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Por Suzana Camargo e Xavier Bartaburu, da Mongabay.

  • Em 12 de setembro de 2021, o francês Victor Rault zarpou de Plymouth, na Inglaterra, a bordo do navio Captain Darwin. O objetivo: percorrer a mesma rota do naturalista inglês e avaliar como estão hoje as espécies que ele descreveu no século 19.
  • Entre 1831 e 1836, Charles Darwin circum-navegou o globo a bordo do Beagle, com paradas no Brasil, nas Galápagos e em Maurício. De suas observações na viagem, resultou sua revolucionária Teoria da Evolução.
  • Ao passar pelo Brasil, a nova expedição registrou o declínio das preguiças na Bahia e a proliferação das formigas-cortadeiras no estado do Rio do Janeiro. O Captain Darwin agora segue para a Patagônia.

Foi no ano de 1859 que o britânico Charles Darwin publicou a obra que seria considerada, até hoje, a base da Biologia Evolutiva. Com A Origem das Espécies, ele apresentava ao mundo científico o conceito da evolução de plantas e animais através da seleção natural. Para escrever o livro, o naturalista usou as observações feitas 28 anos antes, durante a viagem a bordo do navio HMS Beagle, que por cinco anos navegou ao redor do planeta.

Ao deixar o porto de Plymouth, na Inglaterra, em dezembro de 1831, a embarcação fez paradas nos arquipélagos de Canárias e Cabo Verde, ambos na costa africana, e em seguida rumou para a América do Sul, mais especificamente o Brasil. O Beagle aportou na Bahia e no Rio de Janeiro, e nesses lugares Darwin contou sobre a observação de duas espécies de formigas-cortadeiras dos gêneros Atta (saúvas) e Acromyrmex (quenquéns).

“Uma pessoa, ao entrar pela primeira vez numa floresta tropical, ficará admirada com o trabalho das formigas: trilhas podem ser vistas em todas as direções, sobre as quais um exército incansável de forrageiras são avistadas, algumas indo para a frente, outras retornando, sobrecarregadas com pedaços de folhas verdes, muitas vezes maiores que os próprios corpos”, escreveu ele em A Origem das Espécies.

Cento e sessenta e três anos depois, numa área do norte fluminense, Victor Rault compartilha um depoimento parecido sobre o encontro com os mesmos insetos em suas redes sociais: “As formigas são extraordinárias. Os pedaços de folhas que as vemos carregando podem medir até 20 vezes o tamanho de seus corpos! Elas podem cortar e transportar as folhas graças às suas mandíbulas poderosas. Elas não só praticam a agricultura, mas também são construtores de estradas. Quando avistam uma árvore palatável, suas idas e vindas naturalmente criam um rastro, que elas mantêm livre de vegetação espalhando um pesticida natural que têm no corpo”.

O documentarista francês é o idealizador do projeto Captain Darwin, que segue os passos do pesquisador e explorador inglês quase dois séculos depois. A bordo do navio batizado com nome do naturalista, Rault saiu de Plymouth em 12 de setembro de 2021 e pelos próximos quatro anos navegará pela mesma famosa rota percorrida pelo Beagle: margeando a costa do Atlântico, na África, rumo à América do Sul, seguindo então para as Ilhas Galápagos, no Equador, a Polinésia Francesa, no Pacífico Sul, a Tâsmania, na Austrália, e as ilhas Keeling e Maurício, para então retornar à Inglaterra.

“O objetivo do projeto é fazer uma investigação global sobre a biodiversidade e comparar o status de conservação dos animais observados por Darwin no passado com a situação presente”, diz Rault. “Também sonho em enxergar um denominador comum entre as iniciativas de conservação mais bem-sucedidas e assim poder disseminá-las para que sirvam de modelo e possam ser aplicadas em diferentes países”.

O declínio das preguiças

Para definir quais espécies serão revisitadas, o documentarista usa como guia não A Origem das Espécies, que é mais um compêndio científico, e sim outro livro, A Viagem do Beagle, um diário de anotações de Darwin, publicado em 1839.

Nele o naturalista cita, por exemplo, a descoberta no Uruguai de um fóssil, o Megatherium americana, um tipo de preguiça gigante, com um tamanho dez vezes maior do que as atuais e chegando a pesar até 4 toneladas, que viveu na Terra há aproximadamente 10 mil anos. Para Darwin, esse animal pré-histórico seria um ancestral comum não apenas da preguiça como também do tamanduá e do tatu. O encontro do fóssil serviu como mais uma peça-chave para montar o quebra-cabeça da Teoria da Evolução.

“A preguiça gigante provavelmente desapareceu por causa da pressão dos humanos que a caçavam por comida e das mudanças climáticas, que levaram à fragmentação do habitat. Seu destino obviamente lembra a situação da preguiça hoje. Então, o que mudou desde então e quão otimistas podemos ser sobre o futuro da preguiça?”, se perguntou Rault.

Para responder ao questionamento, quando esteve na Bahia, na Reserva Ecológica de Sapiranga, a 2 km da Praia do Forte, Rault quis conhecer de perto as preguiças atuais. Ao lado do pesquisador Gastón Giné, da Universidade Estadual de Santa Cruz e membro do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros, se deparou com uma perspectiva negativa. Nessa região do estado, esses animais sofrem com o risco de extinção nas próximas décadas devido à expansão imobiliária e à crescente destruição da Mata Atlântica.

“Elas enfrentam uma grave ameaça frente ao desmatamento. Quando você vê esse animal, tão tranquilo, comendo folhas vagarosamente, e não muito longe dali há o barulho de máquinas, há um sentimento de tristeza”, lamenta o francês.

Todavia, pelo que parece ser uma grande ironia, a devastação da Mata Atlântica, como consequência do avanço da agropecuária e dos centros urbanos, fez com que a população de formigas-cortadeiras explodisse no estado do Rio de Janeiro. Esses insetos são ali considerados uma praga pelos agricultores.

“Até este momento, foi a primeira vez que documentamos uma espécie que está com uma população muito maior atualmente do que nos tempos de Darwin. Acontece que o habitat dessas espécies são as florestas da Mata Atlântica, mas elas se reproduzem muito melhor em ambientes abertos”, explica.

Na Reserva Biológica União, perto do município de Bom Jardim (RJ), e também nos laboratórios da Universidade Estadual Norte Fluminense, a equipe do Captain Darwin acompanhou os esforços do pesquisador Richard Samuels, que busca desenvolver uma alternativa natural, sem o uso de substâncias químicas, para fazer o controle das formigas.

Guará-vermelho: de um a milhares em uma década

Apesar de o Beagle não ter aportado no Paraná, Rault decidiu fazer uma parada na Baía de Guaratuba para documentar o trabalho realizado pelo Instituto Guaju, responsável pelos projetos Guará e Aves do Nosso Litoral.

É realmente incrível a história da volta, após seu desaparecimento por quase um século, do guará-vemelho (Eudocimus ruber), ave de cor escarlate, para a baía que deve seu nome a ela –  em tupi-guarani, Guaratuba significa “terra de muitos guarás”.

Em 2008, um primeiro indivíduo da espécie foi avistado por um pescador. Pouco a pouco, mais e mais delas foram retornando à beira de manguezais e lamaçais litorâneos da baía paranaense.

“Passados 14 anos do registro do primeiro exemplar, as saídas de campo continuaram ao longo dos anos e hoje já possuímos registros de aproximadamente 4 mil aves num só avistamento”, revela Edgar Fernandez, diretor e pesquisador do Instituto Guaju.

Além do monitoramento e estudo da espécie, a organização realiza ainda um importante trabalho de educação ambiental junto à comunidade local, como a elaboração do livreto intitulado “Guará: é preciso conhecê-lo para preservá-lo”. “Ele tem sido utilizado como ferramenta fundamental que nos auxilia nos trabalhos, palestras e atividades socioambientais onde o guará-vermelho é empregado como espécie-bandeira voltada à preservação da natureza”, diz Fernandez.

Para Victor Rault, a volta da ave é um bom exemplo de um projeto de conservação que conseguiu excelentes resultados graças à interação entre diferentes atores. O guará-vermelho se reestabeleceu novamente na área porque encontrou ali um ecossistema preservado: em 1992, toda a Baía de Guaratuba foi declarada Área de Proteção Ambiental.

“É essencial ter uma linguagem comum entre pessoas de setores muito diferentes, como cientistas, políticos e a sociedade em geral. Muitas vezes, programas de conservação não têm êxito porque esses três atores não conseguem interagir ou se comunicar da maneira mais relevante”, diz Rault.

Um livro e o documentário Planeta 2222

Agora no final de julho, o Captain Darwin está no Uruguai finalizando os preparativos para levantar vela em direção à Patagônia. Será uma longa viagem e a previsão de chegada é em setembro. Talvez a paisagem com que Rault se depare não seja muito diferente daquela vista pelo naturalista britânico há quase dois séculos. Em seu diário de bordo, Darwin descreveu os jovens condores nos penhascos da província de Santa Cruz, assim como esqueletos de guanacos, camelídeos semelhantes à lhama, com seus pescoços quebrados após servirem de alimento aos pumas.

Assim como Darwin, o explorador francês planeja, em 2025, registrar todas as suas observações num livro em que contará sobre a viagem, as diferentes espécies que observou e os cientistas com quem encontrou, mas também ter toda sua aventura gravada em vídeo. Ele pretende ter em mãos um documentário, que inclusive já tem nome: Planeta 2222.

“Tentarei mostrar um cenário de como nosso planeta parecerá em 200 anos, quando nossos netos, bisnetos e tataranetos viverão nele. Meu objetivo é prever como o mundo será se decidirmos agir, como uma comunidade global, agora — e não esperarmos até que todas as espécies sejam extintas.
Precisamos redefinir nossa relação com a natureza e nos encantarmos novamente com ela”.

Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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