Por Patrick Fuentes em Jornal da USP – O mercado editorial de quadrinhos vem passando por transformações nas últimas décadas. Quando foram criadas, as histórias em quadrinhos, ou HQs, se tornaram um fenômeno cultural e mercadológico. Houve uma mudança no perfil do consumidor e das formas de consumo dessa mídia desde a chamada era de ouro, na década de 50.
Para Waldomiro Vergueiro, professor e coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos na Escola de Comunicações e Artes da USP, o mercado de quadrinhos tem características muito específicas desde seu início. “No final da década de 30, quando surgem as revistas em quadrinhos nos Estados Unidos, principalmente com super-heróis, elas se direcionam para o público infantil, foi o primeiro produto criado especificamente para esse tipo de público”, explica o professor.
O Brasil foi um dos países onde essa ascensão das revistas ocorreu, com publicações chegando a tiragens de 1 milhão de exemplares, dependendo do título. Na época, a forma como as HQs eram direcionadas ao público infantil facilitou a penetração dessa forma de entretenimento junto à sociedade. Segundo Vergueiro, apesar do sucesso, o fato de ser um produto direcionado a crianças gerou uma ostracização das revistas, criando uma reputação de arte menor, impedindo uma maior adesão do público.
De acordo com o professor, com a mudança das décadas, o público que consumia a mídia cresceu e tornou-se parte do mercado consumidor, o que levou a uma transformação do formato dela para os que ainda possuíam interesse nesse tipo de publicação.
“Essa visão de que os quadrinhos eram exclusivos para público infantil foi se modificando; outros produtos foram sendo criados, onde tem uma evolução da revista em quadrinho para um quase que livro em quadrinhos — que seriam as graphic novels — e nós vemos o direcionamento da produção para o público mais adulto, isso foi bom”, afirma o professor.
Por ter leitores com uma maior variedade etária, os autores das histórias tiveram um aumento das narrativas possíveis nas revistas, passando a ter conteúdos mais maduros e autorais para atender à nova demanda. Esse processo ajudou a tornar as HQs parte de um mercado de entretenimento de nicho.
“Hoje em dia, a produção de quadrinhos é muito menor numericamente; tem uma variedade muito grande de títulos, mas para públicos menores, então, as revistas de história deixaram de ser, digamos assim, o carro-chefe da indústria para se transformarem num dos eixos de uma grande roda”, conta Vergueiro, ao explicar como os quadrinhos passaram a integrar uma nova forma de consumo midiático.
Atualmente, muitas das narrativas iniciadas nas revistas vêm sendo adaptadas para diversas mídias, como o cinema, televisão, videogames, desenhos animados etc. Segundo levantamento do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual da Agência Nacional do Cinema (Ancine), dos dez filmes mais vistos em 2021, cinco são baseados em personagens nascidos dos quadrinhos.
Dificuldade de acesso interfere no consumo das HQs
Apesar do aumento do consumo de adaptações das HQs, isso não reflete nas vendas dos títulos publicados, como explica Vergueiro: “Esses filmes não têm refletido em mais leitores, são sempre leitores que se aproximam dos quadrinhos durante um tempo e logo abandonam; então, você não tem o leitor fiel, o colecionador, essa é uma figura que foi desaparecendo aos poucos, infelizmente”.
Para Vergueiro, a falta de contato desde a infância com as revistas é um grande empecilho no processo de formação de novos leitores e consumidores dessa mídia específica. Atualmente, grande parte dos leitores de quadrinhos é de consumidores intermediários, cujos hobbies se mesclam entre HQs e outros formatos de entretenimento. “Esse público exclusivo de quadrinhos, o aficionado por história em quadrinhos, esse público realmente diminuiu mesmo, diminuiu bastante”, diz o professor.
Os fatores que afetam o consumo variam desde a ordem econômica até a falta de acessibilidade de locais que possam disponibilizar títulos em quadrinhos para o público. Devido à tiragem menor que os títulos têm, a distribuição de revista focaliza-se nos centros urbanos, limitando o acesso de populações de pequenos municípios. Outro ponto que interfere nesse mercado é o preço dos títulos, que impede um consumo por públicos com menor poder financeiro.
Para Vergueiro, democratizar o acesso às HQs é importante para permitir que novos leitores entrem em contato com a mídia. A criação de novas gibitecas pelo País ou o aumento de títulos em quadrinhos nas bibliotecas públicas são “fatores que ajudam a empurrar, aumentar ou incentivar o consumo de quadrinhos”, conclui.
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