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Brasil precisa avançar em modelos que facilitem o financiamento de projetos de infraestrutura com benefícios ambientais e sociais

Imagem de dfkt no Unsplash

O movimento de aliar a proteção do meio ambiente ao crescimento das economias não é novo, mas ganhou força desde o início da pandemia do coronavírus. A chamada recuperação verde (ou green recovery) ainda engatinha no Brasil, segundo especialistas. Avançar de fato neste sentido exige que o Executivo incorpore, tal como fez a Europa, propostas calcadas em negócios de impacto socioambiental positivo, que coloquem o país no caminho de uma economia sustentável, com baixa emissão de carbono.

“O Decreto 10.387, editado em junho pelo governo federal, é um exemplo, na medida em que incentiva o financiamento de projetos de infraestrutura com benefícios ambientais e sociais. No entanto, é preciso que o estado brasileiro vá além e dê sinais mais claros de que está trazendo a sustentabilidade para o centro da geração de riquezas no país. Este é um movimento que tem sido liderado pelo setor privado, em especial no mercado capitais”, avalia Marcel Fukayama, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), cofundador do Sistema B Brasil e diretor executivo do Sistema B Internacional, plataforma global que ajuda empresas a criarem estruturas que alinhem a obtenção de lucro à responsabilidade socioambiental.

Tem chamado atenção, por exemplo, o surgimento de fundos ASG, que levam critérios ambientais, sociais e de governança como fatores determinantes de investimento. Dos US$ 300 trilhões sob gestão do mercado financeiro global atualmente, US$ 30 trilhões são destinados a investimentos ASG.

“Vimos avanços importantes no mercado de capitais desde que a pandemia começou. No lado do governo, vai haver cada vez mais pressão para políticas aliadas aos critérios ASG, ainda que não seja pauta prioritária. No entanto, o mercado já vem percebendo – talvez mais pela dor do que pelo amor – que não há como se sustentar sem levar em consideração o ambiente, a sociedade e a governança. Temos diante de nós uma oportunidade de reconstrução. E toda oportunidade de reconstrução é uma oportunidade econômica, pois são realizados investimentos em infraestrutura e em empregos em uma escala que dificilmente se vê”, diz Fukayama, que colabora com o Ministério da Economia por meio da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (ENIMPACTO) na elaboração de sugestões para o Pró-Brasil, programa de retomada pós-pandemia do governo federal, anunciado em abril, mas que ainda não saiu do papel.

Para ele, a forte restrição fiscal é o grande desafio, mas que pode se reverter em oportunidade para trazer a força do mercado para contribuir com essa retomada, abandonando os modelos da velha economia e promovendo uma nova, inclusiva e regenerativa.

Cenário

“Está claro que as estruturas econômicas e sociais são insustentáveis sem uma natureza resiliente.” Quem faz a avaliação é o Fórum Econômico Mundial, que em relatório publicado em julho apresentou propostas de como países e setores empresariais podem construir um futuro no qual a natureza não seja mais degradada sob a justificativa de geração de riquezas. Intitulado “The Future of Busines and Nature”, o relatório destaca que a incorporação de aspectos sociais e ambientais pelos negócios pode gerar US$ 10 trilhões e 395 milhões de empregos até 2030.

“As atuais políticas são ineficientes no combate ao desmatamento e não são suficientes para responder às demandas do planeta, que vão em direção à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Não está claro como o Brasil vai conseguir fazer isso e cumprir o Acordo de Paris, que prevê a neutralidade de carbono até 2050. Há ainda um grande vácuo na política para que isso aconteça e infelizmente não temos tempo para esperar”, afirma Fukayama.

No começo do ano, o Fórum Econômico Mundial já havia alertado para o risco de que metade do PIB (Produto Interno Bruto) do planeta pudesse ser perdida em razão de negócios que hoje são dependentes da natureza e de seus serviços ecossistêmicos. Isso significaria US$ 44 trilhões a menos no mundo, o que acentuaria as desigualdades.

A União Europeia vem liderando o movimento de recuperação verde até aqui. Em maio, quando o bloco ainda sofria gravemente os efeitos da pandemia, a Comissão Europeia divulgou um plano para a retomada da economia dos países membros. Dos 750 bilhões de euros previstos para os próximos anos, 25% serão destinados a iniciativas de mitigação das mudanças climáticas e degradação da natureza. É previsto, por exemplo, a injeção de dinheiro em maneiras de se melhorar a eficiência energética, a geração de energia e a produção de veículos não-poluentes.

A medida, contudo, não serve apenas para a recuperação imediata da economia europeia, mas também para prepará-la para o futuro, visto que, ao que tudo indica, a crise atual se iniciou em razão de uma doença zoonótica provocada justamente pelo distúrbio humano em ambientes naturais. Até junho, governos e organizações internacionais já investiram algo próximo a US$ 9 trilhões para a prevenção dos impactos econômicos e humanos mais imediatos da pandemia. Ainda assim, apesar de todo esse esforço, o novo coronavírus tem causado efeitos de proporções catastróficas.

Um estudo publicado no final de julho na revista Nature estimou que o custo de prevenir uma pandemia por meio de ações ecológicas é 500 vezes menor do que os prejuízos econômicos decorrentes dela. Enquanto as despesas anuais com o monitoramento do comércio de animais e a redução do desmatamento, entre outras medidas, ficariam entre US$ 22 bilhões e US$ 31,2 bilhões, os prejuízos de uma pandemia poderia variar de US$ 8,1 a US$ 15,8 trilhões, dependendo da sua taxa de mortalidade.

Nos Estados Unidos, a retomada verde é conhecida como “New Green Deal”, uma série de medidas estruturais para reduzir a poluição do país. Uma das propostas defende que a economia americana atinja a neutralidade de emissões até 2050. No entanto, assim como no Brasil, o avanço de legislações sustentáveis no campo econômico ainda esbarra em questões políticas e ideológicas. No país, o movimento tem sido liderado pelo setor empresarial e financeiro, mas ainda com impactos limitados, sem o apoio mais contundente do poder público. O cientista Carlos Nobre, membro da RECN, que tem atuado com iniciativas tecnológicas na Amazônia, cunhou o termo “Amazon Green Deal” para fazer referência ao novo modelo de desenvolvimento socioeconômico da região.

Sobre a Rede de Especialistas

A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade. São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias. Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores.


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