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Materiais falsos incluem desde o conteúdo propositalmente fabricado para enganar até as informações distorcidas, e pesquisadores destacam os motivos que levam as pessoas com mais de 60 anos a serem o alvo preferencial das fraudes

Por Jornal da Universidade – UFRGS | A aposentada Terezinha Ivone Manfroi, 78 anos, que trabalhou sempre na área financeira, recebeu uma oferta imperdível via whatsapp da amiga Rosa Maria Rembowski, 77, no último dia 14 de setembro. O título da mensagem enganosa era atraente, embora com erros gramaticais: “Promoção Heineken Oktoberfest 2022 5000 frigobares grátis cheios de cerveja” (sic), com imagens reais de produtos da marca e seu logo. Na formatação do banner, aparece um endosso por quem o compartilha: “Já fiz ganhei agora vou passar para os grupos, valeu” (sic), e um link. Ao clicar nele, o internauta é levado a uma página que confirma a promoção, inclusive com depoimentos de perfis fakes, afirmando se tratar de algo verdadeiro e confiável.

Mensagem falsa que circulou em grupos de whatsapp prometia frigobares e cervejas para quem clicasse no link (Whatsapp/Reprodução)

Entusiasmada para ganhar alguma coisa e passar a novidade adiante logo, Rosa embarcou na roubada e repassou a mensagem para diversos contatos, entre eles o de Terezinha, que desconfiou de tamanha “barbada”. “Hoje (17 de setembro) recebi da Rosa do grupo, que eu considero uma pessoa bem esclarecida. É claro que não respondi, desconfiei que era golpe e mandei para professora Leticia”, relata, se referindo a Leticia Rocha Machado, coordenadora da Unidade de Inclusão Digital de Idosos (UNIDI). Também pesquisadora do Núcleo de Tecnologia Digital Aplicada à Educação (NUTED) e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento da UFRGS, Leticia é responsável pelos cursos da UNIDI em que Rosa e Terezinha estudam e que atendem à necessidade, trazida pelos próprios idosos, de fazer uma espécie de alfabetização em informática e redes sociais.

Ao clicar no link, a pessoa é direcionada a uma página da suposta promoção, com depoimentos de perfis falsos (Whatsapp/Reprodução)

A tática usada na promoção da cerveja não é nova e é conhecida como phishing (envio de mensagens fraudulentas para obter informações sensíveis, como números de cartão, documentos e senhas), uma das mais comuns na internet. De forma mais ampla, além do campo da informática, esse tipo de informação falsa é classificado de desinformação: conteúdo intencionalmente falso, criado para causar danos.

Segundo o guia Entender a desordem informacional, editado pela First Draft com base na pesquisa da professora britânica Claire Wardle, a desinformação é motivada por três fatores distintos: ganhar dinheiro; ter influência política; ou causar problemas. A publicação explica que, quando a desinformação é compartilhada, muitas vezes se transforma em mesinformação. Foi o que aconteceu com Rosa: o conteúdo é falso, mas a pessoa que o compartilha acha que é verdadeiro. Conforme o guia, “o compartilhamento de mesinformações é motivado por fatores sociopsicológicos. Quando estão online, as pessoas desempenham suas identidades. Elas querem se sentir conectadas à sua ‘tribo’: isso pode significar membros do mesmo partido político, pais que não vacinam seus filhos, ativistas preocupados com a mudança climática ou aqueles pertencentes a uma determinada religião, raça ou grupo étnico”.

Tweet verdadeiro da jornalista Mônica Bergamo (Twitter/Reprodução)

