Um número crescente de espécies de animais polinizadores está ameaçado de extinção em todo o mundo em decorrência de fatores como mudança no uso da terra, uso indiscriminado de pesticidas e alterações climáticas.
Caso não sejam adotadas medidas para reverter o quadro, as consequências para a economia global, a produção de alimentos, o equilíbrio dos ecossistemas e a saúde e o bem-estar humanos poderão ser desastrosas.
O alerta foi feito por especialistas da Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) no relatório “Polinização, polinizadores e produção de alimentos”, divulgado hoje durante a 4ª Sessão Plenária da IPBES, em Kuala Lumpur, na Malásia.
O processo de elaboração do documento foi coordenado ao longo dos últimos dois anos pelo britânico Simon G. Potts, professor da Universidade de Readings, no Reino Unido, e pela brasileira Vera Lucia Imperatriz Fonseca, professora sênior do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e membro do Programa Fapesp de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (Biota).
“Cerca de 90% das espécies de plantas silvestres dependem, pelo menos em parte, da transferência de pólen feita por animais. Essas plantas são críticas para o funcionamento dos ecossistemas, pois fornecem comida e outros recursos essenciais para uma enorme gama de espécies”, destacou Fonseca.
Segundo Adam J. Vanbergen, pesquisador do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido e coautor do documento, a boa notícia é que há uma série de passos que podem ser seguidos para reduzir o risco aos polinizadores e, por extensão, à saúde das populações humanas em todo o mundo. “O principal deles é buscar uma agricultura mais sustentável, o que envolve a diversificação das paisagens agrícolas e redução do uso de pesticidas”, afirmou em entrevista à Agência Fapesp.
O relatório é o primeiro de uma série de diagnósticos sobre o status da biodiversidade no planeta previstos para serem divulgados pelo IPBES até 2019. A entidade internacional foi criada em 2012 com a função de sistematizar o conhecimento científico acumulado sobre o tema, de modo a subsidiar decisões políticas em âmbito internacional. Atualmente, a plataforma conta com representantes de 124 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Paralelamente ao relatório temático, o grupo divulgou um sumário dos principais achados direcionado aos formuladores de políticas públicas.
Mais de três quartos das principais lavouras alimentícias no mundo dependem, em algum grau, dos serviços de polinização animal, seja para garantir o volume ou a qualidade da produção. Algumas dessas espécies vegetais são cruciais para garantir o aporte de vitaminas, minerais e outros micronutrientes essenciais para a saúde humana.
“Entre as espécies cultivadas no Brasil que dependem ou são beneficiadas pela polinização animal podemos destacar açaí, maracujá, maçã, manga, abacate, acerola, tomate e muitas outras frutas, além da castanha-do-pará, do cacau e do café. Soja e canola também produzem mais na presença de polinizadores”, contou Fonseca.
Segundo o relatório, ao todo, 35% das lavouras mundiais dependem de polinização animal. Além das espécies usadas na alimentação humana, há outras importantes para a produção de bioenergia (canola e palma), fibras naturais (algodão e linho), remédios, entre outros elementos que beneficiam as populações.
Estima-se que, atualmente, entre 5% e 8% da produção agrícola global esteja diretamente ligada à polinização animal, o que corresponde a um mercado que varia entre US$ 235 bilhões e US$ 577 bilhões. No Brasil, a riqueza gerada com auxílio dos polinizadores foi estimada em torno de US$ 12 bilhões.
A maioria dos animais polinizadores é silvestre, incluindo mais de 20 mil espécies de abelhas, além de algumas de moscas, borboletas, mariposas, vespas, besouros, trips (insetos da ordem Thysanoptera), pássaros, morcegos e outros vertebrados, como lagartos e pequenos mamíferos.
Entre as espécies que podem ser manejadas pelos agricultores destaca-se a Apis mellifera, conhecida no Brasil como abelha africanizada. Também são bastante empregadas espécies de abelhas sem ferrão, mamangavas e abelhas solitárias (estas não vivem em colônias).
A importância de espécies silvestres e manejadas para a agricultura varia de acordo com o local, sendo que o ideal para a produção agrícola é a combinação entre esses dois tipos de polinizadores.
“Se nos fiamos em apenas uma única espécie polinizadora corremos o risco de essa população se tornar vulnerável a fatores como doenças ou espécies invasoras. Uma estratégia melhor seria empregar polinizadores manejáveis e, ao mesmo tempo, promover condições para a sobrevivência de polinizadores silvestres, como, por exemplo, manter uma área verde ao redor das lavouras na qual existam flores que sirvam de alimento e abrigo para esses animais”, comentou Vanbergen.
Segundo dados da International Union for Conservation of Nature (IUCN), 16,5% das espécies de polinizadores vertebrados estão na chamada “Lista Vermelha”, ou seja, correm risco de extinção global. Embora no caso dos insetos não exista uma Lista Vermelha, avaliações feitas em nível regional e nacional indicam alto nível de ameaça para algumas espécies de abelhas e borboletas – frequentemente, estudos locais indicam que mais de 40% dos invertebrados estão ameaçados.
Na Europa, por exemplo, 9% das espécies de abelhas e borboletas estão ameaçadas. Declínio populacional foi observado para 37% das espécies de abelhas e 31% das borboletas. Segundo Fonseca, no Brasil, há cinco espécies de abelhas em risco de extinção, mas listas regionais podem apresentar um número maior de espécies. “Faltam dados para determinar o número exato de espécies ameaçadas no país. O que sabemos é que as abelhas em geral são muito menos abundantes hoje do que foram no passado”, afirmou.
