Por Mariana Oliveira, Viviane Maria Barazetti, Fatima C. M. Piña-Rodrigues, Lausanne S. de Almeida, Natalia Coelho e Antonio Higa em WRI Brasil | No meio da Mata Atlântica, entre o norte do Espírito Santo e o Sul da Bahia, há uma floresta que intriga pesquisadores por sua cobertura florestal exuberante, com espécies de fauna e flora únicas. Essa floresta é conhecida como Hileia baiana, ou Floresta de Tabuleiros, e muitas vezes é comparada com a própria floresta Amazônica, tendo inclusive espécies comuns dos dois biomas.
Como em toda a Mata Atlântica, porém, a Hileia baiana sofreu com desmatamento histórico da nossa vegetação nativa, e precisa ser recuperada. Isso representa uma oportunidade para restaurar a paisagem envolvendo a agricultura familiar e as comunidades indígenas da região, gerando diversos benefícios socioeconômicos e produção de alimentos com sustentabilidade.
Para destravar essa restauração e garantir a recuperação desse ecossistema, entretanto, existem gargalos, como a falta de um fornecimento estável de sementes e mudas. O Programa Arboretum, em parceria com WRI Brasil, PRETATERRA, Floresta com Ciência e pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos e da Universidade Federal de Viçosa, com o apoio do Instituto Humanize, desenvolveu na região o projeto “Cadeias Produtivas Sustentáveis no Extremo Sul da Bahia”, com o objetivo de entender como a restauração pode ganhar escala na região e apoiar produtores que têm interesse em quitar seus passivos ambientais.
Um dos componentes do projeto foi identificar lacunas sobre a produção, coleta e beneficiamento das sementes utilizadas na cadeia da restauração no extremo Sul da Bahia.
Para o crescimento de novas árvores, é preciso sementes de árvores nativas que hoje estão em fragmentos florestais ainda protegidos. O conhecimento tradicional de povos indígenas e comunidades locais pode ajudar a encontrar matrizes que produzem sementes com qualidade. Há no Brasil bons exemplos de engajamento de comunidades nessa cadeia de produção, como a Rede de Sementes do Xingu, por exemplo.
Visando fortalecer a rede de sementes do Programa Arboretum, o projeto trabalhou em conjunto com quatro núcleos indígenas do Sul do Bahia. Foi feito um trabalho de mobilização e engajamento com a comunidade, especialmente com as mulheres, que resultou na capacitação de coletores de sementes e marcação de matrizes. A partir desse processo, foram feitas coletas de sementes em fragmentos florestais próximos, alguns dentro das próprias comunidades, outros em unidades de conservação da região que permitem esse tipo de manejo.
Em três anos, os quatro núcleos indígenas coletaram 5,5 mil quilos de sementes de árvores nativas para serem utilizados na restauração de áreas degradadas da região, sendo mais de 200 espécies diferentes. Essas sementes foram comercializadas, chegando a um faturamento total de R$ 160 mil, valor que foi repassado para as próprias comunidades.
Os resultados mostram que a mobilização das pessoas da região, em especial das comunidades indígenas, é um fator importante para a cadeia de produtos da restauração. Porém, ainda existem desafios a serem enfrentados para consolidar essas redes, como ampliar o número de pessoas, a participação feminina e garantir a formalização das associações.
Coletar sementes em fragmentos florestais é importante, mas pode não ser o suficiente. Estudos estimam que a produção atual de sementes do Brasil ainda está longe do fluxo necessário para se cumprir a meta de restauração de 12 milhões de hectares de florestas. E se. além da coleta, nós também investíssemos na produção de sementes?
Essa foi uma das propostas vinculadas ao projeto, que testou a concepção e implementação de dois modelos para pomares de sementes.
Um dos modelos foi integrado com um Sistema Agroflorestal (SAF), com plantas de cacau e bananeiras. Outro modelo foi implantado sob cobertura de uma mata natural. Em ambos os casos, a escolha das árvores foi feita de acordo com a necessidade de produção de sementes. Esses modelos de pomares poderão ajudar a produzir sementes e contribuir para solucionar o atual gargalo na cadeia da restauração.
Para demonstrar o funcionamento dos pomares, o projeto já instalou pomares de 5 espécies nativas (Cupã, Vinhático, Sapucaia, Jacaranda-da-Bahia e Palmito-juçara) em mais de 50 hectares no sul da Bahia. A expectativa é que esses pomares comecem a produzir sementes nos próximos anos, assim que as árvores plantadas atingirem a maturidade necessária para isso.
A implantação de pomares de sementes de espécies florestais arbóreas nativas pode ser uma importante alternativa para atender as metas de recuperação das Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente. Manejar e monitorar essas áreas é chave no processo de consolidação do conhecimento e do modelo.
Mas o que fazer com as sementes produzidas e coletadas?
Se as sementes forem semeadas diretamente, em vez de usadas para a produção de mudas, poderia diminuir custos da restauração e, em contrapartida, aumentar a demanda. Essa técnica de restauração é conhecida como semeadura direta ou muvuca.
O projeto se propôs também a compreender se a restauração na Hileia baiana poderia ser conduzida com semeadura direta, e não apenas com mudas. Quais as chances de sucesso da restauração usando essa técnica?
O projeto produziu uma pesquisa experimental com semeadura direta de 32 espécies diferentes. Dessas, 17 espécies (53%) sobreviveram e prosperaram por meio desta técnica, com média de 3800 a 7500 indivíduos por hectare. Esse resultado é positivo cientificamente e em breve conteúdos serão divulgados sobre esse tema.
Dessa forma, a pesquisa demonstrou que a semeadura direta é uma técnica viável de restauração no extremo sul da Bahia, e que pode ser usada em parceria com outras estratégias – como a regeneração natural assistida ou o plantio de mudas – compondo uma abordagem mais ampla que pode reduzir custos da restauração.
Estudos como os desenvolvidos pelo projeto “Cadeias Produtivas Sustentáveis no Extremo Sul da Bahia”, apesar de ainda experimentais e demonstrativos, já indicam a importância de se garantir um bom suprimento de sementes dentro da cadeia da restauração. Essas sementes são cruciais para recuperar não apenas o importante ecossistema da Hileia baiana como permitir acelerar e dar escala à restauração em todo o país – como já apresentado nas estratégias possíveis para serem promovidas na Década da Restauração de Ecossistemas.
Além disso, essa restauração sendo feita em conjunto com agricultores familiares e comunidades indígenas, em redes e apoiando sistemas agroflorestais, podem garantir uma agricultura de baixo carbono que valoriza pessoas, gera empregos, e promove equidade e justiça social.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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