Por WWF-Brasil – As lembranças da infância são as melhores possíveis. Correr pelas ruas, nadar em um rio tão limpo que dali mesmo podia se beber a água, brincar e pescar com a família eram atividades de rotina nas comunidades da Bacia do Ribeirão Jequitibá, em Minas Gerais. E como diz Seu Dudu, nem tanto tempo faz isso, afinal, ele ainda está aí para contar essa história.
Raul Diniz Neto, o Seu Dudu, é produtor rural há 60 anos, filho de pais que cultivavam a terra e com quem aprendeu a amar plantar e colher. Hoje, ele tenta entender o que aconteceu para tanta poluição atingir a região e está disposto a buscar soluções para recuperar o que foi degradado. Um dos primeiros a aderir às ações de saneamento rural em desenvolvimento pelo Bacias & Florestas na região, abriu sua propriedade para a instalação de um sistema de biodigestor e trocou a fossa seca por uma opção mais limpa, evitando a contaminação contínua do solo.
“Sete Lagoas, Prudente de Morais, Capim Branco, todas essas cidades [em Minas Gerais] cresceram muito e não fizeram o tratamento de esgoto, o dejeto passava direto para o ribeirão. No meio rural também era comum, ainda é, lançar a sujeira direto no solo ou no rio. Isso veio poluindo, poluindo até chegar nessa situação desagradável que estamos hoje. Recentemente, foram construídas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) nas áreas urbanas aqui do entorno, sendo que Sete Lagoas ainda está para fazer a ETE. E do lado de cá, tem essa opção apresentada pelo WWF-Brasil de tratar o efluente, e que eu acredito que todos deveriam aproveitar. Eu fiz questão de fazer minha parte!”, comenta.
Com o biodigestor instalado, Seu Dudu sente que fez um grande negócio. “É só vantagem! A responsabilidade de ajudar o ribeirão voltar a ser limpo é uma coisa, a outra é todo o valor agregado de se ter uma fossa séptica. A privadinha, fossa seca, você ia lá e tinha um cheiro terrível, depois a gente fez um buraco onde caía todo o esgoto, o cheiro melhorou um pouco, mas era bem ruim ainda. Agora, não tem mais o mau cheiro com o biodigestor e eu planto milho, feijão, arroz, alho, cebola, abóbora e quiabo em um solo limpo”, comenta. Ele afirma que ter esse tipo de sistema melhora a qualidade de vida, valoriza a propriedade e a produção.
O engenheiro sanitarista ambiental responsável pela instalação dos biodigestores dentro da Bacia do Ribeirão Jequitibá, Alvanio Ricardo Neiva Júnior, explica que a adesão da comunidade está muito boa e que já foram instalados 26 sistemas, em 5 cidades, sendo 11 comunidades rurais onde foram contempladas 30 famílias, com total de 130 pessoas. Só neste ano de 2021, com a tecnologia de biodigestor, aproximadamente 187 mil litros de efluentes foram tratados e 3,7 milhões de litros de água deixaram de ser contaminados por efluentes domésticos.
“O projeto Bacias & Florestas não gera custo para os moradores, a única coisa que o proprietário precisa fazer é aceitar e participar do projeto. Cada biodigestor instalado serve de modelo para engajar a comunidade, para que outros moradores vejam como funciona e comecem a levar para outras comunidades”, diz.
Ele explica quer a maioria das propriedades ainda trabalha com fossa rudimentar, ou seja, faz o despejo do que é produzido in natura em um buraco, e isso vai virando uma perigosa contaminação. “Com a instalação do equipamento, é cessada essa contaminação, porque o biodigestor faz todo tratamento do efluente de forma eficiente”.
Um dos benefícios da ação já equivale à economia de 675 mil reais com saúde pública, com explica Alvânio. “Com lançamento de esgoto sem tratamento, você está prejudicando a própria saúde. Um grande gargalo é a construção das fossas rudimentares muito próxima ao local de captação de água”, diz. Prova disso é o levantamento com os municípios, que mostra que doenças por contaminação hídrica ocorrem principalmente por coliforme fecal. Com o tratamento do efluente, a tendência dessa contaminação é cessar e os casos deste tipo de doença diminuírem consideravelmente.
Fossa ou jardim?
Na propriedade da Dona Lolota, Vilma Maria da Silva, não tem biodigestor, e ela não quer trocar seu jardim por nenhum outro sistema. Ou seria melhor dizer sua Tevap? Ela foi uma das pioneiras na comunidade Saco da Vida, em Funilândia, a aderir ao projeto Bacias & Florestas e participar da instalação de fossas sépticas, e mantém sua Tevap com um belo jardim sobre ela, a ponto de chamar a atenção dos vizinhos. Aos 72 anos de idade, está convencida de que escolheu o melhor caminho, e quer persuadir mais alguns amigos a apostar na mudança e ajudar a diminuir a poluição do solo e do ribeirão.
“Se a gente pode fazer melhor, por que vai ficar poluindo, não é mesmo? Eu gostei de tudo, desde ter conhecido as pessoas que vieram explicar e fazer a fossa, até o resultado. A Tevap não deixa dar aquele cheiro ruim que a outra dava, e a gente planta as flores e as bananeiras e fica tudo florido, ninguém diz que é uma fossa. Eu cuido como se fosse um jardim e sempre que posso convido os amigos para ir lá na chácara e explico como funciona”.
Tecnólogo em gestão ambiental que há 35 anos trabalha com controle de vetores e saneamento básico, Nivaldo Aparecido Santos é coordenador da sociedade civil no subcomitê da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Jequitibá e tem se dedicado a ajudar na mobilização da comunidade para a adesão ao sistema Tevap. Foi um dos responsáveis por apresentar a solução para Dona Lolota e, entre 2018 e 2019, para os outros 11 proprietários rurais que atualmente integram o projeto, nos 5 municípios do subcomitê do Ribeirão Jequitibá.
“Esse projeto foi criado pelos pesquisadores da Emater. Propomos a eles um trabalho junto com a comunidade, em parceria da Ambev e do WWF-Brasil, por meio do Bacias & Florestas, e eles aceitaram”, diz Santos. A técnica utiliza o processo de evapotranspiração, que é a transferência de água para a atmosfera por transpiração das plantas, considerada eficaz e de baixo custo.
“Para se ter uma ideia, do período da implantação das Tevaps até 2021, com a boa adesão da comunidade, conseguimos evitar o lançamento de 500 mil litros de dejetos no solo e nos cursos de água da região. Além de ser uma excelente solução de tratamento de efluente, ela forma um jardim bonito que chama a atenção”, completa.
Nivaldo conta que já rodou muitos municípios de Minas Gerais e Bahia como agente de saúde pública do Governo Federal e, dos intensos anos de experiência, traz na bagagem um forte aprendizado.
“Eu já vi comunidades inteiras adoecerem com chagas, com verminoses, malária etc. Isso tudo por falta de conhecimento até sobre higiene, cuidados básicos mesmo. Quando você ensina às pessoas o que elas precisam fazer para evitar as doenças e ter qualidade de vida, elas ficam agradecidas e fazem. Elas aprendem! E acho que esse é o grande papel do Bacias & Florestas em relação às fossas”.
Ainda de acordo com Nivaldo, a maioria das fossas antigas eram as chamadas privadas de fossa seca, que provocavam forte odor e atraíam insetos transmissores de doenças. “Muitas verminoses nas comunidades são transmitidas por vetores que encontram uma água parada ou uma fossa seca, pousam nas águas de pia de cozinha e banho lançadas a céu aberto no quintal, nas fezes ou no xixi e voam para dentro da casa, onde pousam e contaminam a comida, levando doenças para a família. Na fossa Tevap, não ficam expostos dejetos, nem água servida escorrendo para o quintal, e não há agressão ao solo, porque é impermeabilizada. Não é à toa que cada R$1,00 investido em saneamento, reflete a economia de R$4,00 na saúde pública”.
Sobre o WWF-Brasil
O WWF-Brasil é uma ONG brasileira que há 25 anos atua coletivamente com parceiros da sociedade civil, academia, governos e empresas em todo país para combater a degradação socioambiental e defender a vida das pessoas e da natureza. Estamos conectados numa rede interdependente que busca soluções urgentes para a emergência climática. Site: wwf.org.br/doe
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