Por João Dallara em Jornal da USP
Relatório realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas, uma agência da ONU, diz que 50% das gravidezes no mundo não são planejadas. Mais de 60% dessas gravidezes acabam em aborto e quase metade deles não são feitos de forma segura. O relatório aborda o assunto como uma crise global de gravidez não intencional. Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, o professor Marco Aurélio Galletta, especialista em Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, analisa os dados elevados de gravidezes não planejadas, em especial no Brasil.
De acordo com o professor: “Até um tempo atrás, nós poderíamos falar da falta de informação. Hoje em dia, com o acesso que se tem, com a internet e com os meios de comunicação, é difícil você falar que tem a questão da falta de conhecimento sobre isso. Acho que a questão que se coloca é a falta de acesso aos sistemas de saúde. Eu acho que onde tem mais escolaridade, uma situação econômica melhor e com melhor acesso aos métodos contraceptivos, você vai ter uma taxa menor de gravidez indesejada.”
Galletta comenta sobre a situação brasileira e a falta de acesso aos métodos de contracepção. “É um desafio o acesso aos métodos contraceptivos, porque estamos falando de acesso ao sistema de saúde e no Brasil é o SUS, que é universal. Caminhamos muito no SUS para ter um acesso universal realmente, essa é uma questão que quem estuda o SUS e quem batalha no sistema de saúde sabe muito bem. Não é fácil você conseguir a abordagem de toda a população, que ela realmente possa ir nos locais e conseguir a orientação necessária. Tem uma série de dificuldades de distância, por exemplo, de horários em que as Unidades Básicas de Saúde funcionam, os métodos disponíveis, então isso certamente é uma coisa que preocupa”, afirma.
O planejamento deveria ser indispensável para qualquer família. Com isso, o diálogo e acompanhamento médico são necessários para uma contracepção ou gravidez saudável. O professor indica: “Os métodos de contracepção deveriam entrar em um esquema de planejamento familiar, em que a mulher pudesse junto com o seu parceiro decidir o intervalo entre as gravidezes. Fala-se muito da contracepção, mas não dessa orientação em relação ao todo”.
Em relação ao alto número de abortos, Galletta entende que “a gravidez indesejada sim, está relacionada com abortamento provocado, de forma clandestina e que tem risco para saúde da mulher. Então, essa notícia é algo importante para nós enquanto sociedade. Se você fala de anticoncepção, você vai estar falando de gravidez indesejada e abortamento e essas coisas são relacionadas”.
Por ser criminalizado, os dados sobre o aborto induzido no Brasil são inconsistentes. O professor destaca a importância do relatório, por abordar o mundo e suas diversas particularidades e discute a questão brasileira: “Eu acho que deveríamos ter uma noção melhor sobre isso no Brasil e as suas dificuldades inerentes. Sabemos do abortamento que entra no hospital, agora o abortamento que acaba sendo de forma clandestina não temos ideia do que seja isso. Alguns pesquisadores imaginam que um terço das gestações acabam indo para o abortamento, juntando abortamento espontâneo e provocado”.
O aborto realizado de forma ilegal é doloroso e com grande riscos. “Quando a mulher provoca um aborto é porque ela está sofrendo muito com isso. Não é uma coisa tranquila. É muito angustiante e difícil e nós não deveríamos julgar. Em termos de saúde pública, precisamos nos preocupar em fornecer o melhor tratamento possível para essas mulheres”, comenta Galletta.
O professor ressalta ainda a importância da conscientização em relação à gravidez e a necessidade de mais atenção às políticas de prevenção: “Teríamos que ter uma conscientização maior com mais divulgação, mais campanhas publicitárias. Estamos muito atrás nessa agenda”, ressalta.
Este texto foi originalmente publicado por Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais