Por Manuela Bergamim em Embrapa | O intuito deste trabalho, segundo a principal autora e pesquisadora Rossana Catie Bueno de Godoy, da Embrapa Florestas, é mostrar os diferentes aspectos referentes à espécie, como sua ocorrência, caraterísticas, produtos gerados, composição nutricional, etapas de processamento dos produtos palmito e polpa da juçara, bem como citar a atualização de legislações sobre o tema. A publicação é voltada para produtores, manipuladores de alimentos e para quem atua com a conservação de espécies.
A palmeira Juçara (Euterpe edulis Martius) é típica da Floresta Atlântica do Brasil e áreas subjacentes, e ocorre desde o estado do Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul, alcançando, também, o nordeste da Argentina e o sudeste do Paraguai. Seus frutos são muito consumidos por dezenas de espécies de aves e de mamíferos, alguns deles vulneráveis à extinção.
Como produtos da Juçara, além de seus frutos, dos quais se extrai uma saborosa polpa, está o famoso palmito juçara, exaustivamente explorado. Devido ao extrativismo predatório de seu palmito, a palmeira Juçara passou a ser considerada oficialmente uma espécie em risco de extinção.
A polpa da Juçara tem sabor e cores muito parecidos com os do açaí, o que dificulta a distinção pelo consumidor entre uma espécie e outra na hora da compra. “No mercado interno, geralmente, não se sabe quando a polpa de juçara é vendida como açaí, e muitas vezes o produto comercial é uma mistura entre a polpa de ambas as espécies. Isso porque o seu processamento acaba sendo mais próximo dos consumidores de São Paulo e Rio de Janeiro do que a região Norte”, explica a pesquisadora.
Esta vantagem logística se soma ao fato de a produção de polpa de juçara, em algumas regiões do Sul e Sudeste, ocorrer no primeiro semestre do ano (março a maio), diferente da polpa de açaí, cuja colheita concentra-se no segundo semestre do ano (70% a 80%).
“O consumo interno e para exportação da polpa de açaí só vem aumentando, e a região norte oferece 98% do que é consumido do Brasil”, diz a pesquisadora. De fato, os dados de produção desta espécie aumentam a cada ano. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab,2021), de 2010 a 2020, a produção de açaí saltou de 314 para 5.363 toneladas. Já os dados da produção de polpa de juçara são difíceis de serem organizados, “sendo necessário um trabalho efetivo por parte de instituições estaduais, associações, cooperativas e demais representantes”, afirma Godoy.
Segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de SC (Epagri), estima-se que sejam processadas anualmente de 150 a 200 mil kg de frutos de juçara (equivalentes a 500-600 mil tigelas de açaí de 300 g). No Vale do Ribeira-SP, a estimativa de produção anual é de 665 a 1.746 kg de polpa de juçara (Conab, 2020). No litoral do Rio Grande do Sul (Maquiné, Caraá e Três Cachoeiras) a produção estimada é 28,5 mil kg de polpa.
A polpa da Juçara pode ser consumida diretamente ou utilizada no preparo de bebidas fermentadas, néctares, sucos, geleias, iogurtes, sorvetes e produtos desidratados. “Ela possui um sabor um pouco mais suave do que a do açaí e vai muito bem em sobremesas e como blends para fazer bebidas. Além disso, este fruto tem em sua composição maior capacidade antioxidante, com um maior teor de antocianinas, quando comparadas com o açaí do norte, que é outra espécie. E esses compostos são muito interessantes, porque inibem os efeitos maléficos dos radicais livres e também podem ajudar a reduzir as doenças inflamatórias. Então, assim como o açaí, produto que já faz parte do nosso hábito alimentar, a Juçara, devido a estes fatores, tem bastante chance de ser tornar cada vez mais importante e presente na nossa dieta”, acredita Catie Godoy.
A publicação lançada aborda também as legislações que dizem respeito ao processamento do palmito juçara, bem como para a produção de polpa, que segue a mesma instrução estabelecida para o açaí. “Trazemos nessa publicação, principalmente atualização de legislações, que é algo dinâmico na área de alimentos, e é preciso sempre estar por dentro das legislações, para ver se o que está sendo feito está adequado”, diz Catie Godoy.
O uso alimentício da palmeira Juçara, com foco na obtenção do palmito, ocorre desde a colonização do Brasil, atingindo seu auge extrativista no século XX. Para obter o palmito é preciso derrubar os indivíduos adultos, o que faz com que a palmeira juçara não rebrote após o corte. De acordo com o pesquisador Carlos Eduardo Sícoli Seoane, da Embrapa Florestas, a proibição do corte de palmito de palmeira Juçara foi estabelecida de maneira gradual, diante da enorme diminuição das populações em todas as regiões de sua ocorrência natural, desde a década de 1970.
“Diante disso, iniciaram-se tentativas de regulamentação, infelizmente malsucedidas. Em 2013, palmeira Juçara entrou para a lista de espécies em extinção, passando a ser considerada oficialmente uma espécie vulnerável à extinção e o corte de palmito de suas ocorrências naturais foi proibido em todo o território brasileiro”, conta Seoane.
Enquanto o extrativismo de palmito de juçara a partir de populações naturais é proibido, é permitida a produção de palmito juçara a partir de plantios, como ocorre com os palmitos provenientes de sistemas agroflorestais (SAFs). Estes vêm sendo desenvolvidos junto a comunidades tradicionais do Vale do Ribeira-SP visando à restauração ambiental e o uso sustentável da espécie. Desde 2016, a Embrapa Florestas realiza um trabalho de pesquisa, desenvolvimento e inovação para gerar renda a agricultores familiares, quilombolas agrícolas, agricultores tradicionais e caiçaras, ao mesmo tempo que se restaura e preserva a Mata Atlântica.
O SAF, cultivo combinado de lavouras e árvores, é praticado por comunidades tradicionais há milênios em todos os continentes habitados. “Porém, assim como em SAFs ao redor do mundo, esses SAFs apresentam um gargalo produtivo quando a sucessão agroflorestal transita para a fase dominada por árvores, justamente a mais perene e interessante para a restauração ecológica. Entendemos que o redesenho dos SAFS, otimizando as cadeias produtivas agroalimentares, pode gerar paisagens restauradas, justas e geradoras de renda, em um mosaico de áreas conservadas e áreas produtivas em restauração”, explica Seoane.
O trabalho é coordenado pelos pesquisadores Carlos Eduardo Seoane e Luis Froufe, da Embrapa Florestas, e é realizado em parceria com a Associação dos Produtores Agroflorestais de Barra do Turvo e Adrianópolis-Cooperafloresta, Associação dos Agricultores Familiares de Cajati – AAGFAM, Fundação Florestal de São Paulo, Instituto de Pesquisas Ambientais de São Paulo, a Universidade Estadual de São Paulo – UNESP e a Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável – CDRS.
Este texto foi originalmente publicado pela Embrapa de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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