mais arborizados, a gente tem que, de alguma forma, também entender que essa construção tem que se adaptar a isso”

Marcelo Alievi

Outras causas de acidentes com animais silvestres, para ele, são fatores sociais relacionados à falta de instrução. O que ocorre de forma mais comum são resgates irregulares: “Às vezes a pessoa, com a melhor das intenções, recolhe o filhotinho que tá aprendendo a voar e traz pra gente. E aí tu afasta aquele filhotinho dos pais”, explica. Outros pacientes chegam ao Centro vítimas de agressões. Para prevenir esses casos, ressalta o docente, é importante a ênfase na educação ambiental.

Bugio ruivo, Alouatta guariba clamitans (Foto: Flávio Dutra/JU)

Encontrei um animal silvestre, o que faço?

Marcelo recomenda que, em caso de se encontrarem filhotes, não se faça contato com o animal e se observe se os pais vão alimentá-lo com certa frequência. Em caso de animais machucados, deve-se entrar em contato com as autoridades pertinentes, que podem ser a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Equipe de Fauna Silvestre da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) e o Comando Ambiental da Brigada Militar. Eles realizam a triagem e a destinação correta desses animais.

Preservas, que chegou a receber 430 animais no ano passado, costuma registrar um aumento de casos durante a época de primavera. Devido a isso, aceita doações de jornais e alimentos, como frutas, legumes e verduras. As doações precisam estar em bom estado de consumo e devem ser entregues na sede do projeto, localizado na Faculdade de Veterinária da UFRGS, junto ao Hospital de Clínicas Veterinárias (Av. Bento Gonçalves, 9090 – Bairro Agronomia, em Porto Alegre).

Ambientes, estudantes e técnicas que atuam no Projeto Preservas (Fotos: Flávio Dutra/JU)

Este texto foi originalmente publicado pela UFRGS de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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