As atividades humanas estão relacionadas aos principais fatores de risco à sobrevivência dos polinizadores. Entre eles destacam-se as mudanças no uso da terra (quando, por exemplo, uma área florestal é desmatada para dar lugar a pasto, plantações ou área urbana), que na maioria das vezes resulta em fragmentação ou degradação de habitats. Também são citados a agricultura intensiva (monocultura), uso de pesticidas, poluição ambiental, espécies invasoras, patógenos e mudanças climáticas.
Segundo Fonseca, o relatório analisou os dados existentes sobre pesticidas à base de neonicotinoides e os efeitos letais e subletais que produzem nas abelhas. A maioria dos estudos trata de respostas a testes de laboratórios.
“Recentemente, um grande estudo comparativo em campo foi feito na Suécia e demonstrou, pela primeira vez, o efeito negativo sobre os polinizadores silvestres. No entanto, o estudo não confirmou o mesmo impacto sobre as colônias de Apis mellifera da região. Nas prioridades de pesquisas a serem desenvolvidas no Brasil, com relação a ameaças aos polinizadores, este tópico deverá ser contemplado, assim como um levantamento sobre o status de saúde de nossos polinizadores”, comentou a pesquisadora.
O impacto do cultivo de transgênicos, segundo o documento, precisa ser melhor estudado. “Potencialmente, pode haver benefícios, pois plantas transgênicas resistentes a pragas evitariam o uso de agrotóxicos. Mas também pode haver malefícios, pois algumas borboletas polinizadoras são geneticamente muito próximas de espécies consideradas pragas às quais certas plantas transgênicas foram desenvolvidas para matar. Poderiam, portanto, ser afetadas. Há também questões como a possibilidade de escape dos genes introduzidos para populações silvestres de plantas aparentadas geneticamente com a cultura cujas consequências não foram ainda avaliadas”, explicou Breno M. Freitas, professor da Universidade Federal do Ceará e um dos cinco brasileiros que integraram a equipe responsável pelo relatório.
Algumas medidas a serem adotadas na direção de uma agricultura mais sustentável, de acordo com o documento, incluem proteção e restauração de manchas de habitat natural e seminatural em meio à paisagem agrícola; diminuição da exposição dos animais a pesticidas, buscando formas alternativas de controle de praga e novas tecnologias; aprimoramento da criação de polinizadores manejáveis, aumentando sua resistência a patógenos e regulando o comércio e o uso desses animais.
A elaboração do relatório contou com a colaboração de 77 especialistas, de diversos países, indicados pelos respectivos governos e selecionados pela IPBES com base no perfil científico. Mais de 3 mil artigos científicos publicados em revistas indexadas foram revisados pelo grupo, que também fez uso de outros tipos de documentos, como relatórios governamentais, recursos disponíveis na Internet e conhecimentos locais e indígenas.
“Pela primeira vez, reunimos em um documento as evidências científicas e o conhecimento indígena, bem como as ciências sociais e as ciências biológicas. Tentamos colocar sobre a mesa tudo que é importante saber sobre polinização, polinizadores e produção de alimentos. Países desenvolvidos e em desenvolvimento apresentaram suas perspectivas e contribuíram igualmente para a construção deste relatório”, avaliou Fonseca.
“Participaram desta reunião (4ª Plenária) os representantes dos países-membros da IPBES. Eles agora vão voltar para suas nações e reportar os dados do relatório aos seus respectivos governos. Há boa vontade entre os governos aqui reunidos e sinto que levarão consigo estes achados para tentar implementar soluções”, disse Vanbergen.
“É uma grande emoção ver este diagnóstico aprovado pelos 124 países que constituem a IPBES, não só pelo novo paradigma de qualidade que este trabalho estabelece em relação a diagnósticos globais de biodiversidade e serviços ecossistêmicos, mas também por ter participado ativamente do planejamento, estruturação e definição do escopo deste documento na 2ª Sessão Plenária da IPBES realizada em Antalya, na Turquia, em dezembro de 2013”, afirmou Carlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), co-chair do Painel Multidisciplinar de Especialistas (MEP, na sigla em inglês) da IPBES e coordenador do Programa Biota/Fapesp.
“É a experiência do Biota/Fapesp sendo usada em nível global, tanto do ponto de vista do conhecimento científico, com a enorme contribuição da professora Vera Imperatriz Fonseca, como do ponto de vista da interface ciência-política”, acrescentou Joly.
Para Blandina Felipe Viana, professora da Universidade Federal da Bahia e coautora do documento, a experiência foi muito positiva e enriquecedora para todos os participantes. “Os encontros possibilitaram trocas de experiências e estabelecimento de novas parcerias. O Brasil além de ter contribuído com a expertise da sua capacidade instalada, forneceu importantes evidências sobre o papel dos polinizadores na agricultura e opções para uso e conservação desses animais”, contou.
Na avaliação de Freitas, a principal mensagem é que os polinizadores são fundamentais para a alimentação e qualidade de vida humana, bem como para a manutenção da biodiversidade do planeta. “Devemos urgentemente desenvolver políticas públicas que assegurem a conservação e o uso sustentável desses animais.”
Fonte: Agência Fapesp
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