Outra categoria é a má informação: informações genuínas compartilhadas com a intenção de causar danos. De acordo com a publicação da First Draft, cada vez mais o conteúdo genuíno é tirado de contexto, distorcido e reformulado. Exemplo disso é o que foi feito com uma postagem da jornalista Mônica Bergamo no Twitter no dia 20 de setembro. A mensagem original dizia: “Abrindo o YouTube nesta manhã ensolarada em SP, e lá vem a indicação: ‘Os Pingos nos Is: Imagens de Bolsonaro em Nova York’. da Jovem Pan. Com 106 mil visualizações, indicado ao lado de outro vídeo sobre rock que tem 2,9 milhões de visualizações. Vai entender…”. Em um grupo de whatsapp a que a reportagem teve acesso, Pedro (nome fictício) fez circular o conteúdo da jornalista, mas com parte do texto e comentário alterados para criticar a “velha imprensa”. Inclusive, o tweet foi publicado pela jornalista no dia 20, e no comentário fake aparece com a data de 15 de setembro. “Grande parte do conteúdo que estamos vendo se enquadra nessa categoria de má informação — informações genuínas usadas para causar danos”, conclui o guia da First Draft.

Tweet que circulou nos grupos de whatsapp é falso, com conteúdo alterado (Whatsapp/Reprodução)

Outro ponto é compreender o que é relevante e o que não é. Para entender, explicar e enfrentar esses desafios, tudo é importante: desde a linguagem que se usa até a terminologia e as definições.

Para a pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia (Ppgcom) da Universidade Federal do Pará (UFPA) Elaide Martins, nas três categorias – desinformação, mesinformação e má informação – é comum ver o idoso inserido, principalmente, no universo da mesinformação, quando ele compartilha uma informação sem identificar que se trata de falso conteúdo. “Isso acontece com muita frequência nos grupos de aplicativos de mensagens e em redes sociais digitais, onde opiniões se confundem com fatos e onde se recebe conteúdo de pessoas conhecidas e, por isso, geralmente, há uma tendência para acreditar nesse conteúdo”, analisa. Por isso, é importante desenvolver o senso crítico, questionar sempre todo e qualquer conteúdo recebido e checar as informações para não compartilhar material falso.  

Fonte: Guia First Draft, Entender a desordem informacional

Fatores culturais e tecnológicos

A desinformação é um dos grandes males da era digital e desafia até os professores de inclusão digital. Os idosos se tornam alvos fáceis, porque são de uma época em que o acesso à informação se dava pelos jornais e revistas impressas, livros e enciclopédias. Esses materiais passavam, em geral, por tratamento e verificação, o que trazia a sensação de informação correta e fidedigna.

Só que, com a evolução da tecnologia, o conteúdo pode ser produzido e publicado por qualquer pessoa, o que é benéfico por um lado (todos podem ser autores e distribuir o material na rede online). Entretanto, os idosos não acompanharam nem entendem esses processos como alguém que já nasceu no período do surgimento da internet na década de 90, recorda Leticia. “Então, quando recebem uma mensagem que o médico ‘fulano’ disse que era bom tomar tal remédio, eles acreditam, pois foi assim que aprenderam, no tempo de escola, a lidar com a informação”, destaca.

Além da importância de os idosos saberem lidar com a tecnologia e usarem as redes sociais, os cursos da UNIDI ensinam a questionar o mundo virtual e levam em conta os fatores culturais como decisivos para a aprendizagem. “Antigamente, os pais ensinavam aos filhos que não poderiam tocar nos produtos, porque poderiam estragar e era muito caro consertá-los”, ressalta Leticia.

Por isso, quando os idosos aprendem a usar uma tecnologia digital, como o computador ou smartphone, os ensinamentos dos pais se sobressaem, fazendo com que tenham medo de mexer por causa daquela cultura histórica. “Então, quando iniciamos um curso de inclusão digital de idosos, uma das primeiras abordagens é lidar com esses medos e angústias, além da ansiedade por estar aprendendo algo novo e não saber se vai conseguir. Além disso, culturalmente a sociedade criou um estereótipo de idosos improdutivos e que se tornam ‘peso’, o que reflete na autoestima deles”, explica a docente.

Projetos como os da Unidade de Inclusão Digital do Idoso (UNIDI), localizado na Faculdade de Educação da UFRGS, auxiliam no combate à desinformação. Acima, Leticia Rocha Machado, coordenadora das atividades (Fotos: Ana Terra Firmino/JU)

Também vinculada à UFRGS, a Universidade Aberta para Pessoas Idosas (UNAPI) trabalha com o mesmo público-alvo. As coordenadoras Adriane Teixeira e Maira Rozenfeld Olchik explicam que se trata de um projeto de educação continuada, em que são oferecidas atividades como oficinas online, clube do livro, palestras no formato de lives e curso de formação de recursos humanos em envelhecimento. “Com professores e alunos de graduação da UFRGS, atendemos a mais de 300 idosos atualmente”, destaca Adriane.

Na mesma linha, a professora da UFPA salienta que tais atividades pretendem ajudar o público idoso a combater a desinformação, intensificada, sobretudo, em determinados contextos, a exemplo das eleições, pandemias e crises em geral. E como fazer essa contribuição? Explicando o que é e como funciona a desinformação, sua força e poder, como ela se difunde e como pode ser identificada e combatida.

“Consideramos de extrema relevância que o público tenha consciência das consequências da desinformação e que desperte o seu olhar para si mesmo, enquanto agente ativo para combatê-la. O idoso tem um papel fundamental nesse processo, pois tem sido um dos principais alvos no ecossistema desinformacional”

Elaide Martins

Uma das recomendações da pesquisadora da UFPA é “questionar, questionar e questionar”, o que ela aponta como a base da formação de uma consciência crítica e cidadã. Ao questionar se determinado conteúdo é falso ou não, a pessoa deve checar, observando se se trata ou não de uma informação divulgada por veículos/fontes confiáveis, atentando-se à data da publicação, à autoria do conteúdo, se foi produzido por um especialista ou por alguém com legitimidade para abordar o assunto, por exemplo. “Antes de compartilhar qualquer conteúdo, é preciso checar sempre para não se correr o risco de cair nas armadilhas da desinformação”, orienta Elaide.

Cada vez mais idosos nas redes sociais

Cada vez mais presentes no dia a dia, as tecnologias da informação e comunicação estão arraigadas e disseminadas nas mais diversas ações, desde pedir uma tele-entrega à consulta ao Google para tirar dúvida da grafia de uma palavra. Segundo levantamento realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em parceria com a Offer Wise, o número de idosos com acesso à internet cresceu de 68%, em 2018, para 97%, em 2021. “Isso representa um aumento significativo dessa parcela, que tem uma relação estreita com o isolamento social imposto pela pandemia de covid-19”, pondera a professora da UFPA. 

Ainda segundo a pesquisa, atualmente o principal meio de acesso desse público à internet é o smartphone, citado por 84% dos idosos que responderam à pesquisa, um crescimento de oito pontos percentuais em relação a 2018. Em seguida, vem o notebook (37%) e depois o computador desktop (36%). “E há muito se sabe que o passatempo predileto dos idosos na internet é o relacionamento com familiares e amigos”, constata Elaide. Conforme avaliação da pesquisadora, se, por um lado, o acesso e uso das tecnologias pode facilitar as relações pessoais, assim como incentivar o consumo de produtos e serviços, por outro facilita a disseminação da desinformação no mesmo cenário. Entre diversos aspectos, pode-se, portanto, ressaltar que o aumento do acesso à internet, ao mesmo tempo que traz facilidades e aspectos positivos, apresenta cenários negativos, como o alastramento da desinformação – tudo vai depender dos usos e das apropriações que se fazem das tecnologias.

Pesquisas recentes corroboram que o idoso está realmente na mira das fakes news, a exemplo do levantamento feito pelas universidades de Princeton e de Nova York, publicado na revista Science Advances em 2019. O estudo mostra que pessoas com mais de 65 anos compartilham, em média, sete vezes mais informações não checadas ou falsas do que jovens entre 18 e 29 anos. Isso se dá, segundo a pesquisadora da UFPA, provavelmente porque o idoso não é um nativo digital, além de uma carência de educação midiática que afeta todas as idades. Portanto, os idosos têm sido identificados como as pessoas de maior vulnerabilidade na propagação de notícias falsas. “Daí a importância da inclusão digital e da educação midiática para investir na formação de competências e na construção de um pensamento crítico frente ao consumo de conteúdo nessa era da desinformação”, conclui.

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Universidade de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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