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Crescimento da procura por cannabis sativa medicinal mostra a necessidade de uma política pública para seu uso

Por Carol Correia em Conexão UFRJ A ciência encontra cada vez mais indícios de que o uso de substâncias derivadas da cannabis sativa podem ser importantes auxiliadoras no tratamento de doenças crônicas e na melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Porém, os benefícios do medicamento são tão grandes quanto a polêmica que envolve a utilização da planta medicinal.

Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão responsável pela liberação da importação do ativo para consumo individual, o número de solicitações cresceu de 8.522, em 2019, para 33.793, em 2021 – um aumento de quase 400%. A BRCANN, associação de indústria de canabidioides, que sintetizou as informações, afirma que o perfil do usuário dos compostos também mudou.

Se antes as crianças representavam mais de 50% do público, hoje esse número caiu para 21%, acompanhado de um forte crescimento entre os idosos. Virgínia Martins Carvalho, professora da Faculdade de Farmácia e coordenadora do projeto de extensão FarmaCannabis – que funcionou na UFRJ até o final de 2021– , explica que o uso de compostos de canabidiol se popularizou no Brasil entre responsáveis por crianças com epilepsia refratária, um tipo de condição de difícil controle com anticonvulsivos tradicionais. O óleo da cannabis, nesse caso, tem resposta positiva no controle das crises frequentes, permitindo a melhoria da qualidade de vida e do desenvolvimento do paciente.

O projeto de extensão coordenado pela professora trabalhava principalmente com a análise e acompanhamento de óleos produzidos de forma artesanal.

“Começamos a trabalhar em 2017 com a parte analítica dos compostos. O FarmaCannabis tem como objetivo orientar e dar apoio farmacêutico para pacientes que estão em tratamento com cannabis e derivados. A prioridade são os responsáveis de pacientes pediátricos portadores de epilepsia refratária”, conta.

Mas o interesse pelo uso da cannabis medicinal vem se popularizando também entre pessoas acometidas por outras enfermidades ou condições de saúde – como câncer, dor crônica, ansiedade e depressão –, que buscam o alívio dos sintomas da própria doença ou de seus tratamentos. Mesmo com o aumento da demanda, o Brasil não conta com uma política pública que sistematize o uso dos derivados da cannabis, tornando o processo muito mais custoso e complicado para os usuários.

As barreiras são muitas, começando pelo acesso ao profissional prescritor. O paciente interessado em iniciar o tratamento precisa encontrar médicos – geralmente psiquiatras ou neurologistas – que sejam capacitados e autorizados a prescrever o medicamento. Esses profissionais ainda são raros e, muitas vezes, inacessíveis. O tema tem sido judicializado com frequência para o acesso via Sistema Único de Saúde (SUS), mas a batalha é longa e cansativa.

Após esse processo, o paciente com epilepsia refratária tem a opção de comprar em farmácias a única medicação autorizada pela Anvisa no país – ou, caso seja paciente com outra condição, de solicitar à agência autorização para importação. Existe ainda uma terceira alternativa: a compra de óleos artesanais via associações ou, ainda, com produtores não regulamentados, o que torna o consumo bastante inseguro.

Segundo Luciana Boiteux, professora da Faculdade Nacional de Direito (FND), são mais de 500 ações na Justiça que tratam de pedidos de autorização para plantio da cannabis no país, seja de maneira coletiva ou individual. “A Anvisa não tem dado essa autorização, por isso que ir à justiça tem sido o único meio atualmente.”

Canabidiol não é maconha

Carvalho explica que é muito importante diferenciar o composto utilizado no tratamento da maconha propriamente dita. Cannabis sativa é um nome geral que designa uma planta com subespécies diferentes. Uma de suas características é ter compostos ativos denominados canabinoides, entre eles o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). Segundo a pesquisadora, são dois tipos de planta que precisam ser compreendidos separadamente.

Um é a marijuana, segundo a classificação internacional –  ou maconha, em português –,  que é rica em THC, composto psicoativo responsável pelas alterações de consciência buscadas no uso recreativo. Pesquisas mostraram que essa substância também tem efeitos medicinais, como a melhora de enjoos, vômitos, dor e espasmos causados por doenças como o Parkinson, por exemplo. Porém, esse princípio não deve ser utilizado em algumas condições como a epilepsia, já que pode aumentar a ansiedade e causar convulsões.

O outro tipo de planta é chamado no exterior de hemp –  no Brasil, cânhamo. A espécie pode ser rica em CBD e pobre em THC, sendo usada na indústria farmacêutica, ou, ainda, pobre nos dois, servindo como matéria-prima para outras indústrias. O canabidiol tem efeito calmante, anticonvulsivo e anti-inflamatório.

Regulamentar é o caminho

Um dos principais empecilhos para a legalização das substâncias derivadas da cannabis no país ainda é o conservadorismo e a falta de conhecimento. Declarações de políticos, como o presidente Jair Bolsonaro, relacionam o tratamento com o uso recreativo da maconha, buscando influenciar a opinião pública contra a aprovação do medicamento. Mas essa correlação não é verdadeira, como já explicada por Carvalho, e é extremamente prejudicial para os pacientes que buscam a melhora de seus sintomas.

Em junho de 2021, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou, em caráter conclusivo, parecer favorável à legalização do cultivo da cannabis sativa para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais. A votação do Projeto de Lei n 399/2015 foi dividida, com 17 votos a favor e o mesmo número de votos contrários, e a decisão ficou por conta do relator Luciano Ducci. O texto poderia seguir para o Senado, mas um recurso impediu esse trâmite e fará a matéria passar pelo plenário da Câmara em 2022.

Boiteux concorda que o projeto de lei vai ajudar no acesso ao tratamento, mas necessita de melhorias e maior prazo para adaptações. O texto prevê muitas exigências para o cultivo, mas sem tempo hábil para que as associações de pacientes, que são em maioria pequenas, possam cumpri-las. Além disso, o investimento necessário é muito alto.

“Também sabemos que esse projeto tem uma omissão grave, que é não permitir o cultivo para fins pessoais que entendemos ser um direito constitucional que está sendo debatido no Supremo Tribunal Federal.”

As pesquisas com cannabis têm tido avanço nos últimos anos em questões de saúde pública e, também, no âmbito político, como na legalização em nível federal no Canadá, um dos países com legislação mais rigorosas na área farmacêutica. “A resistência no Brasil é um discurso populista e moralista, que é o mesmo dos negacionistas. É claro, negam a ciência na pandemia e negarão a ciência na política de drogas. A gente precisa disputar esse discurso e trazer as evidências, reafirmando nosso compromisso”, declara.

Para Boiteux, a regulamentação da produção auxiliaria no combate ao tráfico e diminuiria o poder do crime organizado, como acontece nos Estados Unidos e no próprio Canadá. O processo de manutenção de uma política repressiva e encarceradora, como no tráfico, é uma das causas da violência. O México, por exemplo, está também reavaliando sua legislação.

“A guerra às drogas não é uma guerra às substâncias, mas uma guerra às pessoas, e essa guerra é que traz insegurança, morte e violência, principalmente uma guerra racista que tem como alvo jovens negros e pobres”, conclui.


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