Um traçado na areia conduziu meu olhar em direção ao mar. Eram cinco e meia da
manhã, e uma estrela-do-mar retornava à água deixando seu rastro. Mais à diante,
marcas em formato de leque mostravam que gaivotas estiveram por ali. As ondas iam e
vinham, apagando aquelas pegadas.
Identificar as pegadas é algo que fazemos em uma caminhada na praia, mas é, também,
um método usado no levantamento de fauna. Não só as marcas dos pés, claro, mas a
identificação de restos de alimentos, dentadas e bicadas aqui e acolá, presença de fezes,
pelos, penas, ovos. Esses elementos comprovam o comportamento de uma espécie. A
tartaruga-marinha, por exemplo, volta para desovar na mesma praia em que nasceu.
A espécie humana costuma deixar outro tipo de vestígio, que denuncia seu
comportamento: saquinhos, talheres plásticos, tampinhas, garrafas de refrigerante,
bitucas, embalagens de picolés e de outros alimentos industrializados. Estas são marcas
que não desaparecem com as ondas, contaminam o meio ambiente e colocam os animais
em risco — o que mostra como as Unidades de Conservação nas zonas costeiras são
importantes.
Naquela caminhada pela praia, juntei o que pude e joguei na lata de lixo. É verdade que
o lixo plástico é uma enrascada tão grande que exige muito mais do que atitudes
individuais e simbólicas. Há tempos que as políticas públicas começaram a restringir o
uso de utensílios plásticos, como canudinhos e sacolas. No mesmo sentido vão a
logística reversa definida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, as cooperativas de
reciclagem e as tecnologias de plásticos biodegradáveis.
No entanto, o exercício de recolher o lixo na praia tem lá seu valor pedagógico: temos a
experiência física direta, uma mostra constrangedora de quanta sujeira encontramos
numa área pequena, e, assim, percebemos a urgência de cuidar dos oceanos. Recusar o
descartável, os itens desnecessários e os produtos embalados são medidas-chave.
Os plásticos podem ser vistos nas praias, mas o maior volume de lixo plástico é gerado
no continente. Ele vem carreado pelas tubulações, passa pelos bueiros, cai nos córregos,
rios, até chegar ao mar. Se o saneamento básico é precário, o lixo escapa. Invisíveis a
olho nu, fragmentos e microplásticos destroem a vida marinha, entram na cadeia
alimentar e chegam à comida.
Sim, além das praias e do mar profundo, os resíduos vão parar no nosso organismo. A
ingestão dos microplásticos e das toxinas aderidas ao plástico pode levar a danos
celulares, distúrbios endócrinos e metabólicos, causar inflamação, anormalidades no
desenvolvimento fetal, supressão do sistema imunológico, danos no sistema metabólico,
reprodutivo e aumento do risco de infecção grave.
O que vemos no ambiente está, também, em nós: a saúde do planeta e do oceano é a
nossa saúde. O lixo plástico espalhado pela terra e pelo mar deve ser recolhido e não
mais gerado. Barrar a poluição dos plásticos não é um capricho. Calcula-se que,
anualmente, de 11 a 12 milhões de toneladas de plástico são lançadas nos oceanos.
Medir os impactos dessa poluição é essencial.
A ideia de pegada não ficou restrita ao levantamento de fauna, mas se estendeu à área
de gerenciamento de impactos ambientais. “Pegada” virou o nome de um tipo de
indicador que soma quanto de materiais e energia são utilizados — ou quanto de
poluentes são gerados — durante as fases de produção, transporte, uso e descarte de um
produto. O volume de água utilizado durante todo ciclo de vida do produto é chamado
de pegada hídrica; das emissões de carbono, de pegada de carbono; e assim por diante.
O plástico, no entanto, não é visto como um poluente, mas como um produto. As
pegadas ambientais que podemos calcular hoje refletem os impactos indiretos do
plástico: a pegada de carbono, hídrica e ecotoxicidade, entre outras consequências
geradas no ciclo de vida do produto plástico. O cálculo de uma “pegada de plástico
marinho” — que consideraria o plástico como poluente — é uma ideia recente. Não é
usada, ainda que pudesse ser um instrumento de gestão interessante.
Um olhar mais cuidadoso para nossas atitudes seria benéfico ao meio ambiente: o
escape do plástico para os oceanos e outras áreas naturais é o principal problema do
gerenciamento ambiental público ou privado. Além disso, não há espaço para colocar
tanto lixo, que é exportado de uma cidade para outra, de um país para outro, até ser
colocado em áreas menos valorizadas. É óbvio que uma solução como essa chega logo
ao seu limite, ainda mais quando a perspectiva mundial é triplicar a produção anual de
lixo plástico nos próximos 20 anos. Não há conveniência ou aspiração por lucro que
compense esse estado de coisas.
Cada um de nós tem lá sua ligação com o mar. Enquanto um bilhão de pessoas no
mundo tem nos pescados sua principal fonte alimentar de proteína, outros tantos vivem
da pesca. Mesmo quem nunca viu a praia sonha em conhecê-la enquanto inspira o
oxigênio produzido nos oceanos. Amamos as praias, amamos o mar, a culinária do
litoral, o surfe, os esportes na areia e tantas coisas boas que renovam nosso humor,
nossa alegria. Devemos proteger tudo isso e muito mais, sim, para podermos voltar à
praia, renascendo para o que é belo, como bem fazem a tartaruga-marinha e a estrela-
do-mar com suaves pegadas na areia.